domingo, 10 de janeiro de 2010

Não à Homofobia: Ações da Sociedade Civil

Hoje, em meio a mais uma (terrível) crise de fibromialgia, amanheço ouvindo uma notável afirmação pública do compromisso do governo federal com os valores da dignidade humana.

Como de costume aos finais de semana, amanheço ligando na Rádio Nacional AM do Rio de Janeiro, em busca dos programas dos radialistas Frazão e Gerdau dos Santos, (Histórias do Frazão, Onde Canta o Sabiá e Rádio Memória) cuja marca é a difusão da música popular brasileira e suas histórias, do período aproximado entre as décadas de 30 e 60 do século passado.

Sintonizada no Rádio Memória, do Gerdau, surpresa e emocionada ouço o radialista ler a carta de um radiouvinte que, identificando-se como servidor público com relevantes serviços prestados ao país, declara-se homossexual, com relação estável de 25 anos em regime fático de comunhão de bens, protesta ao Conselho Curador da emissora contra a difusão, naquele programa, de uma música de conteúdo homofóbico, intitulada "galo boiola".

Após a integral leitura da belíssima carta do ouvinte (lamentavelmente não tive oportunidade de anotar-lhe o nome e não logrei ainda encontrá-la na página da EBC ou na pesquisa no buscador), o radialista passou a ler a resposta do presidente do Conselho Curador da emissora (seu nome, desculpem-me mais uma vez, não tive oportunidade de anotar).

Nela, o mesmo concordava com a afirmação do ouvinte acerca do conteúdo desqualificatório presente na referida música e expressava o compromisso da emissora com os valores da não discriminação.

Sem dúvida que, passados alguns dias da publicação do Plano Nacional de Direitos Humanos e assistindo as preconceituosas manifestações de setores contrários à efetivação, no Brasil, da isonomia de direitos entre hetero e homossexuais, a exemplo das demais nações civilizadas, amanhecer ouvindo uma tal reafirmação democrática injeta uma nova carga de ânimo, ainda que saibamos do quão retrógrada e reacionária é parte dos religiosos ditos "cristãos" - muitos deles com mandato legislativo.

Pesquisando na internet, eis que encontro a letra da citada música, cuja difusão na emissora não assisti. Trata-se de composição de autoria creditada a "Gina Teixeira e Hilton Simões":

"Eu tenho um galo quando
canta é uma gracinha
Suspende a perna quando vê
uma galinha
Eu tenho um galo quando
canta é uma gracinha
Suspende a perna quando vê
uma galinha

Dá pra desconfiar
Isso é desmunhecar
Sai pra lá

Já andam fazendo fofoca
Ele não come milho
Só quer comer pipoca
Anda rebolando
Pra galinha não dá bola
Eu desconfio que esse galo é
boiola"


Como disse o ouvinte em sua carta, é findo o tempo em que setores da população humana eram alvo de escárnio público (negros, judeus, obesos, mulheres, homossexuais, nordestinos, portugueses etc), sem qualquer constrangimento, sem qualquer crítica social quanto aos deletérios efeitos de semelhantes campanhas produtoras de humilhação.

Tempos em que "músicas" como "Olha a Cabeleira do Zezé", "Maria Sapatão", "Rock das Aranhas" eram recebidas e prestigiadas como legítimas, à revelia de toda a carga aviltante, produtora de tanto sofrimento.

Assim, revigorada com um semelhante amanhecer, vendo levantaram-se vozes anônimas, do seio da sociedade civil, conscientes e compromissadas com a cidadania ativa, tomando em suas mãos o cotidiano dever de participação social, não mais relegado exclusivamente aos ativistas estrito senso dos movimentos sociais, desejo a todas as pessoas um excelente domingo e um ano de 2010 repleto de manifestações como esta.


Eis, a seguir, o texto da carta enviada ao Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação, responsável pela Rádio Nacional AM do Rio de Janeiro:

Prezados Conselheiros

Com enorme emoção, acabo de ouvir (10/01/10, às 08:30 horas aproximadamente), lida pelo Gerdau dos Santos, em seu programa RÁDIO MEMÓRIA, na Rádio Nacional AM do Rio de Janeiro, a resposta desse Conselho à carta do ouvinte, engenheiro de estruturas, servidor público e homossexual, em relação estável de 25 anos, manifestando-se contra a difusão da música de conteúdo estigmatizador, intitulada "galo boiola".

Através da resposta do Conselho Curador dessa Empresa Brasil de Comunicação, nós, ouvintes (assíduos geração a geração - aprendi a ouvir a Nacional com minha mãe, hoje com 87 anos, que ainda a ouve, juntamente comigo), orgulhosos do patrimônio cultural e educativo constituído pelas rádios públicas, sentimo-nos ainda mais orgulhosos em ver a afirmação pública do compromisso dessa instituição com os valores constitucionais e internacionais do respeito à dignidade da pessoa humana.

Amanhecer com uma tal afirmação pública, ostensiva, de total respeito pelos Direitos Humanos, contrária a qualquer forma de desqualificação pessoal, todas tão hediondas, é, sem dúvida, motivo de esperança de que nosso País, pelo seu Parlamento Federal, à semelhança de inúmeras nações, inclusive latinoamericanas, em breve, tenha a dignidade de finalmente reconhecer a isonomia de direitos entre os cidadãos heterossexuais e os homossexuais, ladeando, assim, o Brasil a tantas outras nações onde a dignidade da pessoa humana e a isonomia jurídica e social são valores efetivados.

Cordialmente,

Rita Colaço
Mestre em Política Social pela UFF
(ênfase em Proteção Social)
Doutoranda em História/UFF
Graduada em Direito/UFRJ
Servidora Pública Estadual

Aos que desejarem, o e-mail da EBC é: Ouvidoria@ebc.com.br.
O da compositora e cantora da música referida: ginateixeira@globo.com.


Referências:
http://www.ebc.com.br/
http://www.ebc.com.br/canais/radios/radio-nacional-am-rio-de-janeiro/
http://www.clubedoscompositores.com.br/compositores/pcbnew.asp?socion=36590#

Obs.: a foto aqui utilizada é oriunda do sítio http://www.clubedoscompositores.com.br/compositores/pcbnew.asp?socion=36590#, não constando do mesmo o crédito correspondente ao seu autor.

Um comentário:

Rita Colaço disse...

Em resposta à carta enviada, o Ouvidor Adjunto da EBC Fernando O. Paulino esclarece que a resposta da emissora "foi preparada pelos gestores da rádio Nacional".

Informou, ainda, que a EBC está preparando um programa da série "'Rádio em Debate' (programa da Ouvidoria da EBC) sobre mídia e homossexualidade que deve ir ao ar em 22 e 23 de janeiro."