segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Envelhecimento entre lgbtts: ainda dimensionando o problema

Repetindo, pois não se pode esquecer de jeito nenhum:
O Brasil já conta com algo em torno de 1.930.000 idosxs lgbtts, sem que se saiba nada a respeito de sua realidade, sem programas em proteção social. Isto é, sem nenhuma política pública. A projeção, a partir de dados do IBGE, aponta para 2.830.000, em 2020 e 4.050.000 em 2030 o número da população de velhos e velhas lgbtts! - Dá para se continuar com "cara de paisagem"? Ou para se "dar a egípcia"?

Essa profunda e rápida modificação na estrutura demográfica de um país, notadamente das dimensões do nosso, traz profundas implicações em todos os setores da administração pública - econômica, atuarial, social, urbana, assistencial, médica etc. O desafio para o planejamento da gestão pública é enorme, ainda que se tenha em conta que o déficit previdenciário não existe*.

Tomemos em conta, então, mais uma vez, a realidade social global no Brasil. Isto é,

a) a ineficácia das três esferas da federação em prover de maneira universal os medicamentos necessários, como manda a lei;

b) o elevado custo dos medicamentos;

c) a precariedade dos serviços de saúde, tanto ambulatorial quanto hospitalar e de exames complementares; e, especificamente aos idosos,

d) o baixíssimo poder de compra das aposentadorias.

O direito do idoso em ter o acompanhamento de um familiar durante o período de internação, por exemplo, é convertido por muitas unidades hospitalares em mão de obra gratuita, ou seja, "exige-se" que o familiar realize os serviços originariamente de obrigação da equipe hospitalar (como banho, troca de fraldas, alimentação), seja a internação particular, via plano de saúde, seja pelo SUS, através de mecanismos sutis e cínicos. Paciente e familiares, receosos de “vendetas” no curso da internação, se submetem a esse desagradável jogo de poder - quem já enfrentou tal realidade sabe bem suas dinâmicas.

Agora, tomemos em conta algumas especificidades presentes no segmento lgbtt.

Contrariamente ao que já se cristalizou como um mito é questionável que a maioria da população lgbtt seja composta de pessoas que gozem de elevado poder aquisitivo.

O que se tem visto ser apontado é que, por não terem despesas com a prole e o sustento de esposa, xs homoafetivxs, travestis e transexuais tenderiam a dispor de mais recursos, comparativamente aos heterossexuais, que destinariam a si próprios.

Desconheço, porém, estudos que demonstrem o volume, aproximado que seja, de lgbtts instrumentalizados pela família consanguínea como os seus provedores; quantos são tornados e se tornam (muito por conta do sentimento de culpa introjetado, uma forma de "compensação" pela homossexualidade) seus principais financiadores, seja de pais, seja de irmãos, irmãs e sobrinhxs, não raro em sacrifício de projetos pessoais de capacitação profissional .

Assim, penso que é preciso muita cautela diante desses discursos que tendem a tomar uma parte pelo todo.

Partindo dessa premissa, há que se indagar também o peso relativo que a estigmatização traz em termos de obtenção de renda, notadamente se levarmos em conta que o segmento das travestis, transexuais e gays efeminados enfrenta sérias questões de segregação, como alijamento da escola, da família consanguínea e, consequentemente, do mercado formal de emprego, gerando precariedade e/ou incerteza na renda obtida e como esse dado vai se refletir durante a velhice.

A par disso, observa-se, ainda, como já foi mencionado: a ausência de prole (descendentes); ruptura dos vínculos com a família consangüínea; tendência a relações de conjugalidade de pouca longevidade, muito em decorrência da condição de párias (social e juridicamente) a que essas modalidades de famílias são relegadas.

Tudo isso tendo como pano de fundo, como já referido, formas de interações sociais cada vez mais fluidas, superficiais, imediatistas e atomizadas.

Agora que deu para dimensionar um pouquinho alguns dos contornos do problema social que temos nas mãos para RESOLVER, uma perguntinha:

Você acredita, de verdade, que um segmento social como esse, dotado de elevado potencial de criatividade, feito diariamente na luta pela sobrevivência não apenas econômica, mas ao preconceito; persistente, treinado a “tirar leite da pedra” no seu dia a dia, não é capaz de pensar respostas viáveis para esta questão demográfica?
- Vamos continuar pensando essa questão? Dados estatísticos da população idosa em geral; projetos de instituições asilares viáveis economicamente; experiências de instituições no exterior dirigidas ao público lgbtt; política nacional do idoso; composição e funcionamento dos Conselhos do Idoso nas diversas esferas do Estado... Vamos em frente!

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* E não existe mesmo, pois ao contrário do que um certo tipo de mídia faz questão de insistir em convencer, é superavitário: em 2008 esse superávit,
considerada apenas a parcela urbana, isto é, a autocusteada, foi da ordem de 1,29 bilhão de reais e em fevereiro de 2009, 268 milhões, segundo o Ministro da Previdência Social, José Barroso Pimentel à Carta Capital de 15 de abril de 2009, pág. 16. A questão começa a tumultuar quando se inclui na conta as aposentadorias especiais, aquelas que decorrem não do pecúlio comum constituído, formado pela contribuição de todos os trabalhadores formais, mas por aquelas outras, de caráter social, custeadas com fundos públicos. Vê-se, então o absurdo que é viver a ameaçar os contribuintes para a previdência por um incremento que é da conta dos investimentos sociais do governo, não da poupança previdenciária que o trabalhador ajudou a formar com a sua contribuição.

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