sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Política de Combate ao Preconceito e à Discriminação aos GLBTs na Cidade do Rio de Janeiro: - Pra Inglês Ver?

O Carnaval acabou. Pelo país a dentro o que se viu foi o retorno dos folguedos de rua, no melhor estilo de participação democrática.

Muita alegria, descontração, desarme, aproximação entre diversos:
- A reapropriação do espaço público pela população é um ato político que deve ser praticado intensivamente.

Entre as Escolas de Samba, a vitória da Unidos da Tijuca trouxe a confirmação de um sentimento popular - quem assistiu ficou tomado de emoção pela ousada inventividade, no melhor estilo Joãosinho Trinta.

Sábado que vem teremos outra oportunidade para contemplar a inesgotável capacidade criativa de nosso povo.

Aliás, é bom que se diga: todo o desfile este ano foi uma sucessão de beleza e originalidade. A cada escola que se apresentava, um espetáculo encantador singular: cada qual à sua maneira, no seu estilo, com a "sua marca", a "personalidade" tanto do carnavalesco quando da própria Escola.

Outro aspecto digno de nota é a capacidade demonstrada pelo carnavalesco Paulo Barros, de se abrir ao novo, ao desconhecido; de se por ao alcance do público anônimo, mas desejoso de participação e, com humildade democrática, aceitar sugestões. Foi por meio dessa postura pessoal que ele pode receber a sugestão do enredo vitorioso, que lhe foi enviada pelo jovem Vinicius Ferraz, de 15 anos - um apaixonado por desfiles de Escola de Samba e aluno do segundo ano do ensino médio.



Como já faz parte da nossa tradição cultural, somente após o carnaval é que se inicia realmente o ano novo. É quando se retomam os temas da vida civil e cotidiana.

De minha parte, quero saudar o "Ano Novo" propondo a continuidade do exame da legislação fluminense antidiscriminação lgbt.

Assim, nesta postagem convido você a acompanhar e comentar a construção da legislação do município do Rio de Janeiro concernente à implantação de uma política de garantia de direitos (fundamentais, amparados pela Constituição da República e pelos Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil) para a população de lésbicas, gays, travestis, transexuais, bissexuais.


Cronologia e temática

Em 12 de setembro de 1996, a Lei municipal nº 2.475 definiu as práticas discriminatórias em razão da orientação sexual e determina sanções às mesmas.

Em 28 de dezembro de 2001 a Lei n.° 3.344 (alterada pela Lei N° 3.606), disciplina o Regime próprio de Previdência e Assistência aos Servidores Públicos do Município do Rio de Janeiro e equipara a união estável homoafetiva à união estável heterossexual.

Em 18 de julho de 2007 a Lei n.° 4.556 autoriza o Poder Executivo a incluir, como dependentes no Plano de Saúde da Prefeitura os companheiros do mesmo sexo dos servidores municipais.

Em 23 de janeiro de 2008, a Lei municipal nº 4.766 cria o "Programa de Assistência à Diversidade Sexual e de Combate ao Preconceito e à Discriminação", decorrente de projeto de lei de iniciativa da câmara de vereadores (autoria do vereador Pedro porfírio). Por meio desta lei, fica o poder público municipal autorizado a estabelecer convênios com instituições da sociedade civil, profissionais liberais e autônomos.

Comentário: Cria o Programa, sem porém definir o seu conteúdo.

Em 29 de janeiro de 2008, a Lei municipal nº 4.774 tem por ementa o estabelecimento de medidas de combate a toda e qualquer forma de discriminação por motivo de orientação sexual, em respeito aos princípios fundamentais da cidadania, da dignidade da pessoa humana e outros afins previstos na Constituição Federal. - Na realidade, também define quais são as práticas discriminatórias motivadas pela orientação sexual.

Estabelece como uma das atribuições das ongs com sede no município que cuidem dos direitos "do segmento homossexual, bissexual, travesti e transexual": formular e encaminhar propostas de políticas no interesse desse segmento, de forma articulada com os órgãos municipais competentes e a Câmara Municipal; "formular propostas e adotar medidas tendentes à eliminação de toda e qualquer forma de discriminação por orientação sexual, em especial apoiar e promover eventos e campanhas públicas que tenham por objetivo conscientizar a população em geral sobre os efeitos odiosos causados à pessoa humana por essas condutas discriminatórias"; "atuar no sentido de, respeitada as suas competências, propor e aperfeiçoar instrumentos legais destinados a eliminar discriminações por orientação sexual, fiscalizando o seu cumprimento e assegurando a sua efetiva implementação"; "elaborar e executar ações diretas concernentes às condições do segmento, que, por sua temática ou caráter inovador, não possam, de imediato, ser incorporados por determinados órgãos da municipalidade"; "acompanhar programas ou serviços que, no âmbito da Administração Municipal, sejam destinados aos integrantes do segmento, por meio de medidas de aperfeiçoamento e de coleta de dados para finalidades de ordem estatística"; entre outras ações afins.

