domingo, 30 de maio de 2010

"A saudade do servo na velha diplomacia brasileira", por Leonardo Boff

A maneira pela qual a imprensa brasileira televisiva, radiofônica e impressa - a majoritária - "noticiava" o fato de o Presidente Lula ter se empenhado e conseguido formatar acordo com o Irã me causou estranhamento.

Não por vê-los contrários à atitude do Presidente. Isso já temos visto inúmeras demonstrações, ao longo desses 8 anos. - Problema nenhum. Ótimo que possamos vivenciar essa possibilidade, depois de tantos anos de ditadura, de intolerância.

O que me impactou foi a virulência demonstrada. É que, sinceramente, eles mais pareciam profissionais da imprensa estadunidense.

Sim, porque não é imaginável tamanha parcialidade. Não há sequer tentativas de dissimular. A adesão ao ponto de vista dos EUA, nessa temperatura vista agora, eu ainda não tinha percebido.

O diapasão através do qual a questão foi tratada me fez lembrar outras manipulações históricas.

Como a batalha travada sobretudo por Monteiro Lobato, inclusive com pesados custos pessoais, em defesa da idéia de que tínhamos petróleo e que deveríamos investir em sua prospecção e pesquisas - enfrentando poderosa campanha em contrário, pois isso contrariava frontalmente os interesses das multinacionais aqui já estabelecidas. Campanha essa que também contou com diversos aliados brasileiros em defesa do ponto de vista dessas empresas. [Vale a pena se inteirar um pouco mais sobre esses fatos de nossa história].

Ou, ainda, como a campanha para construir opinião pública favorável à destruição do Palácio Monroe, aqui no Rio de Janeiro, conduzida pelo jornal O Globo, durante a ditadura [faça uma busca na internet. A coisa não foi bem aquela balela de que ele foi abaixo pra passar o Metrô...]

Hoje, coincidentemente, leio um texto divulgado como sendo do Leonardo Boff - pensador humanista a quem respeito.

Esse texto exprime o meu sentimento profundo. Por isso transcrevo aqui.

"A saudade do servo na velha diplomacia brasileira", por Leonardo Boff
Portal do Meio Ambiente

"O filósofo F. Hegel em sua Fenomenologia do Espírito analisou detalhadamente a dialética do senhor e do servo. O senhor se torna tanto mais senhor quanto mais o servo internaliza em si o senhor, o que aprofunda ainda mais seu estado de servo. A mesma dialética identificou Paulo Freire na relação oprimido-opressor em sua clássica obra Pedagogia do oprimido. Com humor comentou Frei Betto: "em cada cabeça de oprimido há uma placa virtual que diz: hospedaria de opressor". Quer dizer, o opressor hospeda em si oprimido e é exatamente isso que o faz oprimido. A libertação se realiza quando o oprimido extrojeta o opressor e ai começa então uma nova história na qual não haverá mais oprimido e opressor mas o cidadão livre.

Escrevo isso a propósito de nossa imprensa comercial, os grandes jornais do Rio, de São Paulo e de Porto Alegre, com referência à política externa do governo Lula no seu afã de mediar junto com o governo turco um acordo pacífico com o Irã a respeito do enriquecimento de urânio para fins não militares. Ler as opiniões emitidas por estes jornais, seja em editoriais seja por seus articulistas, alguns deles, embaixadores da velha guarda, reféns do tempo da guerra-fria, na lógica de amigo-inimigo é simplesmente estarrecedor. O Globo fala em "suicídio diplomático"(24/05) para referir apenas um título até suave. Bem que poderiam colocar como sub-cabeçalho de seus jornais:"Sucursal do Império" pois sua voz é mais eco da voz do senhor imperial do que a voz do jornalismo que objetivamente informa e honestamente opina. Outros, como o Jornal do Brasil, tem seguido uma linha de objetividade, fornecendo os dados principais para os leitores fazerem sua apreciação.

As opiniões revelam pessoas que têm saudades deste senhor imperial internalizado, de quem se comportam como súcubos. Não admitem que o Brasil de Lula ganhe relevância mundial e se transforme num ator político importante como o repetiu, há pouco, no Brasil, o Secretário Geral da ONU, Ban-Ki-moon. Querem vê-lo no lugar que lhe cabe: na periferia colonial, alinhado ao patrão imperial, qual cão amestrado e vira-lata. Posso imaginar o quanto os donos desses jornais sofrem ao ter que aceitar que o Brasil nunca poderá ser o que gostariam que fosse: um Estado-agregado como é Hawai e Porto-Rico. Como não há jeito, a maneira então de atender à voz do senhor internalizado, é difamar, ridicularizar e desqualificar, de forma até antipatriótica, a iniciativa e a pessoa do Presidente. Este notoriamente é reconhecido, mundo afora, como excepcional interlocutor, com grande habilidade nas negociações e dotado de singular força de convencimento.


O povo brasileiro abomina a subserviência aos poderosos e aprecia, às vezes ingenuamente, os estrangeiros e os outros povos. Sente-se orgulhoso de seu Presidente. Ele é um deles, um sobrevivente da grande tribulação, que as elites, tidas por Darcy Ribeiro como das mais reacionárias do mundo, nunca o aceitaram porque pensam que seu lugar não é na Presidência mas na fábrica produzindo para elas. Mas a história quis que fosse Presidente e que comparecesse como um personagem de grande carisma, unindo em sua pessoa ternura para com os humildes e vigor com o qual sustenta suas posições .


O que estamos assistindo é a contraposição de dois paradigmas de fazer diplomacia: uma velha, imperial, intimidatória, do uso da truculência ideológica, econômica e eventualmente militar, diplomacia inimiga da paz e da vida, que nunca trouxe resultados duradouros. E outra, do século XXI, que se dá conta de que vivemos numa fase nova da história, a história coletiva dos povos que se obrigam a conviver harmoniosamente num pequeno planeta, escasso de recursos e semi-devastado. Para esta nova situação impõe-se a diplomacia do diálogo incansável, da negociação do ganha-ganha, dos acertos para além das diferenças. Lula entendeu esta fase planetária. Fez-se protagonista do novo, daquela estratégia que pode efetivamente evitar a maior praga que jamais existiu: a guerra que só destrói e mata. Agora, ou seguiremos esta nova diplomacia, ou nos entredevoraremos. Ou Hillary ou Lula.


A nossa imprensa comercial é obtusa face a essa nova emergência da história. Por isso abomina a diplomacia de Lula.

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Em ambiente Ubuntu Linux.
Use Software Livre!" [ah, assim que eu aprender, juro que também usarei!]

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