quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Quem tem medo do mandado de Injunção?

Para quem defende a aplicabilidade reducionista do Mandado de Injunção, recordo que o Direito é, antes do mais, uma ciência em movimento, viva, sempre no sentido de contemplar as necessidades da sociedade, com vistas à obtenção do Justo, observando o arcabouço fornecido pelos princípios jurídicos vigentes.

A nossa Constituição Cidadã prevê expressamente mecanismos para elidir a inércia legislativa congressual. O Mandado de Injunção é um deles. Inexiste invasão de competência. Faz parte, como bem lembrou o constitucionalista Paulo Iotti, patrono do MI nº 4733/2012 e da ADO nº 26/2013, dos freios e contrapesos, inerentes ao regime democrático.

Sobral Pinto na defesa dos nove chineses, acusados
como “espiões do comunismo internacional”
Foto de O Globo: Arquivo/22-12-1964*
A função do advogado (ad vocare, aquele que requer; o postulador) é fazer o direito se transformar, para dar conta das demandas por Justiça. E isso ele realiza por meio da argumentação fundamentada. Elaborada a tese jurídica, deve passar à demonstração, exaustiva, de sua sustentabilidade. E o faz por meio da doutrina, da hermenêutica e da jurisprudência.

Esses que defendem uma visão restrita, enrijecida, jamais chegariam aos pés de um Sobral Pinto, que recorreu à Lei de Proteção aos Animais para defender os direitos humanos de um cliente dativo. 

Harry Berger (codinome de Arthur Ernst Ewert) havia sido preso pelo Estado Novo de Vargas, em 1935, juntamente com Luíz Carlos Prestes. Passou a sofrer "choques elétricos na cabeça, queimaduras de cigarro e charuto, proibição de sono, além de dolorosa e indecente tortura aplicada a Elise [sua esposa, também presa], nua diante do marido".  

Em 1937, Sobral Pinto se dirige a Raul Machado, juiz do Tribunal de Segurança Nacional (TSN) a quem competia o processo de Berger, argumentando que a Lei de Proteção dos Animais, em seu artigo 13 proibia a manutenção de animais em ambientes sem higiene "ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou que os privem de ar ou luz".  Ver DULLES, John W. F. Sobral Pinto, a Consciência do Brasil. A cruzada contra o regime Vargas (1930-1945). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, pp. 92-98; e http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/heraclito-fontoura-sobral-pinto. 

Parabéns ao eminente doutor Paulo Iotti, pela coragem e dedicação ao estudo e à pesquisa, condições necessárias à advocacia. (Paulo Iotti é doutor e mestre em Direito Constitucional; dedicou o seu doutoramento ao estudo do Mandado de Injunção para o caso sub júdice no STF - MI nº 4733, impetrado em 2012, em nome da ABGLT. Ver publicação neste blog com a sua fundamentação, aqui)


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* O caso dos nove chineses deu-se logo após o golpe civil-militar de 1964 e ganhou repercussão internacional, tanto por envolver questões diplomáticas, quanto pelo seu absurdo. Eles estavam no Brasil para ampliação da comercialização entre os dois países. Possuíam passaporte diplomático e o direito de residência provisória, decorrente da política externa de aproximação comercial entre Brasil e China. Dois eram jornalistas credenciados pelo Itamaraty; três organizadores de uma exposição de artigos chineses e estavam em negociações com o Banco do Brasil, Ministério da Indústria e Comércio; quatro vieram comprar algodão e também negociavam com o Banco do Brasil e outras instituições estatais. Foram acusados de espionagem comunista, violando a Lei de Segurança Nacional. A grande evidência era uma carta escrita em chinês que, segundo o DOPS, teria sido encontrada no veículo dos réus. Embora todo o empenho e capacidade de Sobral Pinto, os chineses foram considerados culpados e deportados em 27 de fevereiro de 1965. Ver: SÁ, Fernando, MUNTEAL, Oswaldo e MARTINS, Paulo Emílio. Os Advogados e a Ditadura de 1964. Petrópolis, Vozes; Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2010, p. 27; GUEDES, Ciça e MELO, Murilo Fiúza de. O Caso dos Nove Chineses. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014.

Atualizado em 14/02/2019, às 12h46.

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