É o que se viu durante a luta pela supressão da tortura judicial (parte integrante da idéia de dignidade) na segunda metade do século XVIII, por exemplo. Em 1780, preocupadíssimo com as críticas recebidas contra os castigos físicos, o governo francês proibiu que a academia de Châlons-sur-Marne continuasse a imprimir o ensaio vencedor sobre a reforma penal, de autoria de Jacques-Pierre Brissot de Warville. Em seu texto, Brissot falava de direitos “sagrados” [invioláveis], desrespeitados pelo aparato judicial. Afirmava que semelhantes práticas eram inconcebíveis a uma nação “gentil” – “de caráter amável e constumes pacíficos”.
Em 1786, ao perceber o quanto a opinião pública havia ficado favoravelmente mobilizada com o manifesto do juiz Charles-Marguerite Dupaty conclamando magistrados e o próprio rei pela sua abolição, o Parlamento de Paris vota para que a petição seja publicamente queimada.
Contradições flagrantes também são parte da história. Como a praticada pelos revolucionários franceses que, vitoriosos, trataram de se opor veementemente ao reconhecimento da isonomia política à mulher, embora elas tivessem participado ativamente do processo revolucionário.
Por falar em direitos à mulher, vale lembrar a luta das operárias brasileiras. A proposta de “permitir” o trabalho feminino independentemente da autorização do marido era veementemente repudiada com argumentos tipo o do deputado Augusto de Lima, para quem
“este contrato [de trabalho entre a mulher e seu empregador] traz a separação não sabida, não consentida pelo marido e, portanto, altamente suspeita, pondo em perigo o bom nome do lar. De uma mulher que se apresenta sem assistência do seu marido e até talvez com oposição deste, o que se presume logo? ... Seria repetição de uma disposição profundamente imoral e desorganizadora do lar.”
Ou o do deputado Carlos Penafiel, que, categórico, sentenciava:
“O salário da mulher não será nunca um salário normal ... O trabalho da mulher, economicamente anti-social, é, sob seu aspecto moral, profundamente desmoralizador.”
Sobre a proteção social da empregada gestante, o Jornal do Comércio de 10/09/1917 afirmava:
“A lei, neste caso, deve ser de mero amparo à mulher e não uma lei que torne a gravidez rendosa e cômoda profissão, fazendo o patrão, como o holandês, pagar o mal ou o bem que não fez!”Segundo o diário, caso a lei contivesse “ tais exageros”, os patrões, por precaução, evitarão contratar mulheres. E conclui, seguro de que advoga a causa justa:
“É certamente o meio mais seguro de ensinar ao nosso operariado os processos de artificialmente diminuir a natalidade” (!)O trabalho da mulher no Brasil apenas foi regulamentado em 1932. Embora desde 1919 o país fosse signatário de todas as convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho sobre o trabalho da mulher. Ainda hoje lutamos por isonomia salarial e acesso em igualdade de condições aos cargos de chefia, assessoramento e direção superior.
O projeto do Código de Trabalho, após tramitar por mais de 13 anos, foi inviabilizado. Borges de Medeiros, pelo Rio Grande do Sul, achava o projeto absurdo, uma “aberração legislativa”. Até os dias atuais permanecemos com uma simples Consolidação.
E quem não se lembra ou já não ouviu falar sobre as reações ante o projeto de lei do divórcio, de autoria do Senador Nelson Carneiro? – Quanta celeuma da Igreja Católica, branindo acusações e ameaças, misturando direito, faculdade, possibilidade de agir, com dever, condição impositiva.
A disputa entre diferentes formas de ver e pensar o mundo também tem ameaçado a eficácia de inúmeros direitos fixados na Constituição. Embora a do movimento homossexual tivesse ficado de fora, por conta da veemente oposição por parte dos congressistas de filiação religiosa conservadora, a Carta Republicana de 1988 incorporou diversas demandas encaminhadas pelos movimentos sociais, fruto de ampla e intensa mobilização participativa. Muitas conquistas fixadas no texto constitucional, porém, tem sido alvo continuado de sabotamento. As batalhas se dão tanto através da inviabilização de projetos de leis complementares regulatórias quanto por meio de Emendas Constitucionais supressivas ou modificativas.
Não é de hoje que setores religiosos e outros aferrados ao conservadorismo se opõem a toda tentativa de avanço civilizacional. Não superamos, ainda, a pretensão de inúmeros credos em submeter o poder civil às suas concepções de mundo. A laicidade fruto de luta tenaz e intensa, não está a salvo de ameaças. Os ataques são diários, constantes. Os fluminenses tem ainda muito viva a experiência com governantes desse tipo. Também ainda não se encontra disseminada a concepção de justiça social enquanto valor e urgência.
É, portanto, no quadro de uma luta histórica de transformação das mentalidades, pela afirmação dos direitos humanos e pela intransigente defesa da laicidade que os enfrentamentos a “humoristas” do tope de Fausto Silva e Danilo Gentili e “profissionais” no estilo da psicóloga Rosangela Justino devem ser compreendidos.
O Conselho Federal de Psicologia, ratificando a decisão do Conselho Regional, entendeu pela manutenção da pena de censura pública à senhora Justino. Embora advertida, enquanto aguardava julgamento do seu recurso ao CFP, a senhora Justino manteve a mesma conduta irresponsável, temerária e ilegal.
A senhora Rosangela se diz vítima de uma campanha persecutória. Não consegue ou finge não conseguir compreender que não pode violar impunemente as normas que regulam seu exercício profissional. Também parece não conseguir desenvolver a tolerância, o respeito pelo outro, necessários ao viver em sociedade democrática, republicana, laica. Insiste em querer impositivamente fazer com que outros vejam o mundo através das lentes de suas crenças pessoais.
Parabéns a tod*s que participaram da campanha perante o CFP. Aguardemos, vigilantes e mobilizad*s, pela decisão no processo aberto pela ABGLT em 2007 no CFP requerendo a cassação do registro profissional dessa senhora.
Como dizem os jovens, “A luta continua!”
Dados extraídos de:
Hunt, Lynn A Invenção dos Direitos Humanos – Uma história, Cia das Letras, 2009;
Melo, Floro de Araújo. O Trabalho da Mulher na História. RJ, 1978;
Cardoso, Irede A. Mulher e Trabalho. Cortex Editora, SP, 1980.
Sussekind, Arnaldo; Lacerda, Dorval; Vianna, J. Segadas. Direito Brasileiro do Trabalho. 1º volume. Livraria Jacinto Editora, RJ, 1943.
Eduardo Peret, msg à lista do yahoo do grupo Arco-Íris em 01/08/09, 18h04.
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