segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Tod@s são ou não são iguais perante a Lei?

O princípio constitucional da isonomia jurídica (todos são iguais perante a lei) é passível de subordinação aos preceitos peculiares de cada fé religiosa?

O princípio constitucional da não discriminação (estigmatização) pode ficar à mercê de visões de mundo fundadas em crenças religiosas?

O princípio da separação entre Estado e Igrejas é para ser respeitado ou não?

Uma sociedade efetivamente democrática e republicana pode ficar à mercê de convicções religiosas?

Qual o lugar das minorias políticas, em termos de reconhecimento de direitos, em uma sociedade que se pretende - se fixou constitucionalmente - regida pelos princípios (fundantes) da felicidade, diversidade, dignidade e não discriminação?

Partindo-se do princípio constitucional da não discriminação e da dignidade, como entender a sobrevaloração dos credos religiosos ditos "cristãos" - católico, protestantes, "evangélicos" - em detrimento de todos os demais, inclusive das religiões de matriz africana - candomblé, em suas diversas nações (keto, angola, nagô, gege etc), macumba, feitiço, jurema, vá jucá etc. - e aqueles originários dos povos da terra?

São importantes perguntas para se pensar, principalmente em ano eleitoral, no qual elegeremos nossos representantes no Congresso Nacional - Senado e Câmara Federal -, na Assembléia Legislativa dos Estados - deputados estaduais -, além dos chefes dos Executivos Estaduais e Federal.

Principalmente os integrantes dos setores populacionais ainda subjugados pela desqualificação, estigmatização.

A escolha de nossos representantes nos legislativos é de enorme importância, na medida em que trata-se do poder encarregado da fiscalização do Executivo (Governador e Presidente) quanto da elaboração e reformulação das leis que nos atinge a tod@s.

Para se ter uma ideia da dimensão de nosso voto, o deputado federal José Genoíno, por São Paulo, apresentou um projeto de lei visando atribuir o status jurídico de união estável às famílias homo e transafetivas.

- Cabe antes de mais nada se perguntar no que isto implica. O que significa este projeto de lei apresentado pelo Genoíno, incontestavelmente um dos históricos defensores dos direitos dos setores LGTB da população brasileira.

Segundo entrevista concedida, seu projeto de lei não equipara as conjugalidades homo e transafetivas àquelas heterossexuais. Apenas estente os direitos civis (herança, pensão, imposto de renda, plano de saúde, locação, financiamento imobiliário).

Pior: expressamente nega (exclui) o direito à conversão em casamento civil e tambem o direito à adoção - atualmente não vedado, podendo ser concretizado, ainda que em nome apenas de um dos conviventes. Confira. Tambem aqui. E aqui.

Abaixo a questão, de meu ponto de vista.


Há uma impropriedade técnica do deputado José Genoíno ao dizer que por ocasião da Assembléia Constituinte de 1988 [sic] apresentou uma emenda à Constituição.

O Congresso Constituinte, como o nome diz, ademais das funções de uma legislatura normal, detinha poderes constituintes - estava a elaborar uma Constituição. Não se tratava, pois de uma Assembleia apenas com funções constituintes, mas, sim, de um Congresso (Câmara e Senado) Constituinte, ademais dos poderes da legislatura ordinária (4 anos). Nesse contexto, não há que se falar em emenda à Constituição.

Embora o termo orientação sexual [vedação de discriminação por] tenha sido acolhido no projeto oriundo da Comissão de Sistematização, relatada pelo Bernardo Cabral (PMBD/AM), terminou sendo retirado pela Comissão de Sistematização, sob a alegação de ser desnecessária, por já constar o termo "sexo".

José Genoíno (PT/SP) e Luiz Alfredo Salomão (PDT/RJ) trabalharam pessoalmente para que a expressão retornasse ao texto, sem vitória.

Na fase das Emendas de Plenário, o Genoíno apresentou uma EMENDA ADITIVA AO PROJETO DE CONSTITUIÇÃO. Para conseguir sua aprovação ( tecnicamente chamado no processo de “destaque”), seria preciso a maioria absoluta, o que não se conseguiu.

Fonte: Cristina Lucy Câmara da Silva. A Trajetória do Grupo Triângulo Rosa, 2002.


Quanto a questão da união civil, nos termos como colocado pelo Genoíno, há, sem dúvida, um status inferior. Ele ressalta que não luta pelo reconhecimento da FAMÍLIA homo ou transafetiva, nem pelo direito à adoção, mas pela "cidadania" e sai exemplificando pelos direitos civis.

Eu sou eternamente crítica à mania brasileira de se lutar sempre pelo mínimo, de se permanecer de rastros, suplicante. - Segundo essa entrevista, onde, por exemplo, o reconhecimento d@ companheir@ em caso de enfermidade - acompanhamento hospitalar, interlocução com os médicos, autorização ou não para procedimentos etc - ou morte?

É humilhante, enquanto tantos países avançam a passos quilométricos - inclusive na América Latina -, a gente segue com projetos que insistem na estratégia de negociar direitos - adoção, isonomia plena com as famílias heterossexuais em troca de direito à meação, ao plano de saúde, locação, financiamento imobiliário, previdência, imposto de renda...

A justificativa de que alguma coisa é sempre melhor do que nenhuma coisa para mim é problemática neste caso específico, porque já se parte de um pedido ínfimo, irrisório, no pensamento de depois aos poucos, ir avançando - na medida em que "a sociedade esteja preparada".

Outro problema deste projeto já foi abordado pelo advogado Carlos Alexandre: corremos o risco de o STF no julgamento das ADPFs do RJ decidir pela observância dos preceitos constitucionais da isonomia e da não discriminação, reconhecendo, portanto, status familiar às conjugalidades homo e transafetivas e este projeto, virando lei, dizer que nossas famílias não são famílias, mas um ajuntamento de segunda categoria, que não pode adotar, nem ter o status social de qualquer união heterossexual.

Veja a entrevista de Genoíno na Fórum:

Para conhecer o PL 4914/2009 clique aqui.

Para ver o vídeo no qual comento o PL clique aqui.

Os percalços da união civil homossexual no Brasil

José Genoino é autor do projeto de lei que pretende legalizar a união estável entre pessoas do mesmo sexo no Brasil. Para ele, "a discussão sobre esse projeto levanta uma visão democrática e pluralista da sociedade, de tolerância de valores. Temos que enfrentar estes obstáculos políticos e ideológicos".

Por André Rossi

[27 de julho de 2010 - 14h00]

Recentemente, a Argentina se tornou o primeiro país latino-americano a autorizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A decisão pressiona o vizinho Brasil a intensificar o debate público sobre o tema e fazer com ele chegue ao Executivo e ao Legislativo nacionais. “Depois de muitos anos de conservadorismo, temos agora a possibilidade de colocar este tema na agenda do Brasil. Vi os candidatos à presidência discutindo essa questão e isso é muito positivo”, explica o deputado federal José Genoino (PT-SP).

Genoino é o autor do projeto de lei que pretende legalizar a união estável entre pessoas do mesmo sexo no Brasil. “A discussão sobre esse projeto levanta uma visão democrática e pluralista da sociedade, de tolerância de valores. Temos que enfrentar estes obstáculos políticos e ideológicos”. Confira a íntegra da entrevista com o parlamentar abaixo.

Fórum – Como surgiu a ideia de elaborar um projeto pela legalização da união estável entre pessoas do mesmo sexo?

José Genoino – Estamos tratando deste tema no Congresso Nacional desde a Assembléia Constituinte de 1988. Na ocasião, apresentei uma emenda à Constituição estabelecendo o direito à orientação sexual e ela foi rejeitada. Depois, em 1995, começamos a trabalhar com o projeto da então deputada Marta Suplicy, elaborado antes do novo Código Civil e que tem como base a união estável entre pessoas do mesmo sexo. Com as mudanças feitas no novo Código e com a nova Constituição, estabeleceu- se a união estável como parâmetro familiar.

Nesta nova versão do documento, suprimimos a parte do casamento e adoção e focamos nos direitos civis de uma união estável entre pessoas do mesmo sexo. Seja para aquisição de bens, previdência, herança, situação jurídica após a morte de um dos parceiros. Com isso, trabalhamos com uma visão mais ampla, o que, no meu modo de entender, facilita a tramitação no Congresso. O projeto foi apoiado por parlamentares de todos os partidos.

Fórum – Quais são os principais pontos do projeto?

Genoino – A essência dele é simples. Aplicamos o conceito de união estável estabelecido no novo Código Civil, excluindo o casamento e a adoção, para fins de direitos e deveres entre pessoas do mesmo sexo. Com isso essas pessoas passam a ter liberdade para fazer contratos, conta em banco, adquirir bens, enfim, todos os direitos civis do cidadão podem ser exercidos, independentemente de sua orientação sexual. Excluindo o casamento, diminuímos a resistência de setores da Igreja e outros setores conservadores, e colocamos a questão num terreno amplo. E esse é um projeto que está sendo trabalhado para ser aprovado após a eleição.



Fórum – Quantos projetos existem em tramitação no Congresso ?


Genoino – Existem muitos projetos, inclusive opostos, que criminalizam e não reconhecem a relação entre pessoas do mesmo sexo. Isso é a barbárie. Há o projeto da Marta Suplicy, que trabalha com a união civil, e também o do Clodovil, que trata especificamente de adoção. E o meu projeto, que amplia a visão de direitos e deveres civis.

Estes três últimos dialogam entre si, pois partem de uma base comum que é o conceito de união estável. O projeto que apresentei ao Congresso Nacional foi preparado pela organização do movimento LGBT e tem a adesão de vários partidos, sejam eles de esquerda, direita, oposição ou situação.

Fórum – Você acredita que a legalização da união estável entre homossexuais na Argentina pressiona o Brasil a também adotar a medida? É possível que, caso o Congresso brasileiro rejeite o projeto de lei, o país fique com uma imagem retrógada?

Genoino – O Brasil foi o primeiro país a tramitar um documento dessa natureza e não pode ser o último a aprovar. Não podemos ficar com essa visão ultrapassada. O fato de a Argentina ter discutido a questão no Senado e no Congresso faz com que o tema entre na nossa agenda. A discussão está se dando na Espanha, lá o Parlamento aprovou e agora resta a decisão da Justiça. A importância dessa exposição é que o tema não fica sendo tratado como um tema marginal, pequeno. Este debate faz com que a sociedade se preocupe com o combate ao preconceito.

Depois de muitos anos de conservadorismo, temos agora, a possibilidade de colocar este tema na agenda do Brasil. Ver os candidatos à presidência discutindo essa questão, e isso é muito positivo.

Fórum – Quais são os maiores entraves para que o projeto de lei seja aprovado no Congresso?

Genoino – Juridicamente não existem entraves, pois estamos amparados pelo novo Código Civil e pela Constituição, que é clara ao proibir qualquer tipo de discriminação por sexo, idade, etnia e orientação sexual.

Do ponto de vista político e ideológico, sim, encontramos entraves monstruosos. Como, por exemplo, a militância da Igreja Católica, que é contra a união civil entre homossexuais. Em meus diálogos com a Igreja, muitas vezes conflituosos, digo que a religião não é uma lei da consciência. E perde o sentido quando ela quer definir o que é bom e o que é ruim para a sociedade. A religião é uma relação de subjetividade com uma crença, um valor, e não pode ser transformada numa questão de Estado.

A discussão sobre esse projeto levanta uma visão democrática e pluralista da sociedade, de tolerância de valores. Temos que enfrentar estes obstáculos políticos e ideológicos.

Fórum – Como o novo presidente da república deverá conduzir esta questão?

Genoino – O debate já está dentro do governo, com a I Conferência Nacional LGBT, realizada pelo nosso governo. Lá discutimos e implantamos políticas públicas que contam com investimentos do governo federal para programas de combate à homofobia.

No meu modo de entender, a questão da união civil entre pessoas do mesmo sexo não pode ser tratada de maneira partidária nem ideológica. E sim dentro de uma visão pluripartidária e suprapartidária. Desejo que o próximo presidente sancione o projeto a favor da legalização.

Fórum – Como lidar com a opinião pública brasileira, que em sua maioria tem uma visão preconceituosa sobre o assunto?

Genoino – Sempre trabalhei com esse tema e já houve maior hostilidade por parte da sociedade. Participei de todas as paradas do orgulho LGBT e nas primeiras tinha até perseguição, xingamento, atos de violência. Agora, o assunto está ganhando relevância com o apelo dado, o tema está sendo discutido. É uma questão de respeito às opiniões contrárias à sua, ou seja, as pessoas têm que deixar este individualismo de lado para trabalhar com base em uma visão solidária. E este debate tem sido bem sucedido.


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Um comentário:

Carlos Alexandre Neves Lima disse...

Rita, excelente post. Quero fazer coro contigo:
"Eu sou eternamente crítica à mania brasileira de se lutar sempre pelo mínimo, de se permanecer de rastros, suplicante"
Abs,
Carlos Alexandre