segunda-feira, 18 de março de 2013

Dos enganos - sobre formas de ler a conjuntura e as esquerdas

Ontem ao responder um post no tuíte, terminei por me enveredar num desentendimento de mão dupla. Até aí, "morreu Neves"... A coisa que mais se vê nesses espaços virtuais é mal-entendidos...  Nós não nos comunicamos bem nem pessoalmente e com o mesmo idioma... Mas o teor dos mal-entendimentos me parecem por demais importante para deixar relegado àquela (má) interação.

Começou com a minha leitura de uma afirmativa que me pareceu generalizante e categórica:

É importante saber que quem fez campanha feroz por Dilma em 2010 ajudou a eleger a bancada que hoje se omitiu e deu a CDH a Feliciano e PSC
Em tom de galhofa, indaguei sobre aquel@s não ferozes. A resposta veio igualmente categórica: "Também." E com acréscimo:
É importantissimo que não se esqueça que satanizar Dilma,PT,evangélicos,etc não muda a responsabilidade política de quem elegeu esse governo

Eu tentei uma abordagem tão séria quanto e algo didática:
não se está a satanizar, mas a denunciar o explícito projeto de teocratizacao do estado.
Desse projeto de poder não sao todos os cristãos que participam; muito ao contrário. Apenas a minoria mercantilista.
Para esses nao e a palavra de Jesus o que importa, mas a sua mercancia. O fim último é a maximização de lucro e poder.

E tive como resposta:

Bem, o que eu to vendo é satanizar. E não é explícito. Confundir ampliaçaõ do conservadorismo com satanização a meu ver é erro

Feliciano e outros são inimigos pro inimigos dos direitos humanos e não pro serem evangélicos.
E acho que banalizar o termo "teocracia" não ajuda. Enquanto só olhamos a "teocracia" o ruralismo avança.

E quem sustenta a "teocracia' é um projeto econômico que Dilma e os Ruralistas defendem.
A "teocracia' é um bom peão pro desenvolvimentismo ruralista, não mais que isso.

Não contive minha interrogação:

De onde vc tirou essa visão dicotômica [eu deveria ter escrito "reducionista"]: De onde denunciar um explícito e expresso projeto de poder é banalização?

Bem, a partir daí, seguiram-se as já tradicionais reações em casos semelhantes, com o "interlocutor" dizendo que não disse isso e que não está disposto a seguir com o assunto, mais a indispensável "ameaça" de "dar block" (a ameaça com que se costuma obter gozos de importância e através da qual os dissensos são eliminados no mundo virtual).

Fui ler um texto do "interlocutor" onde procura fazer uma análise da conjuntura atual. Eu procurava acessar o que ele não conseguira comunicar através de seus tuítes. Tem por título Dos ódios - sobre religião, conjuntura conservadora e esquerda.

Temos ali, além de truísmo (como aquele da citação do Michel Lowy, de que a religião se modifica na conformidade com as contingências históricas, assim como os seus significados e os seus fiéis), uma tentativa de denunciar a generalização satanizadora daqueles que professam religiões, coisa que efetivamente presenciamos - A responsável por este blog inclusive já tendo incorrido no mesmo erro.

Ocorre, porém, que esse esforço no sentido de denunciar a generalização rasa de toda uma plêiade de denominações religiosas e seus seguidores, simplesmente veio acompanhada daquilo mesmo que buscava criticar: - A generalização! 

Além, é claro, de posicionar-se, em seu discurso, fora e acima da mesma realidade social que produz aqueles que critica e pela via indireta da crítica que arremessa (vide Norbert Elias, em Os Estabelecidos e os Outsiders, os ganhos subjacentes na desqualificação do outro).

A esquerda, segundo o texto, ora é tradada como um bloco uniforme, ora é reduzida aos setores do PT, PSOL e REDE, que compactuam com o conservadorismo. Aliás, somente esses são colocados igualmente  à mercê das mesmas contingências históricas - ela é apresentada, nessa "análise", ademais de uniforme, a-histórica; incapaz de igualmente ter sido forjada no interior do mesmo quadro cultural e econômico.

Não discordo do alerta que o texto busca empreender: - Que há mais do que mera mercantilização da fé. Há ganhos reais e simbólicos para esses fiéis, alguns dos quais, aliás, já comentados aqui. Do contrário, tal não se sustentaria.

No entanto, discordo dessa leitura unilateral e igualmente rasa, onde apenas parte dos agentes em disputa são lidos como produtos históricos e os "movimentos sociais cooptados", meros reféns, totalmente destituídos de responsabilidade, como se a cooptação não fosse também consentida:
 "a esquerda [todos os seus diversos segmentos, núcleos etc. são iguais e resumem-se aos partidos políticos, pois não?] conduzia-se em um paulatino abandono de suas bandeiras originais e fragmentações, com tudo isso escondido na expensão do PT rumo à ordem e à opção preferencial pelo eleitoral, trazendo também a cooptação dos movimentos sociais independentes que se viram reféns desta lógica e ainda se mantém."
Como discordo de sua recusa ao reconhecimento do projeto de poder teocrático em execução, de forma explícita, expressa e coordenada, pelas diversas casas legislativas do país (municipais, estaduais, federal) e demais instituições e Poderes da República (neste blog há muita publicação a esse respeito). 

