terça-feira, 4 de junho de 2013

Jean Wyllys: estado penal só quando é para criminalizar a homofobia

Voltamos a assistir o deputado Jean Wyllys desqualificar a criminalização da homofobia. Na coletiva de imprensa que antecedeu à Parada do Orgulho de São Paulo, no último domingo, o deputado - reconhecidamente e com justiça um legítimo representante dos interesses do segmento LGBT - repetiu a antiga postura de se antagonizar com a proposta.
'Não interessa ampliar o Estado penal'
Principal expoente do movimento gay no Congresso, deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) se mostrou, entretanto, reticente em relação ao projeto. O parlamentar argumentou que é necessário uma resposta mais abrangente à questão.
"Não nos interessa ampliar o Estado penal porque ele já se voltou contra nós", disse Wyllys. “A homofobia é um sistema e tem que ser sistematicamente atacado”, disse.
 [Veja aqui]

Wyllys repete o mesmo posicionamento em entrevista concedida ao jornalista Roldão Arruda para o "Estadão", em 20 de março último. Sob o título "Feliciano é o porta-voz do retrocesso", o entrevistador aborda o assunto a partir de uma pergunta equivocada.

Roldão Arruda (autor de pesquisa fundamental - Dias de Ira, uma história verídica de assassinatos autorizados - , onde demonstra os modos seletivos do Estado na apuração de ilícitos penais, ao examinar homicídios praticados contra homossexuais em São Paulo nos anos oitenta) apresenta o tema a partir da afirmação (não verdadeira) de que parte da militância LGBT entenderia equivocada a defesa do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, defendendo que "a ênfase deveria ser na criminalização da homofobia."

Nada mais enganoso.  Jamais os LGBTs que defendem a equiparação da homofobia ao racismo colocaram este item da pauta da agenda política do movimento de forma antagônica ao reconhecimento do direito ao casamento civil. - Muito ao contrário. Há anos, muitos anos atrás, antes do advento da ADPF 132, quando ativistas hegemônicos formulavam sua agenda dessa forma - isto é, de forma dicotômica -, a autora deste blog foi das que mais insistentemente combateu tal postura, defendendo que a luta não poderia jamais ser conduzida dessa forma. Nesse blog podem ser encontradas postagens nessa mesma linha de entendimento. Como quem acompanha de perto as lutas por dignidade e isonomia sociojurídica das populações LGBTs, a autora deste blog desconhece algum coletivo ou ativista individual que se posicione dessa forma apresentada pelo entrevistador - contrapondo um item da agenda política a outro.

Formulando assim equivocadamente a pergunta, o deputado Jean Wyllys responde que é contra. Mas não contra a antagonização dos pleitos. Ele se coloca contra a criminalização da homofobia em si. Como justificativa, Wyllys apresenta dois argumentos: O primeiro, que a criminalização da homofobia "não resolve o problema". O segundo, que ele e o seu partido são contrários "a ampliação do estado penal".

Jean se diz "a favor da luta contra a violência dura que se abate sobre homossexuais, os assassinatos, os espancamentos e, sobretudo, a injúria." Mas sustenta que há que se "ter cuidado ao definir que tipo de pena queremos, numa perspectiva mais ampla. Estamos defendendo outros aspectos que levam à redução do estado penal":

Estamos lutando pela legalização do aborto, pelos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Por outro lado também defendemos a legalização do uso de drogas leves, como a maconha, e das casas de prostituição. Somos contra a redução da maioridade penal, a favor de penas alternativas para delitos leves. Ora, se estamos numa luta pela redução do estado penal, por que vamos entrar na luta pela criminalização da homofobia? As pessoas precisam entender que a criminalização não vai resolver o problema. A criminalização da discriminação racial não resolveu o problema do racismo. [Veja aqui]
 Equivoca-se ainda o deputado. As e os ativistas LGBTs que defendem a criminalização da homofobia não defendem a ampliação do estado carcerário (termo mais apropriado do que o eufemismo "estado penal"). Apenas defendem A EQUIPARAÇÃO DA HOMOFOBIA AO RACISMO. Só e somente isto. Tratamento isonômico a ser dado as TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO, COMO DETERMINA A CONSTITUIÇÃO.

As e os ativistas que defendem o direito a uma vida livre de discriminação também concordam que o encarceramento não é em si mesmo a modalidade de pena mais eficaz, numa perspectiva pedagógica e repressiva, como devem ser as leis penais. - E aqui parece necessário lembrar que pena é tão só sinônimo de sanção e não de encarceramento como muitos equivocadamente procuram lhe emprestar.

Recentemente foi divulgado que o custo de um jovem infrator no sistema "sócioeducativo" paulista é da ordem de sete mil reais. Igualmente absurdos são os custos dos custodiados no sistema prisional em todos os estados da federação. De par com os custos insustentáveis, temos as indignas condições carcerárias, que ninguém que defenda os direitos humanos pode em sã consciência defender.

O que se defende, portanto, é que haja sanção para essa modalidade de violência, nos precisos termos da Constituição. Além de defender a tipificação do delito, exigem - como não poderia deixar de ser - tratamento isonômico com as demais modalidades de discriminação - de novo, nos exatos termos do que determina a Constituição.

Assim, enquanto o Congresso não apresentar uma proposta de tratamento unificado de todas as discriminações com sanções distintas do encarceramento, só restará às e aos ativistas LGBT pleitearem aquilo que vêm pleiteando: A EQUIPARAÇÃO COM A LEI ANTIRRACISMO.

