domingo, 4 de março de 2012

Os Argumentos contrários a cidadania igualitária e o Raciocínio lógico formal

Super recomendo a leitura integral do artigo

Homossexualidade e lei: alguns argumentos comuns

A oposição ao casamento e à adopção por parte de casais homossexuais baseia-se sobretudo nos seguintes argumentos:
  1. Argumentos baseados na ideia de que a homossexualidade é contranatura;
  2. Argumentos baseados nas intenções da divindade criadora;
  3. Argumentos baseados nos perigos da homossexualidade para a preservação da espécie;
  4. Argumentos baseados nos modelos familiares socialmente estabelecidos;
  5. Argumentos baseados no interesse superior da criança. 
 O argumento contranatura
Versão 1
Premissa 1: Se X é contrário à natureza, então X é errado.
Premissa 2: X é contrário à natureza.
Conclusão: X é errado.
  A abordagem estatística
Versão 2
Premissa 1: Se X é pouco usual, então X é errado.
Premissa 2: X é pouco usual.
Conclusão: X é errado.
Será que ser pouco usual é uma condição suficiente para que algo possa ser considerado errado? Considero que não, pois, se o fosse, a conclusão do argumento que se segue seria verdadeira:
Versão 3
Premissa 1: Se ser albino é pouco usual, então ser albino é errado.
Premissa 2: Ser albino é pouco usual.
Conclusão: Ser albino é errado.

A abordagem teleológica  
Esta abordagem parte da ideia de que os vários órgãos do nosso corpo têm determinadas finalidades — os ouvidos servem para ouvir, os olhos para ver, o coração para bombear o sangue ao longo do nosso corpo, etc. — e afirma que todo o uso desses órgãos que vá para além dessa finalidade é ilegítimo. Assim, se os órgãos genitais servem para procriar, não devem ser utilizados com outra finalidade.

Versão 4
Premissa 1: Se X implica a utilização de órgãos do corpo para fins alheios à sua finalidade, então X é errado.
Premissa 2: X implica a utilização de órgãos do corpo para fins alheios à sua finalidade.
Conclusão: X é errado.
Este argumento enfrenta vários problemas:
  1. Parece pressupor um desígnio inteligente por detrás da constituição dos nossos corpos, desígnio esse que concebeu cada uma das suas partes com uma determinada finalidade. Uma vez que a teoria da evolução por selecção natural oferece uma alternativa pelo menos tão plausível para a nossa constituição, tal desígnio não pode ser simplesmente pressuposto.
  2. É claro que os nossos órgãos, pelo menos a maioria, têm certas funções, mas não é claro que todos tenham uma, e só uma, finalidade. As mãos servem para agarrar e mexer, mas também para bater palmas, estalar os dedos, fazer sombras chinesas, etc.; qual é então a finalidade das mãos? Como saberemos ao certo qual é a finalidade de cada órgão do nosso corpo?
  3. Mesmo que haja uma função principal associada a cada órgão do nosso corpo, não há razões para afirmar que todas as outras utilizações que se possam fazer desse órgão são erradas. Do facto de uma chave-de-parafusos ter sido concebida essencialmente para aparafusar e desaparafusar parafusos, não se segue que seria errado utilizá-la para recuperar um objecto que caiu por uma frincha estreita, por exemplo.
Atentemos na seguinte versão do argumento para perceber melhor o que está aqui em causa:
Versão 5
Premissa 1: Se fazer sombras chinesas implica a utilização de órgãos do corpo para fins alheios à sua finalidade, então fazer sombras chinesas é errado.
Premissa 2: Fazer sombras chinesas implica a utilização de órgãos do corpo para fins alheios à sua finalidade.
Conclusão: Fazer sombras chinesas é errado.

Contrário àquilo que uma pessoa deveria ser
Esta abordagem é a pior das três, porque é viciosamente circular. Se com a expressão “contrário à natureza” queremos dizer “contrário àquilo que uma pessoa deveria ser”, então o argumento contranatura é circular, pouco informativo e não oferece razão alguma para se condenar seja o que for. Limita-se a dizer que “se algo é errado, então é errado”. Vejamos de novo o argumento com as devidas traduções:
Versão 6
Premissa 1: Se X é contrário àquilo que uma pessoa deveria ser, então X é errado.
Premissa 2: X é contrário àquilo que uma pessoa deveria ser.
Conclusão: X é errado.
O que se pretende estabelecer é precisamente se X é, ou não, errado — que é o mesmo que dizer que o que se pretende saber é se X é, ou não, contrário àquilo que uma pessoa deveria ser. Uma vez que as premissas se limitam a repetir por outras palavras aquilo que pretendem provar, não oferecem qualquer tipo de justificação a favor da conclusão.

