sábado, 18 de junho de 2011

Milton Santos, Lula e a "brasilidade"

Ontem a TVBrasil reapresentou o De lá pra cá em homenagem aos dez anos sem o geógrafo Milton Santos - distinguido não apenas pela reinvenção da geografia, com a construção de uma nova teoria sobre o território, mas, sobretudo, pelo modo crítico e autonômo como exerce o seu papel de intelectual.

Aspectos presumivelmente inerentes à posição de intelectual, em nosso país, dadas as marcas persistentes de nossa herança cultural acomodatícia, revestem-se de atributos singulares. De tão difíceis de encontrar naqueles que gozam de reconhecimento em seu campo e além, quando presentes revestem-se de características excepcionais (Veja, abaixo, os 4'45 da primeira parte do filme de Silvio Tendler sobre e com Milton Santos).

Peguei-me a pensar nisto. Não que fosse a vez primeira. Mas, sei lá por que cornos, dessa vez me dei ao trabalho de partilhar esse meu momento surgido dessa fala mesma de Milton Santos (decerto que não apenas a partir do programa, mas referindo-me a ele, sobretudo).


Sabemos que o Brasil nunca primou em representar de fato o papel da "mãe gentil", acolhedora, provedora do necessário esteio àqueles que ousaram romper com a ainda vigente cultura da busca por acomodações fáceis - as "reformas pelo alto", os "mudancismos" -, resistindo em operar as necessárias rupturas e transições (Fernandes, Florestan. Nova República?, 1986). Ao contrário. Sobre estes frequentemente cairam e ainda caem forças disciplinadoras, tendentes ou a amoldar os insurgentes ao padrão hegemônico, a silenciá-los (sobretudo pela via da ridicularização, do escárnio, da negativa de interlocução). Ou expulsá-los de cenários vocalizadores  (o que apenas aparentemente pode ser visto como a mesma coisa). Mesmo em (sobretudo, talvez?) palcos tidos como intrinsecamente de discussão.

Veem-me à memória os modos de desqualificação pública a que foi submetido o Presidente Lula por todo o período de seus dois mandatos (oito anos), não pela refutação de suas ideias, argumentos, mas pela ridicularização, promovida de forma intensiva pelos média e repetida até por alguns integrantes das classes mais subalternizadas. Não faltando tampouco aqueles outros, tradicionalmente tidos e havidos como os grandes oráculos da sapienza nacional, cuja figura mais emblemática me parece constituir o compositor Caetano Veloso.

Pensando nisso, uma pergunda me aflora, inquieta: - Não tivesse Milton Santos conquistado, primeiro, o reconhecimento internacional que conquistou, nossa intelligentzia acomodatícia e provinciana teria permitido que ele produzisse o que produziu, formulasse as questões que formulou? 

Alguem que não meus botões poderia responder: - Se fosse verdadeira essa sua hipótese, como explicar o reconhecimento obtido por intelectuais como Florestan Fernandes, Marilena Chauí, Maria da Conceição Tavares?

Bem, responderia eu - tambem aos meus botões -, se você observar mais atentamente, dentre esses citados, parece-me que quem formula as críticas  mais contundentes ao próprio campo é precisamente uma pessoa não muito solicitada pelos média populares a se pronunciar sobre as questões sociais e políticas nacionais - Maria da Conceição Tavares.  Mesmo reconhecendo que os média hegemônicos não costumam lá dar muito espaço para esses três grandes intelectuais na verdadeira acepção da palavra. 

A eles, sabemos nós, é mais lucrativo economica e politicamente - porque resulta de uma estratégia inerente ao seu projeto de poder - obsequiar com generosos espaços midiáticos, sobretudo aqueles de maior consumo das camadas mais populares, personas portadoras de discursos adestradores, mantenedores do status quo mais obscurantista e retrógrado. Como vimos aliás em operação recentemente com os usos do e pelo deputado Bolsonaro e os média, no caso da sua manifestação preconceituosa à cantora Preta Gil e de sua investida contra a consecução da cidadania por parte de pessoas LGBTTs. Cruzada co-estrelada pelos integrantes da presumível "Liga Evangélica e Católica pela Reinstauração do Santo Ofício". 
 
