domingo, 18 de setembro de 2011

Anteprojeto do Estatuto da Diversidade Sexual

Atendento a solicitação de ampla divulgação, formulada pela advogada especialista em Direito das Famílias e desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias, trago o texto do anteprojeto do Estatuto da Diversidade Sexual, contribuindo, assim, para o seu amplo conhecimento e discussão, sobretudo entre pessoas verdadeiramente comprometidas com a construção de um Brasil fraterno, justo e solidário, onde não haja mais espaço para preconceitos e discriminações, cumprindo e regulamentando o que determina a nossa Constituição da República, de 1988, em vigor e o que propõe a Organização das Nações Unidas - ONU
ESTATUTO DA DIVERSIDADE SEXUAL
ANTEPROJETO
Institui o Estatuto da Diversidade Sexual e altera as Leis...
I - DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º - O presente Estatuto da Diversidade Sexual visa a promover a inclusão de todos, combater a discriminação e a intolerância por orientação sexual ou identidade de gênero e criminalizar a homofobia, de modo a garantir a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos individuais, coletivos e difusos.
Art. 2º - É reconhecida igual dignidade jurídica a heterossexuais, homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros, intersexuais, individualmente, em comunhão e nas relações sociais, respeitadas as diferentes formas de conduzirem suas vidas, de acordo com sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 3º - É dever do Estado e da sociedade garantir a todos o pleno exercício da cidadania, a igualdade de oportunidades e o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas.
II - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
Art. 4º - Constituem princípios fundamentais para a interpretação e aplicação deste Estatuto:
I – dignidade da pessoa humana;
II – igualdade e respeito à diferença;
III – direito à livre orientação sexual;
IV – reconhecimento da personalidade de acordo com a identidade de gênero;
V – direito à convivência comunitária e familiar;
VI – liberdade de constituição de família e de vínculos parentais;
VII – respeito à intimidade, à privacidade e à autodeterminação;
VIII – direito fundamental à felicidade.
§ 1º - Além das normas constitucionais que consagram princípios, garantias e direitos fundamentais, este Estatuto adota como diretriz político-jurídica a inclusão das vítimas de desigualdade de gênero e o
respeito à diversidade sexual.
§ 2º - Os princípios, direitos e garantias especificados neste Estatuto não excluem outros decorrentes das normas constitucionais e legais vigentes no país e oriundos dos tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil seja signatário.
§ 3º - Para fins de aplicação deste Estatuto, devem ser ainda observados os Princípios de Yogyakarta, aprovados em 9 de novembro de 2006, na Indonésia.
III - DIREITO À LIVRE ORIENTAÇÃO SEXUAL
Art. 5º - A livre orientação sexual e a identidade de gênero constituem direitos fundamentais.
§ 1º - É indevida a ingerência estatal, familiar ou social para coibir alguém de viver a plenitude de suas relações afetivas e sexuais.
§ 2º - Cada um tem o direito de conduzir sua vida privada, não sendo admitidas pressões para que revele, renuncie ou modifique a orientação sexual ou a identidade de gênero.
Art. 6º - Ninguém pode sofrer discriminação em razão da orientação sexual própria, de qualquer membro de sua família ou comunidade.
Art. 7º - É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo proibida qualquer prática que obrigue o indivíduo a renunciar ou negar sua identidade sexual.
Art. 8º - É proibida a incitação ao ódio ou condutas que preguem a segregação em razão da orientação sexual ou identidade de gênero.
IV - DIREITO À IGUALDADE E À NÃO-DISCRIMINAÇÃO
Art. 9º - Ninguém pode ser discriminado e nem ter direitos negados por sua orientação sexual ou identidade de gênero no âmbito público, social, familiar, econômico ou cultural.
Art. 10 - Entende-se por discriminação todo e qualquer ato que:
I – estabeleça distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha por objetivo anular ou limitar direitos e prerrogativas garantidas aos demais cidadãos;
II – impeça o reconhecimento ou o exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais no âmbito social ou familiar;
III – configure ação violenta, constrangedora, intimidativa ou vexatória.