Denunciar esse projeto não significa necessariamente a banalização do termo; desconhecimento dos ganhos auferidos pelos seus adeptos; ou que ele está inserido em um contexto social e econômico.

Há algo, dentre o que a análise deixa de lado, que me parece fundamental destacar, se quisermos de  compreender o quadro conjuntural: - Jamais fomos - enquanto população majoritária - alguma coisa além de conservadores.

É precisamente esse um dos aspectos mais importantes que, em minha percepção, se deixa de considerar quando de tenta abordar a "conjuntura conservadora". 

- Não estamos a presenciar o surgimento de uma "onda", mas a reorganização, sob outras formas, da nossa marca conservadora característica. Aquela mesma que atuou de forma diligente e perseverante durante o regime militar, a clamar por mais repressão e censura, através de cartas de agentes singulares e coletivos, entre esses, inúmeras casas legislativas municipais e não apenas. 

Nos anos da década de oitenta, nós, os chamados progressistas, vivemos a ilusão de que esses setores estavam sendo vencidos, mesmo com os fatos a nos apontar o contrário. 

Eles sempre se mantiveram presentes, atuantes e se reproduzindo e organizando com grande capilaridade. Enquanto isso, nós outros, os "iluminados", "donos da verdade", da "inteligência", da capacidade de leitura "do real", seguíamos com a nossa marca de vê-los através do prisma inferiorizante, e não demos atenção às suas novas modalidades de organização, reprodução e convencimento.

Embora isso, o texto em causa não deixa de trazer contribuições à reflexão que precisa ser empreendida por tod@s @s ativistas sociais e parlamentares comprometidos com os valores republicanos e democráticos. 
Para dialogar com esta base precisamos entendê-la e também entender que diálogo não significa concessão.
Para combater uma hegemonia ideológica o pior caminho é reforçar sua resistência via reprodução com sinal trocado de preconceitos. Transformar a fé em uma manifestação de estupidez para combater o conservadorismo dos atores é ignorar o alvo, o conservadorismo, pelo preconceito que se tem contra a fé.
A construção da reação à hegemonia conservadora precisa deixar de ser teoricamente conservadora e limitada à arabescos produzidos em cima de dados mal lidos e de senso comum remasterizado. Só assim vamos além do ódio, e agiremos taticamente para retomar uma hegemonia perdida nos anos 1960. (Negritos de autoria da responsável pelo blog)

Contribuições que se somam ao comentário do Pastor Ricardo Gondim, também proferido no Tuíte, no dia quinze último:

Poucos se mobilizam para defender oprimidos e discriminados devido ao longo, silencioso e sutil processo de demonização que sofreram.


Taí uma das tarefas inadiáveis que se nos impõe: Compreendermos que muitos de nós temos reagido de forma semelhante àqueles que criticamos, reproduzindo diversas vezes os mesmos processos de desqualificação e generalização.


Obs.: Participei ao meu "interlocutor" a respeito deste texto. Ele entendeu que eu: fui desonesta; o  desqualifiquei; lhe chamei de tosco; que o tratei de forma agressiva e como tolo; que a minha postura só demonstra que a legitimidade da luta virou abrigo para qualquer postura; que na defesa de que há em marcha uma teocracia eu trato quem discorda igual a fundamentalistas; que eu tratei a sua interlocução como algo menor; que fiz uma mega distorção de seus tuítes e texto; que "é lamentável e tosco colocar uma reflexão crítica quase como anátema"; que ele optou conscientemente por não dialogar porque entendeu que estava sendo lido de forma deturpada; que eu não entendi "patavinas" do que ele escreveu e de seus tuítes; que ele defendeu uma lógica diferente da minha; que discordar é do jogo, transformar o que discorda em menor, não; que ele não tratou a minha lógica como algo entre aspas, que não chamou a minha postura de "análise"; que a meus olhos ele não é um interlocutor qualificado; que o citei de forma jocosa e distorcida; que o distorci de forma desonesta; que "na sanha do destaque para a liderança de um movimento se implodem pontes"; que chamo de truísmo o que ele chama de marcha conservadora; que em meu texto eu "quase lhe desqualifico como proto-homofóbico por 'ignorar' a marcha conservadora, sendo que em seu texto inteiro ele identifica a marcha conservadora para além da religião"; que ele optou por não manter o debate porque lhe parecia que caminhava para isso: "distorção desonesta"; que não me ameaçou de block e que me bloqueava naquele momento devido à deselegância e à desonestidade de minha parte e que este meu texto era um dos mais desonestos que ele já havia lido. Foram 26 tuítes unilaterais que, espero, tenha conseguido contar e transcrever corretamente.

Atualização: 19/03/2013.




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