sábado, 8 de agosto de 2009

Juíza Federal do DF: Resolução 01/99 do CRP objetivou de forma ética coibir atuação profissional discriminatória à homossexualidade

A psicóloga Rosangela Alves Justino impetrou Mandado de Segurança em face do Presidente do Conselho Federal de Psicologia perante a 15ª Vara da Seção Judiciária Federal do Distrito Federal, com o objetivo de, liminarmente, suspender o processo disciplinar que respondia perante o Conselho, até julgamento do mérito do Mandado de Segurança.

No mérito, a psicóloga deseja seja reconhecida a inconstitucionalidade da Resolução nº 01/99, do Conselho Federal de Psicologia, que impede seus afiliados de promoverem "terapia" para reorientação sexual.

Em 30/07/09 foi examinado o pedido de liminar e proferida a decisão. A liminar pretendida foi negada.

Tanto afasta a suspensão pleiteada, afirmando não constatar nenhum vício (erro ou impropriedade) na punição disciplinar aplicada pelo Conselho Regional de Psicologia (Censura Pública), quanto aborda a regularidade da Resolução atacada:

"... não verifico qualquer vício, material ou formal, a macular o ato administrativo promovido pela impetrada consistente na atribuição de penalidade de Sanção Pública à impetrante. ..."


"... O texto da regulamentação normativa supracitada, ao disciplinar a atuação do profissional de psicologia, objetivou de forma ética coibir a atuação laboral tendente à análise da homossexualidade como patologia a ser tratada ou mesmo evitar qualquer discriminação sexual em tal sentido. ..."


Confira o texto integral:
DECISÃO Nº: 151/2009-B
PROCESSO Nº 2009.34.00.024326-5
CLASSE: 2100 – MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL
IMPETRANTE: ROZANGELA ALVES JUSTINO
IMPETRADO: PRESIDENTE DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA

DECISÃO
Cuida-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por ROSANGELA ALVES JUSTINO contra ato do PRESIDENTE DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, postulando, em suma, a suspensão do processo disciplinar n. 1659/08, perante o Conselho Federal de Psicologia, até o julgamento de mérito do presente mandamus.

Sustenta a impetrante ser psicóloga e lhe ter sido atribuída, pela impetrada, uma sanção disciplinar de Censura Pública, por meio do procedimento administrativo suso mencionado, ao argumento de estar auxiliando pessoas que optaram por deixar a homossexualidade.

Argumenta que as razões que fundamentaram a instauração do processo administrativo n. 1659/08 são descabidas, haja vista que a impetrante não visa, em sua atuação profissional, promover a cura da homossexualidade em si, mas tão-somente cuidar dos transtornos dela advindos, por aqueles que voluntariamente procuram tratamento neste sentido.

Aduz, assim, que ante a patente ausência de fundamento à sanção que lhe foi aplicada pela impetrada, restaram violados os artigos 5º, IV, IX, XIII e 220, § 1º, ambos da Constituição da República de 1988, mormente os princípios da proporcionalidade e legalidade, uma vez que a Resolução do CRP n. 01/99, que fundamenta a penalidade atribuída à impetrante, encontra-se em desacordo com a norma constitucional, uma vez que tal matéria não poderia ser tratada por meio de resolução, além do que macula o livre exercício profissional, garantido pela Lei Maior.

Irresignada, interpôs a presente ação mandamental visando, em sede de liminar, a suspensão do processo administrativo disciplinar n. 1659/08 instaurado pela impetrada.

Informações prestadas às f. 312/357.

É o breve relatório.

DECIDO

Não vislumbro a presença de plausibilidade do direito invocado a amparar a pretensão da impetrante, uma vez que não verifico qualquer vício, material ou formal, a macular o ato administrativo promovido pela impetrada consistente na atribuição de penalidade de Sanção Pública à impetrante.