Art. 11 - É considerado discriminatório, em decorrência da orientação sexual ou identidade de gênero:
I – proibir o ingresso ou a permanência em estabelecimento público, ou estabelecimento privado aberto ao público;
II – prestar atendimento seletivo ou diferenciado não previsto em lei;
III – preterir, onerar ou impedir hospedagem em hotéis, motéis, pensões ou similares;
IV – dificultar ou impedir a locação, compra, arrendamento ou empréstimo de bens móveis ou imóveis;
V – proibir expressões de afetividade em locais públicos, sendo as mesmas manifestações permitidas aos demais cidadãos.
Art. 12 - O cometimento de qualquer desses atos ou de outras práticas discriminatórias configura crime de homofobia, na forma desta lei, além de importar responsabilidade por danos materiais e morais.
V - DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR
Art. 13 - Todas as pessoas têm direito à constituição da família e são livres para escolher o modelo de entidade familiar que lhes aprouver, independente de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 14 - A união homoafetiva deve ser respeitada em sua dignidade e merece a especial proteção do Estado como entidade familiar.
Art. 15 - A união homoafetiva faz jus a todos os direitos assegurados à união heteroafetiva no âmbito do Direito das Famílias e das Sucessões, entre eles:
I – direito ao casamento;
II – direito à constituição de união estável e sua conversão em casamento;
III – direito à escolha do regime de bens;
IV – direito ao divórcio;
V – direito à filiação, à adoção e ao uso das práticas de reprodução assistida;
VI – direito à proteção contra a violência doméstica ou familiar;
VII – direito à herança, ao direito real de habitação e ao direito à concorrência sucessória.
Art. 16 - São garantidos aos companheiros da união homoafetiva todos os demais direitos assegurados à união heteroafetiva, como os de natureza previdenciária, fiscal e tributária.
Art. 17 - O companheiro estrangeiro tem direito à concessão de visto de permanência no Brasil, em razão de casamento ou constituição de união estável com brasileiro, uma vez preenchidos os requisitos legais.
Art. 18 - A lei do País em que a família homoafetiva tiver domicílio determina as regras do Direito das Famílias.
Art. 19 - Serão reconhecidos no Brasil os casamentos, uniões civis e estáveis realizados em países estrangeiros, desde que cumpridas as formalidades exigidas pela lei do País onde foi celebrado o ato ou constituído o fato.
VI - DIREITO E DEVER À FILIAÇÃO, À GUARDA E À ADOÇÃO
Art. 20 - É reconhecido o direito ao exercício da parentalidade, em relação aos filhos biológicos, adotados ou socioafetivos, individualmente ou em união homoafetiva, independente da orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 21 - É garantido o acesso às técnicas de reprodução assistida particular ou por meio do Sistema Único de Saúde – SUS, de forma individual ou conjunta.
§ 1º - É admitido o uso de material genético do casal para práticas reprodutivas.
Art. 22 - O exercício dos direitos decorrentes do poder familiar não pode ser limitado ou excluído em face da orientação sexual ou da identidade de gênero.
Art. 23 - Não pode ser negada a habilitação individual ou conjunta à adoção de crianças e adolescentes, em igualdade de condições, em decorrência da orientação sexual ou identidade de gênero dos candidatos.
Art. 24 - Não pode ser negada a guarda ou a adoção individual ou conjunta de crianças e adolescentes em decorrência da orientação sexual ou identidade de gênero de quem está habilitado para adotar.
Art. 25 - É assegurada licença-natalidade a qualquer dos pais, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e oitenta dias.
§ 1º - Durante os 15 dias após o nascimento, a adoção ou a concessão da guarda para fins de adoção, a licença-natalidade é assegurada a ambos os pais.
§ 2º - O período subsequente será gozado por qualquer deles, de forma não cumulada.
Art. 26 - Estabelecido o vínculo de filiação socioafetiva, é assegurado o exercício do poder familiar, ainda que o casal esteja separado.
Art. 27 - Quando da separação, a guarda será exercida de forma compartilhada, independente da existência de vínculo biológico do genitor com o filho.
Art. 28 - A guarda unilateral somente será deferida quando comprovada ser esta a mais favorável ao desenvolvimento do filho, sendo assegurada a quem revelar maior vínculo de afinidade e afetividade.
Art. 29 - O direito de convivência é assegurado aos pais bem como aos seus familiares.
Art. 30 - O dever de sustento e educação é de ambos os pais, mesmo depois de cessada a convivência.
Art. 31 - O filho não pode ser discriminado pela família ao revelar sua orientação sexual ou identidade de gênero.