Desconheço que o deputado Jean Wyllys e o PSOL tenham apresentado projeto de lei tendente à revogação das penas de encarceramento previstas na Lei Maria da Penha. Ou que tenha apresentado projeto de lei propondo sanção distinta da prisão no caso do não pagamento da pensão alimentícia. - Penso que são temas igualmente importante de se discutir, na proposta de redução do estado carcerário.

O estado carcerário não interessa a ninguém que defenda dos direitos humanos. Mas enquanto não for apresentada uma proposta global de tratamento distinto de todos os ilícitos penais existentes, as e os ativistas LGBT continuarão a reivindicar ISONOMIA, EQUIPARAÇÃO COM A LEGISLAÇÃO EM VIGOR QUE TRATA DO RACISMO.

É lamentável ler / ouvir de um parlamentar que nos orgulha pela qualidade de sua atuação, no desempenho de seu mandato, que "a criminalização não vai resolver o problema. A criminalização da discriminação racial não resolveu o problema do racismo." - Isso sim é uma grande falácia.

As e os ativistas LGBT não são tolos ou ignorantes ao ponto de imaginar que uma lei de forma isolada e como num passe de mágica terá o condão de transformar um traço cultural arraigado. A Lei Maria da Penha por si só também não realizou mágica no machismo. Mas, juntamente com a lei antirracismo, é uma ferramenta de combate às discriminações. Ferramente que se alia às demais - na educação e na promoção de políticas inclusivas.

Desconheço, como disse, as propostas do deputado e de seu partido no sentido da substituição das penas de encarceramento presentes nas diversas legislações. O anteprojeto do novo Código Penal está em tramitação no Congresso. Jamais tomei conhecimento de seu posicionamento, de suas propostas concretas por uma nova modalidade punitiva, que não o encarceramento. Também desconheço que o deputado seja contrário à revogação da Lei de Anistia.

No ano passado o deputado esteve perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, onde, segundo disse, apresentou formalmente denúncia contra o descaso do Estado brasileiro na apuração de crimes de ódio contra LGBTs e punição de seus responsáveis - entre eles o caso do bárbaro assassinato do vereador Renildo José dos Santos, que, passados vinte anos nenhum os condenados foi levado à prisão. - Se ele é tão veementemente contrário ao encarceramento como modalidade de pena, por que levou o descalabro do caso Renildo à CIDH-OEA?

Deputado, embora todo o respeito que Vossa Excelência conquistou com o seu trabalho parlamentar,  falácia é se posicionar contra o estado carcerário APENAS no que respeita à criminalização da homofobia.

Enquanto a pena vigente (racismo, machismo, homicídio, tortura, débito na prestação alimentícia etc.) no estado nacional for o encarceramento, será essa a modalidade punitiva que reivindicaremos. Caso o deputado e o seu partido apresentem uma proposta GLOBAL de mudança nas modalidades punitivas, não teremos problema algum em apoiar - mas sempre dentro da ótica isonômica.



6 comentários:

O VIADO E A TRANSGRESSÃO POÉTICA disse...

Cada vez mais e mais chocado com a reprodução do que já vivemos, o argumento tolo de "Luta Menor", em nome de uma tal de "Redução do Estado Penal"... acho que isso confunde todo mundo, militantes e não militantes...
O que nos sobre, então?
andarmos armados, canivetes e facas de cozinha, preservar a p´ropria vida também é um Direito!
Compartilhei no Facebook esse seu texto essencial!
Beijos,
Ricardo Aguieiras
aguieiras2002@yahoo.com.br

Augusto disse...

José Augusto Mendes ‏@carioca1957 52 min
@jeanwyllys_real nobre Deputado, vc já viu o texto de hoje do blog comer de matula? Algum posicionamento? Saudações!

Jean Wyllys ‏@jeanwyllys_real 25 min
@carioca1957 Não me posiciono sobre equívocos e leituras enviesadas feitas por gente mal-informada e com disposição a dar tiro no pé. Abraço

Rita Colaço disse...

Rita Colaço Brasil ‏@ritacolacobr 8 s
‏@jeanwyllys_real Está nas 2 matérias, c/ tds as letras. Não inventei, transcrevi. Vá desmentir quem publicou, então.

Rita Colaço disse...

Jean Wyllys ‏@jeanwyllys_real 18 h
@ritacolacobr Não vou discutir essa questão pelo Twitter, sobretudo porque suas considerações se pautam sobre respostas para entrevistas.

Jean Wyllys ‏@jeanwyllys_real 18 h
@ritacolacobr Se você sentasse conosco da Frente para entender nossa posição, não estaria criando celeuma infundada nas redes.

Jean Wyllys ‏@jeanwyllys_real 18 h
@ritacolacobr Se você sentasse conosco da Frente para entender nossa posição, não estaria criando celeuma infundada nas redes.

Jean Wyllys ‏@jeanwyllys_real 18 h
@ritacolacobr Se você sentasse conosco da Frente para entender nossa posição, não estaria criando celeuma infundada nas redes.

Rita Colaço disse...

Jean Wyllys ‏@jeanwyllys_real 18 h
@ritacolacobr No mais, colocar-se contra a ampliação do estado penal não é estar contra ao PLC122; ao contrário! Sem mais. Abraço.

Rita Colaço disse...

Deputado, é precisamente a partir daquilo que Vossa Excelência DECLAROU À IMPRENSA EM DOIS MOMENTOS DISTINTOS que teço meus comentários!

Agora, se o que Vossa Excelência DISSE À IMPRENSA NÃO É A VOSSA POSIÇÃO..., não sou eu quem está criando celeuma, "dando tiro no pé", ou inventando "falácia".