sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

N"O ESTADO QUE MAIS FAZ PELOS LGBTs" OUTRA VEZ A POLÍCIA SE OMITE E A SUPERDIR, NÃO ATENDE

Acabo de ler o blog do advogado Carlos Alexandre (Direitos Fundamentais LGBT). Outra vez a mesma notícia: um homossexual é agredido, nenhuma das instituições encarregadas de assegurar a efetividade da segurança pública atua.

Dessa vez foram quatro pessoas alvo de ataques verbais por parte de uma mulher, pasmem!, acompanhada por uma criança, no interior do CCBB, no Rio de Janeiro.

O grupo ficou sofrendo as desqualificações proferidas aos gritos, na fila de uma exposição no Centro Cultural, ao tempo em que os seguranças da instituição - que não são poucos! - se limitavam apenas a mostrar solidariedade e sugerir que ligasse para o 190. 

- Nenhuma atitude eficiente no sentido de deter a mulher até que a Polícia chegasse. Eles, melhor do que os agredidos, possuíam condições de dar voz de prisão àquela mulher!

André Fischer, um dos agredidos, buscou os serviços de segurança do "Estado que mais faz pelos LGBTs" e nada! A Polícia procurou demorar o suficiente (mais de uma hora), de modo que, quando chegasse na cena do crime (sim, injúriar alguem é crime), tudo já tivesse sido resolvido, de um modo ou de outro, poupando-lhes o azedume de ter que exercer o trabalho para o qual são (mal) pagos - apenas uma das várias modalidades empregadas por policiais e fiscais para sabotar o exercício da função na qual estão investidos.

O telefone da SuperDir (aquele Disque-Denúncia prometido, mas apenas instalado no apagar das luzes da primeira gestão do governador), como é 0800, não aceita ligações originadas de celular. Mas, ao que parece, nenhum daqueles que participaram bravamente no oba-oba da comemoração de serviços de fachada, unicamente anunciados com o fito de alavancar a campanha à reeleição e, via de consequência, garantir a continuidade dos cargos em comissão, se lembrou de informar ao seu "público-alvo" esse insignificante detalhe. Afinal, bobagem: temos em nosso Estado-maravilha uma quantidade infinita de telefones públicos instalados e funcionando! Para que alguem iria querer fazer ligação de seu celular? (No stress, imagino, ninguem que estava com o André se lembrou que no CCBB há telefones públicos e funcionando!)

Quando a valorosa equipe da Polícia Militar chegou, a agressora já havia conseguido fugir.

O blog do André Fischer solicita ajuda para localizar a suposta agressora e publica-lhe a foto. No blog do Carlos Alexandre, há inclusive a sua identificação, feita com a ajuda de várias pessoas.

Pergunto-me se ele, André Fischer, por acaso cuidou de, posteriormente, escrever à Direção do CCBB, narrando o fato e indagando sobre as diretrizes transmitidas ao corpo de seguranças. Indagando se, ao invés de injuriar homossexuais a mulher tivesse praticado o crime de racismo, eles teriam agido da mesma forma. - Fosse contra judeus? Negros?

Tambem me pergunto se por acaso ele cuidou de relatar o retardo no atendimento da Polícia Militar à sua Corregedoria.  No blog, André apenas dá o número do protocolo do atendimento no 190.


A luta é nos mínimos gestos diários

É de suma importância que cada qual lute contra todos os mecanismos que nos fazem desistir de mover o aparato estatal em busca da reparação de crimes, de violações de direitos.

Rodrigo Reduzino foi agredido com socos e palavras injuriosas na calçada em frente ao Bar das Quengas, na Lapa. A viatura da PM veio passando, assistiu o homem dizer - na cara dos policiais - que bateu e batia de novo nessas bichas nojentas e simplesmente fez nada. Mas Rodrigo fez. Atraves da assistência jurídica da SuperDir buscou a reparação devida.

O mesmo contudo não fez o Felipe, quando foi vítima de Guardas Municipais. Enquanto era agredido com cassetetes nas pernas por estar urinando nos Arcos da Lapa, ouvia palavras agressivas por ser viado. - Mas Felipe nada fez. Apenas redigiu o seu relato, contando de sua dor moral, e o distribuiu à sua rede de e-mails. Nenhuma denúncia formal.

