quarta-feira, 21 de outubro de 2009

"Homossexuais Idosos": A iniciativa da Alemanha e nós

Walter Maierovitch publicou, na Carta Capital de 13/02/2008, artigo sobre a iniciativa da Alemanha em construir um modelo de residência para idosos homossexuais.

O projeto inicial prevê 28 quartos, com serviços de assistentes sociais e enfermeiros, selecionados pelo próprio segmento. A direção é exercida por uma lésbica.

O modelo com quartos é vital, na medida em que, como destacado na matéria, permite que os idosos mantenham preservados os referenciais de sua trajetória individual - cartas, fotos, postais, livros, objetos de decoração etc.

Ou seja, se vê poupado da perda da individualidade, num momento da vida em que suas referências de apoio tendem a se reduzir.

O foco é a promoção de mecanismos de proteção contra a vulnerabilidade, maior em decorrência do envelhecimento.

A Alemanha começou com 28 quartos. Por que a gente aqui no Brasil não pode começar com 8, 10 que seja?

Um projeto piloto com arquitetura simples, algo tipo as antigas "casas de cômodos" devidamente atualizadas, dotadas de acessibilidade? Ou tipo as "vilas de casas", ou "casas-geminadas", com unidades tipo studio, com total acessibilidade e onde os acréscimos de unidades possam ir sendo construídos com o tempo? No entorno, os espaços de convivência e lazer (leitura, jogos de mesa, vídeo, tv, música, jardim etc)?

Escolhendo o imóvel em local próximo a uma unidade básica de saúde (porta de entrada do SUS), é possível garantir condições de moradia e cuidado para residentes dotados de autonomia, com um reduzido custo de manutenção - essa estratégia é utilizada por diversas instituições que mantem casas-lares para idosos no Rio de Janeiro.

A área central do Rio de Janeiro, por exemplo, possui enorme quantidade de terrenos abandonados, servindo ao crescimento de capim e à proliferação de mosquitos.

A administração Cesar Maia desenvolveu o Projeto Morando no Centro, de autoria do Alfredo Sirkis. Permanece, contudo, enorme quantidade de terrenos abandonados, com ameaças reais à saúde pública, ao tempo em que a infraestrutura urbana, cuja instalação demandou considerável volume de recursos públicos, continua injustificavelmente subutilizada, embora a Prefeitura possua o "Programa Novas Alternativas" que, justamente, "atua na reabilitação, recuperação e construção de imóveis em vazios urbanos infra-estruturados localizados no Centro do Rio".

Por que os movimentos lgbt não podem formular um projeto-piloto de casa-lar para idosos em um desses terrenos, empregando o "tijolo ecológico" (solocimento) e com fiinanciamento pela Caixa Econômica Federal, dentro do programa Minha Casa, Minha Vida, que prevê condições específicas para idosos?

Tenho convicção de que as instituições públicas de ensino, pesquisa e extensão não se negarão colaborar, firmando parcerias, seja na elaboração do projeto construtivo, seja na instituição de programas de extensão em serviço social, geriatria, fisioterapia, educação física e enfermagem, por exemplo.

A UERJ, apenas para citar uma das instituições, desenvolve ótimos projetos em educação para a diversidade; e também possui acúmulo no tocante ao envelhecimento, através da UNIVERSIDADE ABERTA DA TERCEIRA IDADE (UNAT). Além do mais, possui um ambulatório de atenção integral ao idoso e fica localizada em região de fácil acesso a áreas onde tais terrenos encontram-se disponíveis - Gamboa, Saúde, Estácio, Santo Cristo, Lapa, São Cristóvão.

Vale recordar que o Estado do Rio de Janeiro implantou uma unidade de fabricação dos tijolos ecológicos (solocimento) no Complexo Prisional de Gericinó. Parte integrante do programa de ressocialização do contingente carcerário fluminense, a fábrica de tijolos é gerenciada pela Fundação Santa Cabrini e dispõe de mão de obra especializada não apenas na construção dos tijolos mas, também, no processo construtivo.

