sábado, 21 de novembro de 2009

Que Haja Respeito

"Quero que as pessoas enxerguem meu lado homossexual como uma coisa séria, que haja respeito." (Leci Brandão. Jornal Lampião da Esquina, nº 29, ano 3, out. 1980, pág. 19.)

Ontem comemorou-se o Dia da Consciência Negra. Aqui no Rio, o dia inteiro a rádio Nacional AM (que pena ainda não transmitir em FM) dedicou-se ao tema da assimetria socioeconômica e política entre negros e brancos no Brasil.

No "Terreirão do Samba", na Praça Onze, reduto desse estilo musical, o dia também foi de festa.

Ali perto, na Avenida Presidente Vargas, junto ao monumento em memória de Zumbi (que, segundo pesquisadores, há fortes indícios de que tenha tido práticas homossexuais), houve manifestações de caráter político.

À noitinha, a TVBrasil (antiga TV Educativa) também dedicou bastante espaço à questão.

Hoje, ainda a mesma rádio Nacional continuou a repercutir a temática da luta pela isonomia efetiva entre negros e brancos em nosso país. Entre as matérias, um historiador, professor da UFBa, foi entrevistado longamente.

Discorreu sobre o número de escravos que aportaram no cais da Muy Valorosa e Leal Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, do percentual da população negra na cidade em 1850 (metade!), da dimensão do holocausto praticado e da luta de criolos e africanos pela superação do escravismo.

Falou também de seu projeto, que conta já dez anos, apresentado à Prefeitura Muncipal na anterior gestão e, embora publicado em Diário Oficial, não foi à frente.

Trata-se de um memorial histórico e arqueológico, a ser erguido na região do Cais do Porto, em tributo à diáspora negra e à participação dos povos africanos na construção de nossa cidade e nação. Segundo informa o historiador, a atual administração da Prefeitura recentemente retomou os contatos para a efetivação do projeto. Caso a vontade políticoadministrativa não se desfaleça, como na anterior administração, até fins de 2010 o Memorial estaria pronto, pois a equipe de especialistas já está formada.


Em meio a tantas reflexões, reivindicações, celebrações e festividades, um pensamento feliz me ocorreu:

- Em algum momento no futuro também haverá o dia em que todos os meios de comunicação dedicarão espaço à reflexão e homenagens à luta, trabalho, resistência e criatividade de travestis, lésbicas, gays, transexuais e bissexuais brasileiros; à rememoração de sua contribuição para a construção de um país mais justo e fraterno, uma república efetivamente democrática para todos, indistintamente.

Nesse dia, as pessoas irão às ruas, livres, felizes, sem medo de serem espancadas ou mortas por um beijo ou por andar de mãos dadas.

Elas se reunirão independentemente da cor da pele, do bairro de moradia, das estrelas na conta bancária, da marca do carro, da etiqueta da roupa, do modelo do celular, do sexo, de sua identidade ou estilo de gênero, da orientação do seu desejo, da idade, do diâmetro da cintura e do bícepes, dos centímetros de sua estatura, da milhagem aérea, dos diplomas que possua, do cargo que ocupe, dos integrantes de sua rede social ou do deus de sua crença.

Estarão juntas para festejar O Que Não É Mais - um tempo que não mais existirá. Tocarão bumbos, pandeiros, cavacos, triângulos; pífanos, cuícas, rabecas; violas, violinos e violões; tamborins, caixas, maracas...

Seus corpos, libertos, se entregarão às melodias e eles próprios serão músicas - o som em forma plástica.

As crianças e jovens, horrorizados, tomarão conhecimento de que, no passado, pessoas eram mortas, espancadas, torturadas, surradas, expulsas de casa pelos familiares; alvo de campanhas sistemáticas (e em nome de um Deus) de desqualificação, perseguição e sabotamento de direitos, tudo por conta de sua forma de AMAR.

E os adultos, então, com meiguice e paciência, explicarão às crianças que esse é um tempo que JÁ PASSOU.

- Foi um Tempo de Trevas, algo semelhante à Idade Média, onde as pessoas eram queimadas na fogueira por serem canhotas ou por não comerem carne de porco ou, ainda, por afirmarem que a terra gira. Mas JÁ ACABOU.

E, então, as crianças, amadas e respeitadas em suas diferenças, se afastarão, alegres, seguras, tranquilizadas, a saltitar e a brincar, festejando o JÁ PASSOU:

- O Fim de uma era de incompreensão e ignomínias (em nome de um Deus) contra quem SÓ DESEJA AMAR EM PAZ E TER OS SEUS DIREITOS RESPEITADOS.


5 comentários:

Eliane F.C.Lima disse...

Cara Rita Colaço,
Por uma série de questões, adorei seus blogs. Se puder vá a meu blog - http//literaturaemvida2.blogpsot.com -, clique, principalmente, nas postagens de setembro - comentando 1,2,3,4 -, onde já verá meu posicionamento. Aliás, a descrição de meu perfil já mostra um pouco de minha linha de pesquisa - trabalhei na UFRJ com gênero. Se puder, visite os outros dois blogs. No primeiro, há links para eles.
Parabéns,
Eliane F.C.Lima

Carlos Alexandre Neves Lima disse...

Será que veremos esse dia? bjs

Rita Colaço disse...

Eliane, estive por lá e gostei muito.
Agradecida.
Que bom que você vem nos acompanhando, atenta.
Manifeste-se mais vezes!

Bjs.,
Rita

Rita Colaço disse...

Alexandre,
se por acaso a gente não mais estiver - assim como já não mais estão tantas pessoas que vieram antes de nós e que contribuíram tanto - aos que estiverem peço, como na música "Aos Nossos Filhos", do Ivan Lins: Façam a festa por mim [nós]

"Perdoem a cara amarrada
Perdoem a falta de abraço
Perdoem a falta de espaço
Os dias eram assim

Perdoem por tantos perigos
Perdoem a falta de abrigo
Perdoem a falta de amigos
Os dias eram assim

Perdoem a falta de folhas
Perdoem a falta de ar
Perdoem a falta de escolha
Os dias eram assim

E quando passarem a limpo
E quando cortarem os laços
E quando soltarem os cintos
Façam a festa por mim

E quando lavarem a mágoa
E quando lavarem a alma
E quando lavarem a água
Lavem os olhos por mim

Quando brotarem as flores
Quando crescerem as matas
Quando colherem os frutos
Digam o gosto pra mim"
Clique para ouvir: http://www.lulilucina.mpbnet.com.br/elis.e.elas/aos_nossos_filhos.htm

Incômodos disse...

São tantos sonhos fecundos. Tantas reverberações sensíveis. Espero esse dia com toda a força da amorosidade que carrego.