Em seu art. 4º afirma que, para a realização das finalidades dessa lei, "haverá o apoio do Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual, órgão de caráter consultivo integrado paritariamente por representantes do Poder Público Municipal (Prefeitura e Câmara Municipal), do segmento homossexual, bissexual, travesti e transexual da sociedade civil e das organizações não governamentais."

Em seu parágrafo único esclarece que "As atribuições, composição e formas de atuação do Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual serão apresentadas pelo Poder Executivo", sem, porém, fixar prazo para tal.

Também por esta Lei (de 29/01/2008), em seu artigo 5º, "Fica criado o Centro de Referência GLBTT no Combate à Discriminação por Orientação Sexual, vinculado à Câmara Municipal através da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos", sendo fixadas as suas atribuições.

Entre elas a de "receber, encaminhar e acompanhar toda e qualquer denúncia de discriminação por orientação sexual e/ou violência que tenha por fundamento a intolerância contra homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais"; "encaminhar, de imediato, representação ao Ministério Público, quando se tratar de denúncia por conduta discriminatória associada a atos de violência"; "verificar e atuar em casos de discriminação por orientação sexual noticiados pela mídia ou naqueles que o Centro venha a tomar conhecimento por qualquer outro meio"; "criar fluxograma destinado ao encaminhamento e acompanhamento das denúncias, de modo a assegurar a transparência dos procedimentos e a fiscalização por parte dos munícipes e da sociedade civil organizada".

Afirma ainda a Lei de janeiro de 2008 que "as despesas com a execução desta Lei correrão a conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário."

Comentários: O Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual chegou a ter seus ocupantes nomeados pelo anterior chefe do executivo municipal?

E o Centro de Referência GLBTT no Combate à Discriminação por Orientação Sexual, vinculado à Câmara Municipal através da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, teve exercício na legislatura anterior? Existe e funciona na atual?

Como se encontram estas duas instância de proteção de direitos na gestão atual?

- A aguardar ainda até quando o cumprimento da tarefa cometida ao GRUPO DE TRABALHO (ver abaixo)?


Em 31 de março de 2008 o Diário Oficial do Município do RJ publica o Decreto Municipal nº 29.135, de 28 de março de 2008, que cria o "o Comitê de Garantia de Direitos em função das Leis n.ºs 3.344/01, 4.556/07, 4.766/08 e 4.744/08", que

"terá como responsabilidade acompanhar a efetividade das legislações de quaisquer instâncias de governo, assim como decisões judiciais pertinentes e será formado por onze membros, sendo cinco representantes de organizações não governamentais convidados e seis representantes governamentais das Secretarias de Assistência Social - SMAS, Secretaria Municipal de Educação - SME, Secretaria Municipal das Culturas - SMC, Secretaria Municipal de Administração - SMA, Instituto de Previdência e Assistência do Município do Rio de Janeiro - PREVIRIO e Procuradoria Geral do Município - PGM".


Será o Comitê coordenado pelo representante da SMAS e, quando presente, pelo Secretário da SMAS.




Em 10 de novembro de 2008 o Decreto Municipal nº 30033, regulamentando as Leis n.º 2.475, de 12/09/1996, e n.º 4.774, de 29/01/2008,

afirma que "Todo ato de discriminação praticado contra pessoas, em virtude da orientação sexual destas, poderá ser levado ao Comitê de Garantia de Direitos, criado pelo Decreto n.º 29.135, de 28 de março de 2008, por meio de correspondência postal; mensagem eletrônica; telefone, ou pessoalmente" (art. 1º, caput, 1ª parte).

Por outro lado, no mesmo parágrafo, o Decreto de novembro de 2008 determina que "Resolução Conjunta da Secretaria Municipal de Assistência Social e da Secretaria Municipal de Governo" estabelecerá a forma pela qual tais atos discriminatórios poderão ser levados ao Comitê de Garantia de Direitos (art. 1º, caput, 2ª parte).


Estabelece, ainda, o seu art. 4.º: "A Secretaria Municipal de Assistência Social deverá:

I – dispor de estrutura para o recebimento das denúncias dirigidas ao Comitê de Garantia de Direitos, mediante a criação de um endereço eletrônico específico, uma linha telefônica e uma sala de atendimento para denúncias feitas pessoalmente, garantido o sigilo, quando solicitado;

II – elaborar material informativo a respeito do Comitê de Garantia de Direitos, dos direitos relacionados à livre orientação sexual, das eventuais infrações, assim como dos mecanismos de denúncia."

Comentários: Dado que a primeira parte do art. 1º dispõe que a denúncia dos atos discriminatórios pode ser levada ao Comitê de Garantia de Direitos tanto por correspondência postal, mensagem eletrônica, telefone, ou pessoalmente, parece adequado interpretar que a forma que a Resolução Conjunta da Secretaria Municipal de Assistência Social e da Secretaria Municipal de Governo estabelecerá de tais denúncias serem levadas ao Comitê de Garantia de Direitos (2ª parte do caput do art. 1º) quer se referir aos aspectos logísticos, tais como: o endereço eletrônico, o número da linha telefônica e o local (a sala, o endereço físico) onde o Comitê de Garantia de Direitos receberá as denúncias.

Observe-se que o Decreto Municipal não fixa prazo para a edição conjunta da Resolução. Tampouco para que a Secretaria Municipal de Assistência Social crie a estrutura física e virtual necessária ao recebimento das denúncias.



Em 26 de junho de 2009 a atual gestão da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, por meio da Resolução "P" nº 285, da Secretaria Municipal de Assistência Social, cria o GRUPO DE TRABALHO para "organizar e implementar a Política Municipal de Garantia de Direitos, voltada ao público Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transsexuais (LGBT)".

Para a implementação dessa Política, o GRUPO DE TRABALHO "articulará com outras Secretarias Municipais, bem como com a Superintendência de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos do Governo do Estado" (SuperDir, vinculada à Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos, SEASDH).

Comentários: Também a Resolução "P" nº 285 não estabelece prazo para que o GRUPO DE TRABALHO criado organize e implemente a Política Municipal de Garantia de Direitos, voltada ao público Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transsexuais (LGBT).

Ao que tudo indica, a Política de Garantia de Direitos que o grupo de trabalho tem o encargo de organizar e implementar parece ser na realidade a implementação do "Programa de Assistência à Diversidade Sexual e de Combate ao Preconceito e à Discriminação" instituído pela Lei nº 4.766 de 23 de janeiro de 2008, devidamente renomeado, face ao novo ocupante do Executivo Municipal.

Não consegui localizar o ato de nomeação dos ocupantes do Comitê de Garantia de Direitos. Busquei ajuda junto aos militantes.

Segundo informações obtidas, após o Carnaval será divulgado o decreto de nomeação dos integrantes do Comitê de Garantia de Direitos.


Tomara que essa notícia se contretize, pois o puro exame da cronologia dos atos normativos, bem como de suas cláusulas em aberto (os prazos não fixados) poderiam levar a que se entenda que a implantação da Política Municipal de Garantia de Direitos ao segmento LGBT (ou Programa de Assistência à Diversidade Sexual e de Combate ao Preconceito e à Discriminação, como prefiram) é mais uma política "pra inglês ver" - mecanismo de cooptação de movimento social.

Ou que apenas se teria tratado de dar cumprimento formal aos compromissos assumidos pela municipalidade do Rio de Janeiro para com a cidade de Copenhagem, por ocasião dos festejos pelos trinta anos da Revolta de Stonewall. Ao invés da verdadeira implementação de uma Política Pública de garantia de direitos a um dos segmentos vulnerabilizados da população, com o que se estaria dando cumprimento ao compromisso assumido por ocasião da campanha política, além de dar cumprimento à Constituição da República e aos Tratados de Direito Internacional ratificados pelo Brasil.

É importante recordar que o segmento LGBT é, dentre os vulnerabilizados, aquele que permanece sem qualquer legislação em âmbito federal, capaz de dar efetividade às normas constitucionais (ao contrário de crianças e adolescentes, idosos, indígenas, deficientes, afrodescendentes).


Eis, em síntese, os órgãos colegiados municipais de defesa dos direitos da população LGBT:

Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual - 29 de janeiro de 2008, a Lei municipal nº 4.774

Centro de Referência GLBTT no Combate à Discriminação por Orientação Sexual, vinculado à Câmara Municipal através da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos - 29 de janeiro de 2008, a Lei municipal nº 4.774, art. 5º

Comitê de Garantia de Direitos - Decreto Municipal nº 29.135, de 28 de março de 2008

GRUPO DE TRABALHO para "organizar e implementar a Política Municipal de Garantia de Direitos, voltada ao público Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transsexuais (LGBT)" - Resolução "P" nº 285, de 26 de junho de 2009.


Aguardemos, pois, o Carnaval passar, para podermos conferir a efetividade de tais mecanismos de proteção.


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