Em parceria com a Prefeitura de São Gonçalo, forneceu os tijolos e a mão de obra para a construção de uma escola, além de ter construído 53 boxes para venda de placas no interior de diversos postos do DETRAN.

Em São Paulo, o movimento dos sem teto desenvolveu projeto habitacional nesses moldes , isto é, contando com assessorias técnicas, negociando com a Caixa, com a Prefeitura e com o Estado de São Paulo, conforme noticia o texto a Habitação no Financiamento do BID para São Paulo, de Helena Menna Barreto Silva (Relatório III - Anexos, pág. 4).

Com a palavra, as entidades dos movimentos lgbtts. No Rio de Janeeiro, o Fórum GLBT Fluminense, com suas organizações constituintes, a Prefeitura e o Estado do Rio de Janeiro (este, através do seu Conselho dos Direitos da população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais do Estado do Rio de Janeiro, que possui poderes para elaborar e implementar políticas públicas para o segmento).

Os Indicadores Sociais da última PNAD, divulgados recentemente pelo IBGE e aqui trazidos, inclusive com uma projeção para o segmento lgbtt, dão bem a velocidade do envelhecimento da população brasileira, a exigir ações protetivas urgentes e eficazes, tanto do Estado quanto da sociedade organizada.

Confira o texto do Maierovitch:

"Homossexuais Idosos

ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA CARTA CAPITAL DESTA SEMANA
Wálter Fanganiello Maierovitch

A Alemanha saiu na frente e o governo do presidente Lula deveria aproveitar a idéia, que está sendo aplaudidíssima em toda a Europa. Conforme entidades de prestígio internacional dedicadas aos direitos humanos, a iniciativa alemã tende a se multiplicar pelo planeta.

A atitude do governo da premier Angela Merkel pode até ser vista como um ato a redimir um passado de horrores. Isto em um país que proibia, pelo inesquecível parágrafo 175 da Constituição de 1935, as relações homossexuais. Durante o regime nazista, Hitler, com base no parágrafo 175 do texto constitucional, perseguiu, esterilizou e exterminou homossexuais.

Com efeito, num prédio de apartamentos da berlinense Asta-Nielsen Strasse, número 1, bairro de Pankow, começou a funcionar, neste fevereiro de 2008, a primeira casa de repouso e tratamento destinada a abrigar gays e lésbicas entrados na terceira idade.

No momento, são 28 quartos com assistentes sociais e enfermeiros selecionados entre homossexuais. Por evidente, a diretora responsável pelo estabelecimento é lésbica.

Enfim, um humano e sensível toque cor-de-rosa de cidadania, em um mundo onde os passantes ainda não apreenderam a conviver com as diferenças. E em que o preconceito ainda impera, quando não se deveria esquecer a perseguição processual nazista a mais de 100 mil gays, com 15 mil enviados aos campos de extermínio e dos quais apenas 4 mil sobreviveram ao Holocausto.

É interessante notar que a geração daqueles acolhidos em Berlim também teve, como tantos outros espalhados pelo planeta, de levar uma vida de fachada. No Brasil, é significativo o mote da marchinha carnavalesca Maria sapatão, sapatão, sapatão. De dia é Maria, de noite é João.

Ao traçar o perfil dos abrigados, a diretora da supracitada primeira casa de repouso para homossexuais concluiu tratar-se de pessoas que, pela pressão social, ?viveram vida dupla?, no que toca à exteriorização da sexualidade.

A merecer a reflexão, em especial pela direita tedesca, que reagiu e considerou a iniciativa discriminatória e a servir apenas para isolar ainda mais os gays e as lésbicas, a diretora da Casa de Repouso foi ao ponto. Para ela, os idosos homossexuais precisam de um lugar para falar dos seus amores, das suas experiências e, também, para verbalizar seus traumas. E, sem dúvida, nada melhor do que um local adequado, com funcionários preparados à interlocução.