§ 1º - A expulsão do lar do filho menor de idade gera responsabilidade por abandono material e obrigação indenizatória aos genitores, guardiães ou responsáveis.
Art. 32 - Nos registros de nascimento e em todos os demais documentos identificatórios, tais como carteira de identidade, título de eleitor, passaporte, carteira de habilitação, não haverá menção às expressões “pai” e “mãe”, que devem ser substituídas por “filiação”.
VII - DIREITO À IDENTIDADE DE GÊNERO
Art. 33 - Transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais têm direito à livre expressão de sua identidade de gênero.
Art. 34 - É indispensável a capacitação em recursos humanos dos profissionais da área de saúde para acolher transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais em suas necessidades e especificidades.
Art. 35 - É assegurado acesso aos procedimentos médicos, cirúrgicos e psicológicos destinados à adequação do sexo morfológico à identidade de gênero.
Parágrafo único - É garantida a realização dos procedimentos de hormonoterapia e transgenitalização particular ou pelo Sistema Único de Saúde – SUS.
Art. 36 - Não havendo risco à própria vida, é vedada a realização de qualquer intervenção médico-cirúrgica de caráter irreversível para a determinação de gênero, em recém-nascidos e crianças diagnosticados como intersexuais.
Art. 37 - Havendo indicação terapêutica por equipe médica e multidisciplinar de hormonoterapia e de procedimentos complementares não-cirúrgicos, a adequação à identidade de gênero poderá iniciar-se a partir dos 14 anos de idade.
Art. 38 - As cirurgias de redesignação sexual podem ser realizadas somente a partir dos 18 anos de idade.
Art. 39 - É reconhecido aos transexuais, travestis e intersexuais o direito à retificação do nome e da identidade sexual, para adequá-los à sua identidade psíquica e social, independentemente de realização da cirurgia de transgenitalização.
Art. 40 - A sentença de alteração do nome e sexo dos transexuais, travestis e intersexuais será averbada no Livro de Registro Civil de Pessoas Naturais.
Parágrafo único - Nas certidões não podem constar quaisquer referências à mudança levada a efeito, a não ser a requerimento da parte ou por determinação judicial.
Art. 41 - Quando houver alteração de nome ou sexo decorrente de decisão judicial é assegurada a retificação em todos os outros registros e documentos, sem qualquer referência à causa da mudança.
Art. 42 - O alistamento militar de transexuais, travestis e intersexuais ocorrerá em data especial e de forma reservada, mediante simples requerimento encaminhado à Junta do Serviço Militar.
Art. 43 - Será concedido ou cancelado o Certificado de Alistamento Militar – CAM, mediante a apresentação do mandado de averbação expedido ao Registro Civil.
Art. 44 - É garantido aos transexuais, travestis e intersexuais que possuam identidade de gênero distinta do sexo morfológico o direito ao nome social, pelo qual são reconhecidos e identificados em sua comunidade:
I – em todos os órgãos públicos da administração direta e indireta, na esfera federal, estadual, distrital e municipal;
II – em fichas cadastrais, formulários, prontuários, entre outros documentos do serviço público em geral;
III – nos registros acadêmicos das escolas de ensino fundamental, médio e superior.
Art. 45 - Em todos os espaços públicos e abertos ao público é assegurado o uso das dependências e instalações correspondentes à identidade de gênero.
VIII - DIREITO À SAÚDE
Art. 46 - É vedada aos profissionais da área da saúde a utilização de instrumentos e técnicas para criar, manter ou reforçar preconceitos, estigmas ou estereótipos de discriminação em relação à livre orientação sexual.
Art. 47 - É proibida qualquer discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero em hospitais, ambulatórios, postos de saúde e consultórios médicos.
Art. 48 - É obrigatória a inclusão do quesito orientação sexual e identidade de gênero nos formulários e prontuários de informação nos sistemas hospitalares públicos e privados.
Art. 49 - É garantido acesso aos serviços universais e igualitários do Sistema Único de Saúde – SUS, independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 50 - A orientação sexual ou identidade de gênero não pode ser usada como critério para seleção de doadores de sangue.
Parágrafo único - As entidades coletoras não podem questionar a orientação sexual de quem se apresenta voluntariamente como doador.
Art. 51 - Os leitos de internação hospitalar devem respeitar e preservar a identidade de gênero dos pacientes.
Art. 52 - Médicos, psicólogos e demais profissionais da área da saúde não podem exercer qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homossexuais e nem adotar ação coercitiva tendente a orientar homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros ou intersexuais a submeterem-se a tratamentos não solicitados.
Art. 53 - É proibido o oferecimento de tratamento de reversão da orientação sexual ou identidade de gênero, bem como fazer promessas de cura.
IX - DIREITOS PREVIDENCIÁRIOS
Art. 54 - São garantidos iguais direitos previdenciários a todas as pessoas, independentemente da orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 55 - É vedada às instituições de seguro ou de previdência, públicas ou privadas, negar qualquer espécie de benefício tendo por motivação a condição de homossexual, lésbicas, bissexual, transexuais, travestis, transgêneros ou intersexuais do beneficiário.
Art. 56 - As operadoras de plano de saúde não podem impedir ou restringir a inscrição como dependente no plano de saúde, do cônjuge ou do companheiro homoafetivo do beneficiário.
Art. 57 - O cônjuge ou o companheiro homoafetivo tem direito à pensão por morte, auxílio-reclusão e a todos os demais direitos, na condição de beneficiário junto ao Instituto Nacional de Seguro Social – INSS.
Art. 58 - O cônjuge ou o companheiro da união homoafetiva tem direito, na condição de dependente preferencial, a perceber a indenização em caso de morte, como beneficiário do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados
por Veículos Automotores de Via Terrestre, ou por sua Carga, a Pessoas Transportadas ou não – Seguro DPVAT.
X - DIREITO À EDUCAÇÃO
Art. 59 - Os estabelecimentos de ensino devem coibir, no ambiente escolar, situações que visem intimidar, ameaçar, constranger, ofender, castigar, submeter, ridicularizar, difamar, injuriar, caluniar ou expor aluno a constrangimento físico ou moral, em decorrência de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 60 - Os profissionais da educação têm o dever de abordar as questões de gênero e sexualidade sob a ótica da diversidade sexual, visando superar toda forma de discriminação, fazendo uso de material didático e metodologias que proponham a eliminação da homofobia e do preconceito.
Art. 61 - Os estabelecimentos de ensino devem adotar materiais didáticos que não reforcem a discriminação com base na orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 62 - Ao programarem atividades escolares referentes a datas comemorativas, as escolas devem atentar à multiplicidade de formações familiares, de modo a evitar qualquer constrangimento dos alunos filhos de famílias homoafetivas.
Art. 63 - Os professores, diretores, supervisores, psicólogos, psicopedagogos e todos os que trabalham em estabelecimentos de ensino têm o dever de evitar qualquer atitude preconceituosa ou discriminatória contra alunos filhos de famílias homoafetivas.
Art. 64 - O poder público deve promover a capacitação dos professores para uma educação inclusiva, bem como ações com o objetivo de elevar a escolaridade de homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transexuais e intersexuais, de modo a evitar a evasão escolar.
Art. 65 - Nas escolas de ensino fundamental e médio e nos cursos superiores, é assegurado aos transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais, no ato da matrícula, o uso do nome social o qual deverá constar em todos os registros acadêmicos.
XI - DIREITO AO TRABALHO
Art. 66 - É assegurado o acesso ao mercado de trabalho a todos, independentemente da orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 67 - É vedado inibir o ingresso, proibir a admissão ou a promoção no serviço privado ou público, em função da orientação sexual ou identidade de gênero do profissional.
Art. 68 - Quando da seleção de candidatos, não pode ser feita qualquer distinção ou exclusão com base na sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 69 - Constitui prática discriminatória estabelecer ou manter diferenças salariais entre empregados que trabalhem nas mesmas funções em decorrência da orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 70 - Configura discriminação demitir, de forma direta ou indireta empregado, em razão da orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 71 - O poder público adotará programas de formação profissional, de emprego e de geração de renda voltadas a homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transexuais e intersexuais, para assegurar a igualdade de oportunidades na inserção no mercado de trabalho.
Art. 72 - É assegurado aos transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais, o registro do nome social na Carteira de Trabalho e nos assentamentos funcionais, devendo assim serem identificados no ambiente de trabalho.