Força política que tem se mostrado poderosa o suficiente para fazer vir beijar-lhes a mão e retrceder em suas posições políticas agentes tradicionalmente progressistas e críticos como Lula e Dilma Roussef. E regredir políticos que não se pejam em negar o seu passado - como é o caso da deputada federal pelo Rio de Janeiro Benedita da Silva, da  Assembleia de Deus. Parlamentar que, durante o processo constituinte, exerceu notável protagonismo em defesa da cidadania dos "homossexuais".

Pois foi justamente esta constituinte evangélica (Benedita da Silva, PT-RJ) a única parlamentar a manifestar público apoio à reivindicação apresentada, no momento mesmo de sua exposição, por João Antônio Mascarenhas, perante o Congresso Constituinte, em 1987 (Câmara, Cristina. Cidadania e orientação sexual - a trajetória  do Triângulo Rosa, 2002, pág. 117).  

Hoje, sintomaticamente, esconde essa atuação, à época tão rara de ser assumida. Essa atuação tão nobre e dignificante em prol dos direitos humanos, por força presumivelmente da ascensão que o poder neopetencostal vem conquistando em nosso parlamento, a deputada deixa de mencionar - seja em sua biografia, seja em sua menção à resposta que deu ao deputado Jean Wyllys.

Nos dias que correm, ao contrário daqueles tempos (bicudos como os de hoje, mas de uma outra forma), a deputada declina de manter-se coerente:
 Tanto eu, quanto Lula, Dilma e Cabral consideramos as igrejas parceiras da administração pública na execução de serviços de assistência social e na defesa dos Direitos Humanos.  E eu, que defendo a liberdade de religião e que trabalhei por isso  nos meus mandatos parlamentares, jamais fui obrigada a aprovar leis contrárias aos meus princípios religiosos.(Destaquei)
Hoje a deputada fluminense prefere perfilar-se junto "aos seus" - a Frente Parlamentar Evangélica, uma das apresentações da "Liga". Quem sabe fazendo figa para que esse seu passado de efetiva luta pelos direitos humanos não seja recordado.

Confira, abaixo, notícia datada de 22 de maio de 2011, veiculada no blog do jornal gospel news:
 Deputados e senadores se reúnem todas as quartas-feiras em uma sala anexa ao plenário e realizam um culto A Frente Parlamentar Evangélica apresenta nova diretoria com o delegado e pastor João Campos, deputado por 3 mandatos na Câmara Federal, sendo reconduzido ao cargo de presidente da Frente. Os deputados Garotinho (PR RJ); Paulo Freire (PR-SP); Benedita Silva (PT-RJ); Roberto Lucena (PV-SP) e o senador Walter Pinheiro assumiram a vice-presidência da entidade. A Frente Parlamentar foi criada com o intuito de lutar por temas que envolvem a família [qual família, prezados?] e a fé cristã [sob mesmo qual interpretação da palavra do Cristo?]. Os deputados federais e senadores evangélicos se reúnem todas as quartas-feiras em uma sala anexa ao plenário e realizam um culto. Confira a lista: Presidente Dep. João Campos Vice-Presidente Dep. Antony Garotinho, Dep. Benedita da Silva, Dep. Paulo Freire, Dep. Roberto de Lucena, Senador Walter Pinheiro.

Aliás o que é senão o exemplo mais perfeito e acabado de nossa marca acomodatícia, camaleônica e oportunista essa guinada mais à direita (a uma direita fundamentalista), operada por Benedita da Silva?

Fica o convite à reflexão: 

- Até que ponto em nosso país os e as grandes pensadores/as e agentes políticos existem à revelia da sociedade mesma que, a um tempo, os produz e esforça-se por aniquilar-lhes?  

 Indícios presumíveis (nas trajetórias de)? : Pedro Ernesto - João Goulart - Paulo Freire 

Talvez interesse saber quais os parlamentares do Rio de janeiro integram a FPE:
  • Andreia Zito PSDB – RJ (oposição)
  • Arolde de Oliveira DEM – RJ (oposição)
  • Benedita da Silva PT – RJ
  • Adilson Soares PR – RJ
  • Eduardo Cunha PMDB – RJ
  • Felipe Pereira PSC – RJ
  • Antony Garotinho PR – RJ
  • Liliam Sá PR – RJ
  • Neilton Mulim PR – RJ
  • Vitor Paulo PRB – RJ
  • Walney Rocha PTB – RJ
  • Aureo Ribeiro PRTB – RJ
  • Washington Reis PMDB – RJ
  • Marcelo Crivella PRB – RJ (senador)


Nenhum comentário: