segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Da ojeriza do brasileiro à política e outras considerações

Eduardo Guimarães (o @eduguim), no seu Blog da Cidadania, nesta segunda-feira traz uma postagem com o título

O fiasco do ato contra Lula em SP e a ojeriza do brasileiro à política


Ali ele se põe a refletir sobre a baixa adesão do povo brasileiro à manifestações públicas; como as que reiteradamente vemos ocorrer em muitos países nossos vizinhos, por exemplo. Diz ele:
"Já tentaram explicar essa apatia do brasileiro devido à ditadura, que teria atemorizado o nosso povo em relação a se mobilizar por causas políticas. É bobagem. A Argentina viveu uma ditadura mais sangrenta do que a brasileira e aquele povo se mobiliza o tempo todo.
A explicação me parece ser ojeriza do nosso povo à política. As manifestações se tornam ainda mais inviáveis quando convocadas sob tal mote."

É verdade. Muitas pessoas já se dedicaram e se dedicam a pensar sobre quais seriam as possíveis explicações para esse nosso traço cultural. Eu entre elas.

E, de meu canto, lembro que não existem explicações monocausais, assim como não é possível falar da Argentina, ou de qualquer outro país, sem que marquemos bem que a sua experiência histórica é completamente diferente da nossa.

Daí não ser possível alguem simplesmente afirmar, por exemplo: - Ah, mas a Argentina tambem viveu uma ditatura - e em certo sentido, muito mais sangrenta que a nossa - e, no entanto, exibe forte vigor cívico, indo às ruas sempre que entenda necessário defender seus interesses.

- O processo de constituição daquele povo foi completamente distinto do nosso. E, no processo de constituição do povo brasileiro, diversos são os aspectos que tendem a colaborar para que exibamos ao mundo esse nosso traço característico.

Mas, voltemos às conjecturas do Eduardo Guimarães.

Penso que sim, a construção e adesão social à uma representação da política como espaço de sujidades morais, território de inescrupulosos, arena do vale tudo, exerceu e exerce importante papel na inércia, no apassivamento da sociedade no que respeita a manifestações públicas e coletivas de protesto.

E esse processo é, sim, um dos fatores que contribuem para essa nossa maneira de (não)reagir quando as questões nos atingem enquanto povo, cidadão, contribuinte, outorgante do mandato (executivo ou legislativo). (Entre os outros, poder-se-ia citar, por exemplo, o nível educacional do povo argentino em relação ao nosso; o número de analfabetos lá e aqui; a qualidade do ensino cá e lá; as tiragens dos livros lá e cá; o número de livrarias e bibliotecas (e os das respectivas frequências); o tempo de constituição dos cursos universitários ali e aqui etc. e nos indagarmos sobre os motivos dos resultados encontrados)

Vemos por todo lado entre nós o sentimento de desacreditação / desvalorização da ação política - seja no espaço estrito da atividade parlamentar, seja na ação sindical, estudantil, seja na ação cívica geral, inerente a todas as pessoas.

É possível encontrarmos esse sentimento expresso à exaustão nas redes sociais. Na matéria da Espn/Estadão sobre o cerco policial à Aldeia Maracanã também o encontramos. Ali um dos leitores deixou o seguinte comentário, que me parece bastante emblemático:
"Renan Felipe. Politico e Policia. Duas categorias aonde se encontram as piores pessoas do mundo. Lixo do lixo, como falou Zeca Pagodinho, "da nojo" desta gente."
Mas, como disse um outro leitor, comentando na mesma matéria, é preciso cuidado nas generalizações.
É verdade que, entre nós, o espaço e a ação política ainda são muito desacreditados. É verdade que a todo momento somos agredidos com notícias dando conta de ações antiéticas e criminosas por parte de nossos representantes (no executivo e no legislativo) e de servidores públicos, inclusive daqueles que, pela natureza de suas funções, são agentes políticos.

Mas tambem é verdade que temos acompanhado um adensamento do sentimento de indignação e de desejo de expressão e participação.

Tomemos a mesma questão da tentativa, por parte do governador do estado do Rio de Janeiro, de demolir o histórico prédio que abrigou o primeiro Museu do Índio da América Latina e que atualmente abriga 37 etnias que ali constituíram a Associação Indígena da Aldeia Maracanã, para melhor lutar pela constituição do espaço como palco de promoção e proteção das culturas dos povos nativos e do prédio que, segundo afirmam, vai completar 147 anos e cujo Museu foi criado por Darcy Ribeiro.

A televisão mostrou imagens das pessoas, sob a chuva, chapeus abertos, postadas diante do prédio, expressando, com as suas presenças, a compreensão de que aquilo lhes dizia respeito.

Aquele conflito, a sua dimensão, impunha que elas saissem do quentinho de suas casas e fossem até lá, para exibir a sua solidariedade para com a demanda dos índios e a sua desaprovação diante da atitude do Governador - cuja insistência em derrubar o imóvel simplesmente ignora o Parecer emitido pelo Conselho Municipal de Proteção Cultural do Rio de Janeiro (CPM-RJ), onde se manifestou contrário à demolição do prédio, ressaltando o seu valor arquitetônico e defendendo o projeto de lei que propõe o seu tombamento, em tramitação na Câmara Municipal. Ignora igualmente a posição do INEPAC, que também se manifestou pela preservação do prédio. Veja aqui. Entenda melhor a questão aqui.

Francisco e José Antônio - Foto do JB
Veículos da imprensa, impressos e virtuais, deram a notícia dos dois operários (carpinteiros) que trabalhavam nas obras do Consórcio Maracanã no sábado e, no horário de seu almoço, foram até o local, empenhar a sua adesão à luta dos povos nativos, mesmo sabendo que corriam o risco de serem demitidos (como de fato foram. Veja aqui.). Dos povos originários, entretanto, eles receberam agradecimentos e homenagens. Veja aqui.

Seu Hamilton, solidário ante a dor alheia
Em 2003, no dia três de maio, assistimos outro exemplo de consciência plena do imperativo ético. O motorista de uma retroescavadeira, Hamilton dos Santos, 53 anos, ousou descumprir a ordem do Oficial de Justiça. Mesmo cercado de policiais, pressionado pelo Oficial, não pôs em movimento sua máquina e, com esse singelo gesto, não destruiu a casa, o lar de uma família.

Hamilton, como os carpinteiros José Antonio dos Santos, 47 anos, e Francisco de Souza Batista, 33, empregados do Consórcio Maracanã / Concrejato, demonstraram capacidade para a empatia - sentimento que, segundo a historiadora Lynn Hunt, foi o elemento capaz da construção da noção de Direitos Humanos. E, por meio dela, agiram de acordo com o imperativo ético.

O que eu quero dizer com isso? - Lembrar que a história é uma senhora lenta, caprichosa e que definitivamente não segue linearmente rumo ao "progresso", à "civilização".

E que, embora lenta, ela se move!

E está se movendo. Mesmo que muitas pessoas ainda insistam em limitar a sua capacidade enquanto agentes da história - de sua história, da história coletiva de sua cidade, estado, condomínio, país - ao espaço da catarse / desabafo nas redes sociais.

Como bem lembrou o Eduardo, o movimento dos Sem Mídia foi constituído a partir de um simples blog - o seu Blog da Cidadania. E foi capaz de alavancar expressiva participação no ato de protesto, em 2009, contra o editorial do jornal Folha de São Paulo, que classificou a ditadura civil-militar de 1964 como "branda".

Como disse o poeta, precisamos, sempre, "Acreditar na existência dourada do sol / mesmo que em plena boca nos bata o açoite contínuo da noite..."

Claro que eu também poderia enveredar pelas ilações possíveis, a partir da percepção - sintomática - de que esses exemplos mais emblemáticos vem precisamente daqueles que ocupam a posição de subalternos,enquanto que "os nossos dirigentes" insistem em demonstrar um absoluto descompasso com os valores e princípios que regem esse povo e devem reger esta nação, inscritos que estão em nossa Constituição da República. - Mas isso já seria uma outra postagem...



(Atualizado às 20h25)


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