domingo, 31 de julho de 2011

Duloren, Bolsonaro, Timóteo e Luisa Marilac: Totalitarismo e a dupla moral nacional

O Diretor da Duloren Roni Argalji afirma - segundo matéria publicada no blog O Bramar do Urso - que "em relação ao deputado Jair Bolsonaro e ao problema da homofobia", a questão seria de ordem puramente da liberdade de expressão:

Se a pessoa é contra ele e a favor de não sei o quê e vice-versa. A mensagem é uma coisa só: o pensamento e o que as pessoas acham têm que ser respeitados. Cada macaco no seu galho. Só isso.
Jair Bolsonaro, em participação no programa Super Pop afirmou que
"Eu não posso aceitar o modelo de comportamento de vocês".
Agnaldo Timóteo, no mesmo programa, se mostra bastante incomodado com a forma de se expressar de Luisa Marilac. Precisamente três expressões em um mesmo tema parecem ter ferido a sensibilidade do cantor-vereador. 

Marilac afirmara que, adolescente, ao se reconhecer homossexual, procurara uma psicóloga- "eu já sabia que gostava de queimar rosca, mas eu queria entender" -, e, depois,  procurou a Igreja: "Eu fiquei na Igreja por um ano, até que eu chupei um Pastor e eu nunca mais voltei." Em seguida, afirma que "porque os homens, na frente das câmeras e das mulheres são uma coisa, mas por trás é tudo a mesma coisa... Eu já falei aqui: o que não dá, chupa!" Ouve-se, em seguida, a censura (misto de humor e reprimenda da apresentadora) e o complemento de Luisa: "- É verdade, vamos parar de ser hipócritas!"

Agnaldo censura o modo de Luisa se expressar. Para ele, ela foi profundamente desrespeitosa com as crianças que poderiam estar assistindo o programa e tambem com a família de uma forma geral. Para ele, "que foi criado no mais requintado modelo de família", seria inadmissível aceitar semelhante forma de expressão.

Jair Bolsonaro, mais adiante, no mesmo programa, explica o porquê de não concordar com a abordagem da orientação homossexual nas escolas:

"Você acha justo inserir em cartilhas para a garotada todos os modelos de família [gays, lésbicas...] [...] A Cartilha tá dando o estímulo..."

"Vai ser ensinado a um garoto de 15 anos como fazer sexo seguro com outro garoto de 15 anos [...]"

"Nós não podemos colocar na escola material que atiça ao homossexualismo"

Essa série de afirmações traz aspectos que me parecem interessantes a gente parar para pensar. O primeiro deles é a forma de ver e aplicar o princípio da liberdade de expressão. Ele tem sido usado apenas em uma única direção. 

- Só temos visto ele ser empregado como recurso para justificar manifestações discriminatórias.

Não me recordo de nenhuma fala, em todas as discussões que tenho lido e assistido referentes ao direito dos "homossexuais" (gays, lésbicas, travestis e transexuais) à isonomia, à igualdade jurídica e social em relação aos heterossexuais, que empregue esse mesmo argumento para defender o direito dos homossexuais - apenas tenho visto ser empregado o "direito à liberdade de expressão" como argumento legitimador das ideias contrárias ao reconhecimento de que essas pessoas devem ter direitos iguais aos heterossexuais.

Outro aspecto que me parece interessante é que, ao lançarem mão desse princípio constitucional, o fazem como se fosse um direito absoluto

- Esquecem (ou fazem questão de fazer esquecer) que nenhum direito é absoluto. Assim, o direito à liberdade de expressão tem como limites, entre outros, o princípio constitucional da não-discriminação e o da auto-determinação.

Ou seja, eu não posso, em sã consciência - a não ser que motivada por visível má fé - argumentar que cada um pode sair por aí falando aquilo que pensa e tudo bem, porque esse é um país democrático e o direito à liberdade de expressão é assegurado constitucionalmente. Exemplo claro são as proibições a manifestações discriminatórias em relação a raça/etnia e a religiões.


A fala de Bolsonaro quando diz que "não pode aceitar" o comportamento dos homossexuais, é, então, legitimada com esse emprego deturpado do princípio da liberdade de expressão.

Tambem é legitimada a sua afirmação de que o trato da questão nas escolas públicas, com uso de material de apoio audiovisual, implicaria "atiçar ao homossexualismo".

No entanto, a mesma razão absoluta de recurso à liberdade de expressão não é empregada, por exemplo, para defender o modo de expressão de Luisa Marilac. 
Ou seja, a forma rude, agressiva que Bolsonaro e Agnaldo Timóteo usualmente empregam é  reconhecida como perfeitamente válida. Nada em suas expressões agressivas, violentas, excede.
Os argumentos usualmente empregados para legitimar essas formas de se expressar falam que seria simplesmente "a forma de ser" dessas pessoas. Falam tambem que elas apenas estariam expressando a verdade de suas formas de pensar. - O que remete, portanto, para valores como sinceridade, autenticidade e respeito à diversidade.

O curioso, porém, é que o modo de se expressar apresentado por Luisa Marilac não é percebido da mesma forma, quer dizer, dentro dos mesmos princípios e valores a partir dos quais são recebidas as formas de manifestação do pensamento de Jair Bolsonaro e Agnaldo Timóteo.

O jeito "rude", "grosseiro" de Luisa se expressar, empregando palavras "chulas", de "baixo calão", é tomado como algo desrespeitoso, portanto, censurável.

Outro aspecto que me parece interessante a gente observar é a representação que tanto Jair Bolsonaro quanto Agnaldo Timóteo parecem partilhar sobre as homossexualidades. 
Do que se percebe de suas falas, tanto para o deputado-militar quanto para o vereador-cantor, a orientação homossexual seria algo da ordem do imoral, do marginal. Jamais uma forma de direção do desejo afetivossexual tão legítima quando a heterossexual.
Algo que, se muito, poderia se tolerado. Desde que - claro - se mantenha oculto, "dentro do armário", "discreto". Para essas pessoas, lésbicas, gays, travestis, transexuais trazem algo que em si é necessariamente "imoral", "criminoso", "pecado", "doença"

Ou seja, por um lado, essas pessoas mantem a percepção preconceituosa e arcaica sobre as homossexualidades - vendo-as como inferior às heterossexualidades. 
Por outro, defendem esse ponto de vista pessoal, íntimo, particular, não mais compactuado pela Ciência nem pelo Direito, como algo que deve ser imposto sobre toda a sociedade.

Em resumo: 
1. O princípio da liberdade de expressão, para tais pessoas, apenas serve para defender o seu modo peculiar de entender as homossexualidades, jamais para reconhecer como válidos os entendimentos dos próprios homossexuais, da medicina, da psiquiatria, da psicologia, da endocrinologia e do direito sobre a orientação homossexual e os diferentes estilos de identidade de gênero.

Segundo esse ponto de vista, o princípio da autodeterminação e da liberdade de expressão apenas servem para 
1. defender "o modo de ser" de pessoas que se posicionam de forma agressiva e totalitária contra gays, travestis, lésbicas e transexuais, jamais para defender o direito de LGBTs serem das formas completamente diferente que são;

2. impor sobre toda a sociedade esse seu modo peculiar, íntimo, pessoal, de ver a orientação homossexual.

A dupla moral ou hipocrisia
Outro ponto que me parece interessante é a tendência, que se observa ainda muito forte, que se tem em nossa cultura, de preferir o ocultamento de coisas "delicadas" do que enfrentá-las, discutir, abordar com clareza e tranquilidade.

Por um lado, Jair Bolsonaro e Agnaldo se posicionam no sentido de que a "tolerância" aos LGBTs seria perfeitamente possível, desde que se mantivessem ocultos, "discretos" - ou seja, que disfarçassem suas formas de ser e expressar afeto e desejo.

Por outro, diante da afirmação de Luisa Marilac de que existe, sim, uma moral ideal e uma realidade social que são completamente distintas entre si, isso não é trazido para o debate. Ao contrário, é reprimido, censurado. 

Quando Luisa afirma que os desejos e modos de exercício da sexualidade - no caso, pelos homens - na realidade concreta é completamente diferente daquilo que é afirmado e sustentado publicamente, isso não interessa aprofundar. - Tanto que quando é perguntado ao Bolsonaro se ele já traiu, ele pergunta "- Quem é que vai falar um trolo desses?"

- Nesse caso, o valor da sinceridade que é defendido para modos agressivos de manifestar ponto de vista preconceituoso em relação às homossexualidades, não se aplica. 
Lá, agressividade é sinal de "verdade", "sinceridade"; aqui, expressão de grosseria, rudeza, "baixo calão".

O que torna possível extraírmos que o código moral em vigor para essa parcela da sociedade brasileira é aquele que possui dupla moral: uma para "nós", outra para os "outros"; uma para se apresentar publicamente, outra para se praticar "por debaixo dos panos".

Um comentário:

LUNNA TBG disse...

Texto Belíssimo , elucidativo e inteligente, meus parabéns.