A questão trazida à lume está pautada na possibilidade de o Poder Judiciário interferir na atuação reservada à esfera administrativa quando se tratar de decisão em dissonância com preceito legal ou que se revele desarrazoada ao crivo do interesse da coletividade. No caso dos autos, seria a possibilidade de se questionar judicialmente o mérito da decisão do CFP de aplicar penalidade de sanção pública à impetrante e o mérito da Resolução 01/99.

Inicialmente, devo destacar que a jurisprudência, em regra, afasta essa possibilidade por entender que se cuida de ato discricionário, que não pode ser modificado pelo judiciário (ROMS 1566, STJ).

Ao contrário do pensamento esposado, entendo que seria possível a interferência do Poder Judiciário, desde que houvesse clara afronta a princípios constitucionais.

A possibilidade de análise do mérito do ato administrativo decorre do princípio da razoabilidade, pois, dentre as diversas escolhas postas aquele competente para prática do ato administrativo, algumas são, aos olhos do senso comum, inteiramente inadequadas. Nesses casos, é evidente que o poder judiciário poderá avaliar o mérito do ato administrativo.

Entretanto, no caso dos autos, a impetrante não logrou êxito em demonstrar que a decisão proferida pelo Conselho Federal de Psicologia, no processo administrativo em debate, tenha afrontado texto constitucional ou infraconstitucional.

A Resolução n. 01/99 do Conselho Federal de Psicologia, em seus artigos 3º e 4º, regula a atuação profissional do psicólogo frente aos seus pacientes com relação à homossexualidade, estabelecendo que os profissionais que atuam na área deverão pautar suas condutas de forma a não tratar a homossexualidade como patologia a ser curada, ou mesmo ”não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades” (parágrafo único do artigo 3º da Resolução n. 01/99).

O texto da regulamentação normativa supracitada, ao disciplinar a atuação do profissional de psicologia, objetivou de forma ética coibir a atuação laboral tendente à análise da homossexualidade como patologia a ser tratada ou mesmo evitar qualquer discriminação sexual em tal sentido.

As diretrizes traçadas na referida resolução não desbordam da esfera de atuação ínsita ao próprio Conselho, qual seja, regulamentar a atuação do Psicólogo. Portanto, as disposições ali contidas, neste particular, não configuram violação aos preceitos legais e constitucionais invocados pela impetrante.

Obviamente, cabe ao Conselho Federal de Psicologia incluir ou não a homossexualidade ou os transtornos dela advindos como patologia a ser tratada. Tal aferição é incumbência dos profissionais da área especializada de psicologia, não sendo atribuição do Poder Judiciário rechaçar ou não o entendimento adotado pelo referido Conselho Federal, a menos que houvesse clara afronta ao princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, mas esse não é o caso dos autos.

A Resolução atacada visa preservar o direito à orientação sexual, que não pode ser taxada de “transtorno” ou “doença”. Ao contrário do que a impetrante alega, a CID-10 não considera o homossexualismo um transtorno. Aliás, há clara anotação na CID-10 nesse sentido:

F66 Transtornos psicológicos e comportamentais associados ao desenvolvimento sexual e à sua orientação
Nota:
A orientação sexual por si não deve ser vista como um transtorno.
F66.0 Transtorno da maturação sexual
O paciente está incerto quanto a sua identidade sexual ou sua orientação sexual, e seu sofrimento comporta ansiedade ou depressão. Comumente isto ocorre em adolescentes que não estão certos da sua orientação (homo, hetero ou bissexual), ou em indivíduos que após um período de orientação sexual aparentemente estável (freqüentemente ligada a uma relação duradoura) descobre que sua orientação sexual está mudando.
F66.1 Orientação sexual egodistônica
Não existe dúvida quanto a identidade ou a preferência sexual (heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade ou pré-púbere) mas o sujeito desejaria que isto ocorresse de outra forma devido a transtornos psicológicos ou de comportamento associados a esta identidade ou a esta preferência e pode buscar tratamento para alterá-la.
F66.2 Transtorno do relacionamento sexual
A identidade ou a orientação sexual (hetero, homo ou bissexual) leva a dificuldades no estabelecimento e manutenção de um relacionamento com um parceiro sexual.
F66.8 Outros transtornos do desenvolvimento psicossexual


Ademais, a leitura atenta do texto acima demonstra que não há nenhum caso onde o homossexualismo, por si só, seja considerado um transtorno. Os demais transtornos citados na petição inicial também não são homossexualismo (transexualismo e transtornos de identidade sexual na infância), como bem sabe a impetrante.

Dessa forma, a conduta praticada pela impetrante (dar tratamento a homossexuais para que se transformem em heterossexuais) não encontra acolhida nem na CID-10, nem entre os profissionais de psicologia, que têm se manifestado francamente contra tal tratamento.

Ademais, a impetrante está respondendo a processo administrativo no CFP não por estar tratando de transtornos em pacientes homossexuais, mas por defender idéias de que a orientação homossexual é patologia e por julgar (dar uma conotação moral) a homossexualidade (fls. 68). De fato, resta claro pela transcrição de parte da defesa escrita da impetrante (processo administrativo) o julgamento moral do homossexualismo, na medida em que utiliza a expressão “movimento pró-homossexualismo”.

A impetrante, também, mescla psicologia e religião ao dissertar sobre psicologia, além de ridicularizar o homossexualismo, o que resta evidenciado quando afirma que “ pessoas deixaram diversos comportamentos, inclusive os “gays/lésbicas que na linguagem bíblica eram chamados de efeminados e sodomitas, dentre os últimos também poderiam estar os pedófilos (interpretação minha)” (fls. 69). Diversos outros comportamentos discriminatórios contra a homossexualidade estão constantes do voto do relator do processo do CFP (fls. 72/75), inclusive a denominação do suposto transtorno homossexual: terapia reparativa. Além disso, há referência à “conversão dos infiéis” (fls. 84)

Nesses termos, não há como coibir o Conselho Federal de Psicologia de aplicar a sanção que entender necessária à impetrante, vez que sua conduta profissional atenta contra princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana. Na verdade, a impetrante desrespeita a orientação sexual dos homossexuais e o Conselho Federal de Psicologia tem a obrigação de reprimir esse comportamento, principalmente, no que concerne ao tratamento de homossexuais em consultórios de psicologia, como se fossem doentes (sujeitos à transtornos).

Por fim, não merece prosperar a alegação da impetrante de que a decisão coatora maculou a garantia constitucional do livre exercício da profissão, uma vez que, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, tal garantia não significa a vedação à regulamentação profissional, como no caso vertente. Aliás, tal edição normativa infraconstitucional atende justamente ao princípio da legalidade, consubstanciada na observância dos incisos VIII e XIII da CF/88.

Assim, não vislumbro, por ora, qualquer ilegalidade na decisão administrativa ventilada, nos termos esposados à inicial, a justificar o acolhimento do pedido formulado pela impetrante.

Ante o exposto, INDEFIRO A LIMINAR PLEITEADA.

Notifique-se a autoridade coatora para prestar informações no prazo legal.
Após, vistas ao MPF.
P.R.I.
Brasília, 30 de julho de 2009.

EMÍLIA MARIA VELANO
Juíza Federal Substituta da 15ª Vara/DF

Processo: 2009.34.00.024326-5
Classe: 120 - MANDADO DE SEGURANÇA
Vara: 15ª VARA FEDERAL
Data de Autuação: 22/07/2009
Objeto da Petição: PROCESSO ETICO CFP Nº 1659/08 (RECURSOS PROC. ÉTICOS CRP-05 Nº 665/04, 666/04 E 667/04)-SUSPENSÃO PROC. DISCIPLINAR ATE MÉRITO DESTE MANDADO SEGURANÇA -RECONHECER INCONSTITUCIONALIDADE RESOLUÇÃO 01/99

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