quarta-feira, 20 de julho de 2011

Por um novo paradigma: valorizemos TAMBEM os meios civis de punição

Precisamos abrir nossa sensibilidade e raciocínio crítico. Não é possível concentrar toda energia política apenas na tentativa de aprovação de uma lei penal.

Sabemos todos e todas o quão é importante igualar juridicamente LGBTs a religiosos, negros, judeus, nordestinos, homens, mulheres etc na perspectiva do repúdio legal a práticas preconceituosas e discriminatórias, como manda a Constituição.

- Não é possível manter-se legislação que criminaliza somente determinadas motivadoras de práticas discriminatórias, deixando outras sem a devida punição - Isso, sim, é inconstitucional!:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]; 
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; 
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (Constituição da República, 1988).
Assim como os judeus, os negros, as mulheres, idosos, deficientes físicos, crianças e adolescentes, consumidores, trabalhadores, travestis, gays, lésbicas, transexuais, bissexuais fazem parte dos segmentos vulneráveis, discriminados, alvo de práticas desrespeitosas, violentas.

Como disse o juiz Marcelo Semer, em seu blog Sem juízo
Se isso [a norma constitucional e a lei federal da não-discriminação] vale para impedir chutar a santa, quanto mais bater no gay.

Nossas leis penais são pródigas em tutelar o patrimônio.

Não lhes faria mal algum defender um pouco também a pessoa.
Diferentemente dos demais segmentos alvo de preconceito e discriminação, porém, gays, lésbicas, travestis e transexuais compõem o único segmento social - ao lado talvez das mulheres - que é assassinado (e sempre barbaramente) apenas e tão somente por ser o que é: 

- Uma pessoa autônoma, dotada e em gozo de seu direito à livre determinação.

Nesse sentido, dado que o Parlamento Federal vem se recusando sistematicamente a fazer cumprir aquilo que a Constituição determina, é preciso que xs LGBTTs passem a se apropriar dos recursos jurídicos já disponíveis para promover a coibição das práticas violentas, discriminatórias, ampliando sua capacidade de enfrentamento à avassaladora ascensão das práticas homofóbicas que estamos verificando em nosso país.

Manter-se atuando apenas através do campo penal é atrasar ainda mais a superação dessa mentalidade totalitária e preconceituosa que infelizmente, alguns setores religiosos, militares e civis tem em muito contribuido para fazer ampliar.
Somando forças
Algumas pessoas vem demonstrando partilhar desse entendimento de que é necessário atuar em outros campos, sair da mentalidade exclusivamente penal e incorporar as outras formas de punição, previstas no ordenamento civil. - O que não significa em absoluto abandonar a luta por igual proteção legal contra a discriminação e o preconceito, em cumprimento ao que determina a Constituição.

Nessa perspectiva, já se posicionaram comungando a mesma compreensão:

* O escritor e co-fundador do movimento homossexual brasileiro, João Silvério Trevisan - que inclusive recordou as atuações do movimento LGBT paulistano frente ao Ministério Público Federal, para coibir práticas perpetuadoras da discriminação e inferiorização de gays, lésbicas, travestis e transexuais, veiculadas pelo canal de televisão Rede TV, no programa João Cléber. 
No MPF, coube ao procurador federal Sérgio Gardengui Suiama  fazer valer a Constituição.

Diz-nos Trevisan:
A rede foi obrigada, por decisão judicial, a apresentar em torno de 12 programas contemplando vários tipos de grupos discriminados. Mais de um programa foi sobre discriminação contra homossexuais. Participei dos programas q foram elaborados em estúdios independentes, por nós mesmos.
 * O jornalista e doutor em ciência política Leonardo Sakamoto. Em seu blog, Sakamoto postou ontem texto que vai na mesma direção do que tenho aqui defendido. Confira:


8 comentários:

Jandirainbow disse...

Rita,
Excelente análise e sugestões. Vou linkar num post no SPW sobre essa discussão, ok? Aliás, você viu as notas do Roger Raupp Rios sobre o novo substitutivo ao PLC 122?
Abraços, na luta sempre.
Jandira

Rita Colaço disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rita Colaço disse...

É imperioso se organizar um canal de diálogo com quem tá na ponta atuando na área jurídica, recebendo as pessoas vítimas de preconceito e discriminação; sensibilizá-los para a luta em termos táticos (M. Certeau, Bourdieu).

É vital disseminar a orientação às pessoas agredidas fisica e moralmente sobre os canais de repressão civis; o efeito pedagógico disso.

O MPF em SP, através das denúncias apresentadas pelo movimento LGBT de la´, conseguiu MODIFICAR a atitude das emissoras de televisão.

É um item de pauta de extrema relevância para o conjunto da sociedade brasileira, porque não se restringe aos LGBTs, mas promove MUDANÇA CULTURAL que se refletirá em benefício para TODAS AS PESSOAS VITIMADAS POR PRECONCEITO, INTOLERÂNCIA.

A II Conferência Nacional LGBT vei aí. Antes, teremos as municipais, regionais, estaduais.

- Um ótimo espaço para se democratizar o debate!

Rita Colaço disse...

Logo que foi divulgada a iniciativa da Marta de conversar com os opositores e uma galera caiu de pau em cima dela, eu fiquei danada da vida com o teor de certos comentários - tipo desqualificando ela geral. Não achei (e não acho) isso certo.

Me manifestei aqui sobre isso.

Naquela ocasião, meu entendimento ia meio pelo mesmo caminho que ela, Marta - melhor alguma lei do que nenhuma. Pelo que tinha lido, superficialmente, a ressalva era exclusivamente para manifestação no interior de templos religiosos.

Quando o Jean Wyllys entrou na discussão, atentei para o aspecto simbólico que até então eu não havia observado com o devido cuidado:

- Não é possível haver tratamento diferente para a mesma doença: PRECONCEITO, dificuldade em respeitar o outro que não é e não será em absoluto alguem que você tem o direito de submeter à sua forma pessoal de crença, de visão de mundo.

Diante disso, pra mim não há mais qualquer possibilidade de contemporização:

A constituição fala que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.

Então tem que englobar todas as motivadoras (sexo, gênero, procedência, raça/etnia, religião, geração, condição física etc) em UMA ÚNICA LEI.

- Nem menos, nem mais.

Então, enquanto o Parlamento Federal (a maioria dos Senadores e dos Deputados) não CUMPRIR COM O SEU DEVER CONSTITUCIONAL e aprovar UMA LEI QUE COMBATA TODAS AS FORMAS DE PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO, cabe a nós, cidadãos brasileiros comprometidos com a democracia republicana, laica, fraterna, justa (que é a nação que está estabelecida na Constituição e que lutamos para ver efetivada em nosso país), lutar com TODAS AS ARMAS CIVIS JÁ EXISTENTES para combater TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO e PRECONCEITO - mandado de injunção, interpelação, ação civil pública, ação de responsabilidade civil etc.

Rita Colaço disse...

Por outro lado, a gente comparando tdas as tentativas feitas pela Senadora Fátima Cleide para democraticamente se chegar a um consenso mínimo (ver: http://memoriamhb.blogspot.com/2011/07/exclusivissimo-do-valnaweb-entrevista.html), e, agora, vendo tudo outra vez com a Marta Suplicy, a única conclusão é que, no fundo, no fundo, parlamentares fundamentalistas não estão interessados em construir nada, chegar a consenso nenhum, apenas OBSTACULIZAR que LGBTs tenham assegurados (regulamentados) todos os direitos e proteção previstos pela Constituição da República há 23 anos atrás!

Rita Colaço disse...

Trecho do artigo de José Reinaldo de Lima Lopes, publicado em 2003!!!

"Logo, o direito pode promover mudanças e remover injustiças historicamente consolidadas, requerendo para isso que algumas instituições jurídicas sejam mobilizadas. A primeira delas é a ação coletiva, ou ação civil pública, que oferece um meio eficaz para que alguns membros do grupo consigam o reconhecimento de direitos que se estenderão a todos. Assim, membros isolados ou grupos de pessoas estigmatizadas com maiores recursos – especialmente psicológicos – poderão exercer o papel indispensável do herói ou do desbravador, sem que seja preciso cada membro arcar solitariamente com os custos altíssimos da exposição e da luta.

Um segundo elemento importante é o desmascaramento do senso comum vigente. As declarações do início deste texto evidenciam que palavras ofensivas e injuriosas são utilizadas em relação a um grupo determinado de cidadãos sem que isso traga graves conseqüências. No entanto, se tal manifestação pública for seguida de interpelações por seu caráter discriminatório e inconstitucional, é certo que o direito contribuirá para a diminuição do estigma em seu lugar próprio, que é o espaço público. No espaço meramente privado ninguém está obrigado a conviver com gays: fuja deles, se puder, pois costumam estar em toda parte, inclusive nas famílias heterossexuais. Aliás, nascem e vivem em famílias, ainda que muitas vezes sob torturas físicas e psicológicas. Uma das palavras de ordem do movimento gay internacional é: “we’re queer, we’re here, get used to it” (“somos bichas, estamos aqui, aceite o fato” – uma tradução limitada, pois “queer” é um termo comum de dois gêneros e “get used to it” é um pouco mais provocativo do que a tradução sugere).

Em terceiro lugar, o direito pode descobrir o tratamento diferenciado das mais variadas maneiras: infiltram-se critérios pseudocientíficos nas avaliações de adoção, de guarda de crianças, de distribuição de benefícios-saúde (direitos sociais, aliás) e de ocupação de cargos públicos. Expor esse tratamento diferenciado ajuda a quebrá-lo, a colocar em praça pública as muitas violências que um grupo de cidadãos sofreu, sofre e ainda continuará a sofrer por algum tempo.
http://www.surjournal.org/conteudos/artigos2/port/artigo_lopes.htm

Vili disse...

Olá Rita, Em primeiro lugar, parabéns pelo excelente trabalho e conteúdo no seu Blog! Dentro do contexto sobre legislação, tenho pensado muito sobre a aplicação da discriminação por religião, acho que cabe neste caso também o seguinte enfoque: Se ninguém pode ser discriminado em função de sua religião, entre outros, fica óbvio que também ninguém pode usar de sua religião para discriminar outros, lembrando que o direito à liberdade de crença vale para todos os credos. Minha tese não está totalmente formada sobre isso, mas me parece ser um caminho que merece também ser pensado com atenção, não sei se consegui transmitir a "semente" da minha interpretação, espero que sim. Abraços, Vili Beck - Campinas/SP

Rita Colaço disse...

Oi Vili, super agradecida pela participação. É uma luta e tanto.
Penso que você está correta em seu raciocínio. Me parece consistente. Vamos seguir trocando e somando. Abraços, Rita.