domingo, 15 de janeiro de 2012

Magistrada negra só consegue promoção via CNJ

Juíza negr preterida em promoção vai a Desembargadora pelo CNJ
-  às portas da aposentadoria compulsória

Conheci, ou melhor, tomei conhecimento da existência da juíza Luislinda Valois em um programa de televisão - lamentavelmente não me recordo qual. Fiquei encantada ao ouvir a sua concepção da finalidade do Judiciário, no que consistia para ela a prestação jurisdicional. Pelo que afirmava de suas iniciativas, era uma juíza que "ia aonde o povo está", ou seja, o seu juizado era itinerante, se deslocava para as comunidades onde mais se necessitava dos serviços daquele poder.

Vendo a sua figura, porém, logo fiquei a me perguntar como seria o seu relacionamento com os seus pares. - Me explico: É que a magistrada Luislinda, da Comarca de Salvador, Bahia (Estado onde existe o maior número de negros, à exceção da África), é uma mulher que usa um estilo de vestimenta algo distante do padrão europeu que nós, como bons colonizados complexados, seguimos reproduzindo, embora nossos traços culturais mais fortes sejam diametralmente opostos, coerentes com a nossa região tropical, que fala de cores, luz e calor.

Na realidade, Luislinda exibe um estilo de apresentação pessoal que respeita a nossa cultura  e sua ancestralidade cultural. Além do mais, por professar religião do Candomblé, a magistrada algumas vezes comparecia ao Fórum e realizava as funções a seu cargo utilizando as contas de sua religião e guardava os dias que são importantes à sua fé - fato muito natural, caso ela fosse judia, por exemplo, mas tido como completamente "estranho", em se tratando de uma negra e a religião, o Candomblé.

Como eu suspeitava, ela declarou nesse programa que sim, sofria segregação por parte dos seus pares, por conta de seu modo de vestir e desses dias que guardava. Disse mais a juíza Luislinda. Disse com todas as letras que se sentia preterida na promoção, embora houvesse sido muito bem avaliada quando ocupou o cargo de Desembargadora substituta. Disse também que, agora (no momento da entrevista) não haveria mais como não promoverem-na, porque era seu direito líquido e certo a promoção por antiguidade.
Hoje, passados não sei quantos meses dessa entrevista marcante, inesquecível, eis que leio a notícia: Foi preciso a intervenção do Conselho Nacional de Justiça para garantir a sua promoção por antiguidade, legalmente prevista. - Ela aguardava esta promoção desde 2003!


A Desembargadora Luislinda tomou posse em 20 de dezembro e na sexta-feira passada, dia 13 de janeiro, foi agraciada 
com a medalha do Mérito Judiciário, recebida em sessão solene realizada no Tribunal de Justiça, das mãos de seu filho, Luis Fausto Valois, que é Procurador do Estado em Sergipe.

A Desembargadora Luislinda Valois, mulher, negra, de religião africana, os meus sinceros cumprimentos, orgulhosos, vibrantes. 

Sim, eu sinto-me profundamente orgulhosa de sabê-la magistrada e, agora, Desembargadora: - Uma mulher juíza, "nordestina, negra, rastafári, divorciada e ousada",  e com a consciência social e política que V. Exª possui. De forma assemelhada ao orgulho que sinto por termos o juiz, hoje Ministro, Joaquim Barbosa. Sei que ainda são poucos, muito, muito poucos os magistrados negros. Mas sabemos que estamos em processo de construção da efetiva democracia em nosso país. Como disse a própria Desembargadora, 
“A gente chega lá com luta, com competência, sacrifício e ousadia”

“Dizem que sou a primeira juíza negra do Brasil. Não sei bem se isso é verdade, o importante não é ser a primeira ou a décima. O importante é a bandeira que eu carrego”
Como mulher, brasileira, filha de operários imigrantes nordestinos, lésbica, conheço bem as dinâmicas de segregação e desqualificação e suas múltiplas formas de apresentação. Justamente por isso é que me rejubilo tão intensamente com esta notícia. Sei (na minha vida cotidiana tanto quanto na teoria, pois é meu objeto de estudos) a importância dessa sua conquista - que não é absolutamente pessoal, mas social e política. Uma vez mais, Desembargadora, os meus sinceros e comovidos cumprimentos!

O lado triste da história é que, como o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia postergou o quanto pode a sua promoção (negando-se a fazê-la por merecimento e também por antiguidade), esta decisão do CNJ a alcança às portas da aposentadoria compulsória, já que completa 70 anos este ano. Ainda neste mês de janeiro ela terá que dar entrada em seu pedido de aposentadoria. Duro! Mas, como disse a própria Luislinda,

"Temos que deixar o passado para trás e comemorar este novo momento. Fico muito feliz em servir como uma referência para o povo negro. Nós somos capazes e espero que a minha nomeação como desembargadora abra portas e estimule os afrodescendentes do nosso Estado"
Espero que ela reflita com muito carinho sobre a possibilidade de candidatar-se a algum cargo político, já que com a aposentadoria o impedimento legal deixa de existir. Estou certa de que, seja qual seja o cargo (oxalá a Presidência da República!), realizará um excelente trabalho, ainda que - uma vez mais - encontre diversas pessoas prontas a de tudo fazer para impedí-la.



13/01/2012 - 00h00

A desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), Luislinda Valois, promovida por decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), recebe, nesta sexta-feira (13/1), em Salvador, a medalha do mérito Judiciário do estado. A entrega será feita pela presidente do TJBA, Telma Britto, às 17h no auditório do Tribunal na capital baiana.

A desembargadora tomou posse no dia 20 de dezembro, após o CNJ determinar a sua promoção por critério de antiguidade. A decisão foi tomada por unanimidade, no início do mês, pelo plenário do Conselho em processo de relatoria do conselheiro Jorge Hélio.

Os conselheiros entenderam que o Tribunal de Justiça da Bahia procrastinou excessivamente a promoção de Luislinda. A desembargadora é a 40ª integrante da Corte baiana. O Tribunal possui 42 vagas de desembargador, duas delas ainda não preenchidas.

Mariana Braga
Agência CNJ de Notícias

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