O argumento da recomendação bíblica
Por um lado, a invocação de um argumento baseado nas intenções do criador num estado laico, representa uma violação da imparcialidade religiosa que a lei deve observar. A lei não deve tratar, injustificadamente, de forma privilegiada os interesses dos membros de um determinado grupo, simplesmente porque pertencem a esse grupo. Mesmo que seja verdade que, por motivos religiosos, muitas pessoas não comem carne de porco, isso não é boa razão para fazer uma lei que proíba que se coma carne de porco.
Por outro lado, assumir que as intenções do criador, bem como as noções de certo e errado, podem ser facilmente encontradas na Bíblia, tem consequências difíceis de superar. O argumento é, mais ou menos, o seguinte:
Versão 1A (positiva)
Premissa 1: Se X é recomendado na Bíblia, X é correcto.
Premissa 2: X é recomendado na Bíblia.
Conclusão: X é correcto.
Versão 1B (negativa)
Premissa 1: Se X é condenado na Bíblia, X é errado.
Premissa 2: X é condenado na Bíblia.
Conclusão: X é errado.
No caso da homossexualidade aplica-se a estrutura da versão 1B (negativa), o que resultaria num argumento como este:
Versão 2
Premissa 1: Se a homossexualidade é condenada na Bíblia, a homossexualidade é errada.
Premissa 2: A homossexualidade é condenada na Bíblia.
Conclusão: A homossexualidade é errada.
A premissa 2 é claramente verdadeira; no Levítico 18:22 lê-se: “Não podes deitar-te com homem como com mulher; é uma abominação.” Mas, apesar disso, o argumento fracassa por três razões:
  1. Pressupõe a existência de Deus;
  2. Pressupõe que a Bíblia corresponde exactamente à palavra de Deus;
  3. Pressupõe que é razoável ou sequer possível seguir integralmente as proibições ou permissões presentes na Bíblia.
O terceiro aspecto é o mais danoso para o argumento original. Para ver porquê, assumamos a posição de quem aceita os dois primeiros pressupostos e vejamos as consequências implausíveis que decorrem da aceitação deste argumento, nomeadamente, da aceitação da premissa 1: Se X é condenado na Bíblia, X é errado. É isso que James Rachels procura fazer na seguinte passagem:
“O problema prático é que os textos sagrados, especialmente os mais antigos, dão-nos muito mais do que pedimos. Poucas pessoas terão realmente lido o Levítico, mas, os que o fizeram, verificaram que além de proibir a homossexualidade, fornece instruções pormenorizadas para tratar a lepra, requisitos detalhados sobre sacrifícios pelo fogo e procedimentos complexos para lidar com mulheres menstruadas. Há um número surpreendente de regras sobre as filhas de sacerdotes, inclusivamente a anotação de que se a filha de um sacerdote “se prostituir” deverá ser queimada viva (21:9). O Levítico proíbe a ingestão de gorduras (7:23), proíbe uma mulher de ir à missa até 42 dias depois de dar à luz (12:4-5) e proíbe ainda ver o nosso tio despido. Esta última circunstância é, por acaso, igualmente chamada uma abominação (18:14, 26). Diz também que a barba deve ter uma forma quadrada (19:27) e que devemos comprar escravos em estados vizinhos (25:44). Há muito mais, mas isto basta para ilustrar a ideia.
O problema é que não podemos concluir que a homossexualidade é uma abominação simplesmente porque isso é dito no Levítico, a menos que estejamos igualmente dispostos a concluir que as outras instruções são exigências morais; alguém que tentasse viver segundo todas estas regras no século XXI ficaria maluco. Poderíamos, é claro, conceder que as regras sobre a menstruação, e as outras, eram características de uma cultura antiga, e não são obrigatórias para nós hoje em dia. Isso seria sensato. Mas se dissermos isso, a porta fica aberta para dizer o mesmo sobre as regras contra a homossexualidade.” (Rachels 2003: 74)
O nosso argumento poderia assumir o seguinte aspecto:
Versão 3
Premissa 1: Se comprar escravos em estados vizinhos é recomendado na Bíblia, comprar escravos em estados vizinhos é correcto.
Premissa 2: Comprar escravos em estados vizinhos é recomendado na Bíblia.
Conclusão: Comprar escravos em estados vizinhos é correcto.
A conclusão deste argumento é simplesmente inaceitável, porque não existe uma forma imparcial de justificar a escravatura. A escravatura representa a opressão de um grupo por parte de outro e, portanto, tem em linha de conta apenas os interesses do grupo opressor, desprezando os interesses do grupo oprimido. O argumento da recomendação bíblica implica que esta conclusão é verdadeira; logo, é fácil ver que há algo de muito errado com o argumento. O facto de algo ser recomendado, ou condenado, na Bíblia não é uma condição suficiente para que seja, de facto, correcto, ou errado, respectivamente.

O argumento da preservação da espécie

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