Não sei em que fase se encontra o caso do Rodrigo. Espero que andando como deve ser. Tanto a denúncia na Corregedoria de Polícia Militar, quanto a ação no juizado especial criminal.

Mas o que sei é que, se por um lado os mecanismos que nos estimulam a desistir de lutar são muitos, diversificados e eficazes, por outro nós precisamos mais do que nunca resistir e fazer as máquinas restaurativas do Estado entrar em funcionamento. Principalmente pessoas públicas como André e Felipe. Pois são formadoras de opinião. E, além do mais, são dotadas de rede de contatos que lhes colocam em melhores condições para fazer com que as leis sejam cumpridas.

Se as pessoas nessas posições, quando agredidas, não reagem de forma exemplar, registrando a ocorrência, instaurando a competente ação penal, como imaginar conseguiremos a transformação dessa realidade tão violenta e discriminatória? Ferver nas paradas somente não nos fará sermos respeitados!

Como conseguir que as Polícias promovam o correto atendimento às populações mais vulneráveis, em localidades desprovidas dos holofotes (Baixada, Zona Oeste, por exemplo), se nas áreas dotadas de maior visibilidade (mais policiamento, recursos econômicos, turistas etc) integrantes do segmento com melhores condições pessoais para fazer o enfrentamento das estratégias de boicote praticadas pelos policiais não o fazem?

O advogado Carlos Alexandre, em seu blog, tambem chama atenção para a importância estratégica e política de que cada um faça a sua parte - única forma de se conseguir verdadeiramente promover as transformações que tanto necessitamos em nosso país. Ele traz à lembrança uma frase de Albert Einstein, sobre os efeitos perversos da omissão.

Eu faço coro. E trago a frase de Simone de Beauvoir:
"O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices [tambem por omissão] entre os próprios oprimidos."

Romper com a cumplicidade por omissão 
(A Servidão Voluntária)

Lutar para realizar, cotidiana e tenazmente, a ruptura com a cumplicidade por omissão, com a incorporação  (e reprodução) silenciosa dessa cultura intolerante, discriminatória, autoritária, arbitrária (o mais das vezes de forma inconsciente aos seus mecanismos, o que, na realidade, não passa de mais um de seus mecanismos!), torna efetiva a tese formulada e defendida por Etienne de la Boétie ainda em 1577.

La Boétie mostrava sua incompreensão diante das reiteradas práticas de obediência e tolerância à tirania e à injustiça – para ele um fato extraordinário. Embora possuísse a visão da mulher como ser inferior - com o que se mostrava pertencente ao seu tempo -, propunha contra a submissão e a docilidade (servidão) a não obediência, a não adesão, posta em prática por Gandhi quatro séculos depois (a Satyagraha Ashram, o seu método de desobediência civil, influenciado por De Thoreau, Ruskin e Tolstoy, além de sua própria religiosidade indiana).

Em fins do século XX, o sociólogo Pierre Bourdieu tambem exteriorizava o seu perene estranhamento diante da contumácia das práticas de submissão:

“Jamais deixei de me espantar diante do ... fato de que a ordem do mundo, tal como está ... seja grosso modo respeitada, que não haja um maior número de transgressões ou subversões, delitos e ‘loucuras’ ...; ou, o que é mais surpreendente, que a ordem estabelecida, com suas relações de dominação, ... seus privilégios e suas injustiças, salvo uns poucos acidentes históricos, perpetue-se apesar de tudo tão facilmente...”

Em suma: é preciso ter bastante clareza com a responsabilidade que nos cabe diante de nossas omissões diárias. É através desses pequenos gestos (de não agir; deixar pra lá) que nós alimentamos, fortalecemos e reproduzimos essa cultura de desrespeito, estigmatização, violência, impunidade. Que fazemos existir um país onde há "leis que pegam" e "leis que não pegam"!

- Nós tambem somos responsáveis pela realidade à nossa volta.


Referências:
http://carlosalexlima.blogspot.com/2011/01/andre-fischer-denuncia-agressao.html
http://mixbrasil.uol.com.br/blogs/andre-fischer/2011/01

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