sábado, 2 de março de 2013

Cristãos e a manipulação da informação

Já está claro, até para os menos atentos, que nos encontramos em meio a uma intensa disputa para que os direitos civis, os direitos humanos, estejam, no Brasil, submetidos a dogmas religiosos.

Setores fundamentalistas das religiões cristãs não se cansam em utilizar a manipulação argumentativa no esforço de convencimento de que as suas pessoais e privadas convicções religiosas sejam determinantes para o reconhecimento ou não de direitos.

Esse bloco, constitutivamente autoritário, incapaz de conviver com a diferença, cada vez mais age de forma coordenada, organizando os seus integrantes por setores da sociedade (advogados cristãos, magistrados cristãos, psicólogos cristãos etc.), como forma de melhor exercer a disputa pelo convencimento de que seus dogmas particulares DEVEM ser seguidos e IMPOSTOS à sociedade civil brasileira.

Como se não se tratasse de um projeto político ilegítimo - por inconstitucional - trata-se, ainda, de uma prática absolutamente antiética, na medida em que se apoia na manipulação da informação.  

Depois da magistrada evangélica de Itaperuna que, exercendo a sua parcela de ação na grande cruzada fundamentalista, busca deturpar a corrente doutrinária jurídica que defende uma interpretação analógico-extensiva para o conceito de discriminação racial (veja aqui), agora é a vez da "Comissão de Altos Estudos da Convenção Batista Brasileira" divulgar um texto igualmente proselitista, pautado numa argumentação manipuladora.

Tem por título "Estatuto da Diversidade Sexual da Convenção Batista Brasileira", em clara tentativa de se contrapor ao anteprojeto do Estatuto da Diversidade Sexual, elaborado pela advogada e desembargadora aposentada Maria Berenice Disas, com a participação "das mais de 60 Comissões da Diversidade Sexual das Seccionais e Subseções da OAB".

Nesse e em outros textos, entrevistas, "aulas" etc. com o mesmo propósito, integrantes desse bloco intolerante dos cristãos (sim, porque nem todos os católicos ou evangélicos professam essa mesma visão de mundo intolerante e persecutória) buscam convencer as pessoas de que:

1) o reconhecimento da isonomia entre hetero e homossexuais no que respeita ao direito de realizar casamento civil, conforme decidido pelo STF em maio de 2011 e que vem sendo regulamentado por diversos Tribunais de Justiça pelo país de algum modo violenta, agride os dogmas da fé evangélica ou católica;

2) a inclusão das expressões "orientação sexual" e "identidade de gênero" na lei que combate o racismo e a discriminação religiosa (em vigor) viola os direitos de liberdade religiosa e de convicção e expressão.

Nada mais falso.

A isonomia reconhecida pelo STF e também objeto de projeto de lei em tramitação no Congresso é de natureza CIVIL. Nada trata - e nem poderia - sobre casamentos religiosos.

Portanto, em nada interfere na convicção pessoal e íntima de cada cidadão ou cidadã cristã / cristão do Brasil. - Todas e todos podem e devem continuar com suas crenças de que o casamento RELIGIOSO é prerrogativa de heterossexuais.

No que respeita à criminalização da homo, trans e lesbofobia, a Constituição DETERMINA a criação DE LEI estabelecendo SANÇÃO a TODA E QUALQUER FORMA DE DISCRIMINAÇÃO, SEJA POR QUAL MOTIVO FOR (inciso XLI do artigo 5º).

Significa dizer que a lei deve estabelecer, de maneira isonômica (igual para todas) sanções às práticas discriminatórias, seja por qual motivo for - raça / etnia; religião (já estão em vigor); sexo, idade, origem, funcionalidade física, orientação sexual, identidade de gênero (o que se busca com o PLC 122/06).

Portanto, É INVERDADE que se busca cercear ou reprimir as convicções religiosas seja de quem seja. O que se busca é o cumprimento da Constituição, o respeito ao princípio constitucional da NÃO DISCRIMINAÇÃO.

As pessoas cristãs podem continuar acreditando que a prática homossexual é pecado. A Lei não cuidará disso (e nem pode). Se determinados grupos dentre os cristãos entendem que a Bíblia assim o estabelece, problema nenhum. Ninguém está interessado nas convicções religiosas (pessoais, íntimas) de nenhum cidadão.

O que a Constituição DETERMINA é que convivência CIVIL entre as pessoas NÃO seja pautada em PRÁTICAS DISCRIMINATÓRIAS.

Isso não significa a obrigação de aceitar homossexuais no interior de qualquer igreja, como muitas pessoas evangélicas vem espalhando com nítida má fé.

Cada igreja é livre para acolher ou não quem quiser. A legislação CIVIL não cuida disso.

Da mesma forma o direito à adoção. Trata-se de instituto eminentemente CIVIL. Religião, seja qual seja, nada tem a ver com isso.

No que respeita à pretensa "cura" da homossexualidade, é curioso que essa parcela dos cristãos apenas creia que a orientação HOMOssexual é passível de REVERSÃO. Dentro de seu profundo incômodo com tal forma de expressão do desejo erótico, essas pessoas lutam desesperada e insistentemente por manter os e as homossexuais na convicção de que são pessoas "pecadoras", "doentes", "erradas", "imorais". Como não são capazes de conceber a possibilidade de vida plena e feliz dos homo e bissexuais, insistem em fazer com que eles e elas se sintam como pessoas doentes, inferiores, inadequadas, erradas, imorais.

No que respeita ao direito de não discriminar no emprego, essa parcela dos cristãos tenta transformar em "forçar empresas ou organizações" a empregar homossexuais.

Ora, se uma empresa NÃO PODE - pela Lei em vigor - DEIXAR DE CONTRATAR ou DEMITIR uma pessoa pelo fato de ela SER CATÓLICA OU EVANGÉLICA, por que poderia um empregador fazer o mesmo, em relação a uma pessoa homossexual ou travesti? - O que se exige é a ISONOMIA; é o respeito à dignidade da pessoa humana para todos os integrantes da sociedade brasileira. Que uma pessoa não seja impedida de estudar ou trabalhar pelo simples fato de ser evangélica, ou travesti, ou lésbica, ou gay.

Que todas as pessoas tenham o direito A UMA VIDA LIVRE DE DISCRIMINAÇÃO. Só e somente isso. Que as pessoas sejam selecionadas para o emprego pelas suas qualidades profissionais, não pela sua forma de fé ou de amar.

É preciso saber RECONHECER, ACEITAR e CONVIVER com a diferença. Na democracia, convivem EM PAZ e RESPEITOSAMENTE, pessoas que têm pontos de vista, convicções filosóficas, políticas e religiosas DIFERENTES. Cada um RESPEITA O OUTRO.

É precisamente isso que NÃO CONSEGUEM OS FUNDAMENTALISTAS. Daí se encontrarem em meio dessa ignóbil manipulação da informação.

Inconstitucional é discriminar, perseguir, desqualificar.



Nenhum comentário: