sexta-feira, 25 de junho de 2010

MAIS VÍTIMAS DA HOMOFOBIA NO RIO, "O MELHOR DESTINO MUNDIAL DO TURISMO GAY "


Em novembro de 2009 a cidade do Rio de Janeiro foi eleita o melhor destino gay do mundo. Na ocasião, a Riotur se manifestou favorável ao título, em razão do presumível incremento de recursos na economia fluminense, pois, segundo estimativas, o turista gay tende a consumir mais do que o turista heterossexual. Também se imaginou que o título possivelmente contribuiria para o aprofundamento e a ampliação da discussão sobre a estigmatização que vivenciam gays, lésbicas, travestis e transexuais, principalmente quando integrantes das camadas populares. Segundo as compilações realizadas há cerca de 30 anos pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) a partir de notícias veiculadas pela imprensa e na internet, a cada 2 dias um homossexual é vitimado pela estigmatização da homoafetividade.

Este ano, por ocasião da divulgação do Relatório Anual, o fundador do GGB e doutor em antropologia Luiz Mott declarou "
estes números são apenas a ponta de um iceberg de sangue e ódio, pois não havendo estatísticas governamentais sobre crimes de ódio, nos baseamos em notícias de jornal e internet, uma amostra assumidamente subnotificada."

A experiência cotidiana confirma esta conclusão.

Dia 18 de junho de 2010, sexta-feira, na calçada, na saída do
Bar das Quengas, na Lapa, bairro tradicional da boemia carioca revivido, (esquina da Rua Mem de Sá com Washington Luís e Ubaldino do Amaral), um jovem universitário da UERJ e militante do Encontro Universitário da Diversidade Sexual (ENUDS) foi alvo de socos na cabeça por parte de um desconhecido que se encontrava no mesmo bar. Quando de sua saída junto com os amigos que o acompanhavam, esse frequentador lhe atingiu a cabeça, na altura da orelha, ao tempo em que o xingava de “Veado, safado!”. Na hora vinha passando uma patrulha da polícia militar. Seus amigos fizeram sinal à viatura e denunciaram a ocorrência. Ao mesmo tempo, o homem, na calçada, gritava “Bati mesmo e bato mais”. Os policiais responderam que nada podiam fazer, pois não eram daquela área - apenas estavam de passagem.

O jovem agredido compareceu à 5ª DP (delegacia "legal" na Av. Gomes Freire). Solicitaram o registro da Ocorrência. No entanto, o/s policial/is de plantão se recusaram a emitir a guia para exame de corpo de delito.


Foi necessário que a vítima, junto com os seus amigos, comparecesse a uma unidade hospitalar e, ali, obtivessem a Guia para Exame de Corpo de Delito no IML.


Feita a perícia médica, constatou-se "
perfuração do tímpano".

No dia seguinte, ele se dirigiu à SuperDir, onde foi bem atendido, tendo sido encaminhado ao serviço jurídico para o regular acompanhamento das investigações policiais e para os competentes trâmites judiciários.


São Gonçalo
Na manhã de segunda-feira, dia 21, em São Gonçalo, área metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, o corpo de um menino de 14 anos é encontrado com o rosto desfigurado. Segundo o laudo preliminar do IML, a criança foi espancada, torturada e morta por estrangulamento. Além das lesões no crâneo, o corpo apresentava sinais de asfixia mecânica (enforcamento com a própria camisa) .


Ele havia saído da casa para assistir ao jogo do Brasil no domingo. Lá, houve um desentendimento entre dois grupos - o formado pelos seus amigos e um outro. A briga foi séria o bastante para ter levado os amigos do jovem a efetuar registro na delegacia (72ª DP, Mutuá). Após o registro da ocorrência, voltaram para a festa.


A última vez em que foi visto com vida, o menino estava em um ponto de ônibus no bairro do Mutuá (SG), às2h30m da madrugada . A hora presumível de sua morte é de duas horas depois.


Foi graças ao sentimento de compromisso social daquelas pessoas que telefonaram para o DISQUE DENÚNCIA que a polícia chegou até os três suspeitos, por meio da informação da placa do carro suspeito que estava no local onde o corpo foi encontrado e que também foi visto rondando o cemitário por ocasião do enterro.


A polícia suspeita de motivação homofóbica, tendo em vista que o menino era defensor dos direitos dos gays e os suspeitos, que já estão presos, "se definiam como skinheads pelas localidades próximas. Era uma denominação que eles mesmos sempre gostavam de falar”, segundo o delegado titular da 72ª DP, Geraldo Assed Estefan. Outro indício que aponta para um possível crime de ódio é o requinte de crueldade - a morte precedida de intensa tortura e sofrimento da vítima. Os suspeitos detidos são
Eric Boa Hora Bedruim, Alan Siqueira Freitas e André Luiz Cruz Souza.

Em comunidades virtuais, parece que o jovem integrava algumas de defesa dos direitos da população lgbt. Pelas fotos divulgadas na internet, além de muito bonito, aparentava tranquilidade, uma certa doçura - a inocência dos infantes. Parecia estar em paz com o mundo e com a vida.


No blog da
Comunidade Homofobia Já Era foi postado um comentário assinado com o nome da mãe do menino. Ali ela pede que não falem por seu filho, não façam de sua morte uma bandeira e que respeitem a privacidade de sua dor.

Hoje, 25/06/10, às 10h46m
é divulgada a notícia de que a polícia identificou uma prima de um dos suspeitos detidos que teria incentivado o assassinato. Também foi divulgada a notícia de que existe um quarto suspeito e que a polícia está atrás dele.

Independentemente da orientação sexual do menino, os indícios apontam para crime de ódio, motivado pela homofobia.


Estranhamente, não se observa, neste caso do menino, a mesma dedicação que os veículos de imprensa (falada, televisiva e escrita) deram, por exemplo, ao caso do menino João Hélio, ao da menina Isabela Nardoni.
Ou, ainda, ao caso do espancamento da empregada doméstica na Barra da Tijuca, em 2007.

Impossível não se perguntar por que.
Certamente não será por causa da Copa do Mundo de Futebol, dado que, neste mesmo junho, o caso do assassinato da advogada Mércia Nakashima mereceu 59 artigos em O Globo e 153 no Diário do Grande ABC.

No mesmo blog da
Comunidade Homofobia Já Era levanta-se a dúvida de que o assassinato menino Alexandre Thomé Ivo Rajão (era esse o nome da criança) venha a merecer a mesma comoção nacional engendrada sobre os crimes que vitimaram João Hélio e Isabela Nardoni, graças às sucessivas e incessantes notícias, principalmente na televisão:

"[...] crianças que ganharam a comoção do Brasil, que não sei se o jovem Alexandre Ivo também vai ganhar,
porque era gay, ou pelo menos subentendia-se que era. Não sei se o Brasil irá se comover com a morte dele, e isso me retalha por dentro,o que temos para os gays no Brasil é o Eduardo Cunha com seu projeto para proteger os heterossexuais da discriminação e “assegurar o direito de ser normal”; os livros didáticos de ensino religioso com suas mensagens homofóbicas, denunciadas em pesquisas da UNB; o Silas Malafaia e suas constantes equiparações entre homossexualidade e pedofilia; a Revista Veja com suas mensagens de que vivemos uma era de tolerância em que o preconceito não existe; Carlos Apolinário tentando tirar a maior Parada Gay do mundo da vista de todos; ou o Marcelo Crivella e seus delírios sobre uma ditadura gay no Brasil. Na verdade, eu sei sim por que Alexandre Ivo foi assassinado. Está aí a ditadura que temos no Brasil, e ela, definitivamente, não é gay. Ela é homofóbica. Ela mata. A cada dois dias, segundo o Grupo Gay da Bahia, um homossexual é morto no Brasil por causa da homofobia. E não temos uma legislação competente contra crimes de ódio ou contra a difusão dessa intolerância nos meios de comunicação e nas instituições [...]"

Enquanto no caso do Rodrigo Reduzino, o universitário agredido na Lapa, a Polícia Militar e a Polícia Civil se mostraram omissas, no caso do menino de São Gonçalo a Polícia Civil vem se mostrando bastante diligente.

Eis a narrativa do próprio Rodrigo:
"[...] já de saída do bar das Quengas nos despedindo, quando um rapaz que estava na mesa ao lado começou a nos chamar de “cambada de viadinhos” e que éramos todos viadinhos, ignoramos e continuamos a falar entre a gente, quando estávamos de partida o mesmo me agrediu pela costa, com um soco no ouvido, a partir daí começou a discussão e chamamos o 190, estava passando uma viatura na hora paramos e comunicamos a agressão e pedimos que fosse feita o procedimento, nesta hora o agressor assumiu gritando peranteos policiais que tinha batido e que éramos um bando de viadinhos, bateria de novo, diante deste fato o policial liberou o agressor, indo embora com a justificativa de que não era a sua região de atuação e estava só de passagem. Anotamos a placa da viatura e a identificação do policial, após este fato fomos todos a delegacia fazer a ocorrência, o encaminhamento para exame de corpo delito só foi feito a noite de posse do Boletim de Atendimento Médico (no qual foi diagnosticado, perfuração dos tímpanos). Feito o exame de corpo delito fui até a SUPPERDIR no qual fui atendido prontamente pelo Advogado da Superintendência no qual deixei a cópia da R.O e o número do Boletim de Atendimento Médico. Aguardando através da Superintendência ser encaminhado a Defensoria Pública. Não temos nome do agressor, embora na ocorrência tenha o endereço do seu apartamento, acredito que a investigação sirva para isto!!! Agressão foi na calçada, o bar até na quinta feira não sabia da ocorrência!

Algumas reflexões a respeito do ocorrido, a dor maior não é a física e sim a emocional, vejo materializado a homofobia que tantos discutimos e combatemos, quando procuramos aparato do Estado deparamos com a desqualificação da nossa dor, que chamo aqui de Homofobia Institucional, pois meu corpo tudo pode sofrer, sou invisível a ponto de uma autoridade policial liberar o agressor que confessa o crime na sua frente. Dois anos após a 1ª Conferência Nacional LGBT me pergunto há bastante tempo, quais são as mudanças da nossa realidade???? Realidade aqui que falo é da ponta, das ruas, dos atendimentos dos gestores públicos perante o segmento LGBT incluindo todas as interseccionalidades, racial, de gêneros, geracional, classe, não a realidade dos que estão nos gabinetes ou institucionalizados nos movimentos, cujo sobrenome é institucional. As políticas públicas e os programas de combate a homofobia ainda não traduziu em uma sociedade de fato mais inclusiva e respeitosa pela diversidade sexual, temos muito ainda que lutar para de fato podermos dizer que o Rio de Janeiro seja a Capital Mundial Gay, aqui todos os instantes direitos de ser e existir são violentados, se o agressor agiu motivado pela homofobia, a autoridade policial não foi muito diferente ignorando o ocorrido mesmo diante da confissão do agressor, não é de hoje que a população negra quando solicita o serviço do estado se depara com o descaso, neste caso constituindo a conivência com a situação de violência

"A CARNE MAIS BARATA DO MERCADO É A CARNE NEGRA!"
Era visível a surpresa do corpo negro ser apresentado como vítima e não o acusado. Este mesmo corpo só poder ir a exame delito se tiver dilacerado e exposto. A idealização política de nossas lutas tem que se materializar cotidianamente em nossas vidas, sair da virtualidade, do papel, para chegar nas esquinas, nas casas, nas escolas, hospitais em fim em todos os lugares [...]"

O advogado Alexandre Neves de Lima, através de seu blog Direitos Fundamentais LGBT vem dando ampla cobertura ao caso do menino Alexandre.

O grupo E-Jovem Campinas realizou uma Conferência de Segurança Pública & Juventude LGBT, em 2009. Ao final, elaboraram uma série de diretrizes para enfrentamento da vulnerabilidade decorrente da homofobia.

Veja aqui a sua Carta de Campinas.

Há pelo menos 2 anos o GGB vem ameaçando denunciar o Brasil perante os fóruns de Direitos Humanos da OEA e da ONU.

Enquanto isso, nossos parlamentares, em Brasília, se recusam a aprovar o projeto de lei que criminaliza a Homofobia.

Quantos mais precisarão ser torturados e assassinados, Senhores Deputados, Senhores Senadores?

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