Um dos atendentes da Casa de Repouso frisou que nenhum homossexual da clínica precisará mais olhar ao redor primeiro para, então, beijar um visitante seu. Em uma referência a um tempo hipócrita, em que o homossexual acionava intuitivamente freios inibitórios para evitar aquilo que escandalizava conservadores, como o beijo na boca.

O endereço da casa de repouso, no bairro de Pankow, é dado como provisório. Todos pensam em um prédio de oito pavimentos, já com negociações abertas, em Nollendorplatz, que é o coração do mundo gay de Berlim. Pelas estimativas, Berlim conta com 4 mil homossexuais.

Os moralistas protestam contra a futura transferência e, para disfarçar, falam em auto-imposta discriminação, como a se isolar num ambiente protegido, num retorno à guetização. Para os liberais, que falam em libertação também na velhice, o ideal seria a implantação de clínicas similares, de repouso e tratamento, no Village, em Nova York, e no Soho de Londres, ambos redutos gays.

A proposta de gestão para a clínica em Nollendorplatz é interessante. O ancião poderá, como regra, levar para o apartamento os seus guardados, tais como cartas, fotos, diários e livros. E haverá lugar para móveis e peças decorativas que lhe marcaram a lembrança.

A meta é que cada um continue a administrar as próprias contas e despesas, com funcionários a atuar apenas em auxílio e quando solicitados.

Na inauguração, um gay que sobreviveu a um campo nazista de extermínio brincou ao falar já saber o que fará quando envelhecer.

A clínica para repouso de homens e mulheres homossexuais é uma iniciativa que tardou a surgir. Na verdade, a Alemanha devia uma resposta bem antes. O parágrafo 175 da Constituição de 1935 prevaleceu até 1994, ou seja, até bem depois da queda do Muro de Berlim.

Sob o regime nazista, Hitler logrou alterar o artigo de modo a ampliar a proibição. Queria incluir beijos, abraços e exteriorizações de comportamento duvidoso. A pena de castração ou esterilização passou, em 1942, para a de morte. Nos campos de extermínio, os gays, para identificação, usavam uniforme com um triângulo colorido desenhado e com a base virada para cima.

Um dos documentários premiados no Festival de Berlim de 2000 contou a vida de cinco gays sobreviventes de um campo de extermínio. O título era emblemático: Paragrah 175.
www.cartacapital.com.br"

Referências:
http://www.polis.org.br/utilitarios/editor2.0/UserFiles/File/Rel_Final_Anexos_25042008.pdf
http://www.seap.rj.gov.br/noticias/2007/setembro/12_09.htm
http://www.unati.uerj.br/
http://www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/programas-urbanos/Imprensa/reabilitacao-de-areas-urbanas-centrais/noticias-2008/janeiro/antigos-hoteis-sao-transformados-em-moradia-popular
http://www.rio.rj.gov.br/habitat/morcentro.htm
http://www.rio.rj.gov.br/habitat/novas_alt.htm

3 comentários:

Rita Colaço disse...

O Maierovitch socializou este texto na CMI Brasil. Ali foi postado um comentário noticiando a criação de um grupo no Rio Grande do Norte, especificamente para se dedicar à questão do envelhecimento entre homossexuais.

O grupo se chama "Cara sou Coroa". Escrevi para o seu coordenador, a fim de saber a evolução do projeto, já que nada localizei na internet.
Aguardo resposta.

carlos alexandre disse...

Rita, a idéia é maravilhosa e pontual!

Anônimo disse...

Boa noite!
O idoso muitas vezes! sua saude está fragilizada é necessário que alguem cuide de suas necessidades, qual sua opção não impede de cuidados especiais,parabéns pela atitude deve ser copiada sucesso sempre,que Deus abençoe.