Art. 73 - A administração pública assegurará igualdade de oportunidades no mercado de trabalho a travestis e transexuais, transgêneros e intersexuais, atentando ao princípio da proporcionalidade.
Parágrafo único - Serão criados mecanismos de incentivo a à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas.
Art. 74 - A administração pública e a iniciativa privada devem promover campanhas com o objetivo de elevar a qualificação profissional de travestis e transexuais, transgêneros e intersexuais.
XII - DIREITO À MORADIA
Art. 75 - É proibida qualquer restrição à aquisição ou à locação de imóvel em decorrência da orientação sexual ou identidade do adquirente ou locatário.
Art. 76 - Os agentes financeiros públicos ou privados devem assegurar acesso às entidades familiares homoafetivas para a aquisição da casa própria.
Parágrafo único - É assegurada a conjugação de rendas do casal para a concessão de financiamento habitacional.
Art. 77 - A administração do imóvel ou do condomínio deve inibir qualquer conduta que configure prática discriminatória, na forma deste Estatuto, sob pena de responsabilização por dano moral.
Art. 78 - Os programas, projetos e outras ações governamentais, no âmbito do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, devem considerar as peculiaridades sociais e econômicas, decorrentes da orientação sexual e de gênero.
Art. 79 - Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem estimular e facilitar a participação de organizações e movimentos sociais na composição dos conselhos constituídos para fins de aplicação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS.
XIII - DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA E À SEGURANÇA
Art. 80 - As demandas que tenham por objeto os direitos decorrentes da orientação sexual ou identidade de gênero devem tramitar em segredo de justiça.
Art. 81 - Para fins de levantamentos estatísticos é obrigatória a identificação das ações que tenham por objeto os direitos decorrentes da orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 82 - As ações não-criminais são da competência das Varas de Família e os recursos devem ser apreciados por Câmaras Especializadas em Direito de Família dos Tribunais de Justiça, onde houver.
Art. 83 - Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem criar centros de atendimento especializado para assegurar atenção à homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis e intersexuais em situação de violência, de modo a garantir sua integridade física, psíquica, social e jurídica.
Art. 84 - Devem ser criadas delegacias especializadas para o atendimento de denúncias por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 85 - É assegurada visita íntima nos presídios, independente da orientação sexual ou identidade de gênero do preso.
Art. 86 - O encarceramento no sistema prisional deve atender à identidade sexual do preso, ao qual deve ser assegurada cela separada se houver risco à sua integridade física ou psíquica.
Art. 87 - É assegurado às vítimas de discriminação a assistência do Estado para acolhimento, orientação apoio, encaminhamento e apuração de práticas delitivas.
Art. 88 - O Estado deve implementar políticas públicas de capacitação e qualificação dos policiais civis e militares e dos agentes penitenciários, para evitar discriminação motivada por orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 89 - O Estado adotará medidas especiais para coibir a violência policial
contra homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais.
Art. 90 - O Estado deve implementar ações de ressocialização e proteção da juventude em conflito com a lei e exposta a experiências de exclusão social em face de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 91 - O poder público deve criar centros de referência contra a discriminação na estrutura nas Secretarias de Segurança Pública, objetivando o acolhimento, orientação, apoio, encaminhamento e apuração de denúncias de crimes motivados por orientação sexual e identidade de gênero.
XIV - DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
Art. 92 - É assegurado respeito aos homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais, de modo a terem preservadas a integridade física e psíquica, em todos os meios de comunicação de massa, como rádio, televisão, peças publicitárias, internet e redes sociais.
Art. 93 - Os meios de comunicação não podem fazer qualquer referência de caráter preconceituoso ou discriminatório em face da orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 94 - Constitui prática discriminatória publicar, exibir a público, qualquer aviso sinal, símbolo ou emblema que incite à intolerância.
XV - DAS RELAÇÕES DE CONSUMO
Art. 95 - Todo o consumidor tem direito a tratamento adequado, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 96 - Configura prática discriminatória negar o fornecimento de bens ou prestação de serviços ao consumidor em decorrência de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 97 - Nenhum consumidor pode receber tratamento diferenciado em detrimento de outro por serem homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgênero e intersexuais.
Art. 98 - Nenhum estabelecimento público ou aberto ao público pode impedir acesso ou estabelecer restrições em face da orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 99 - Os serviços públicos e privados devem capacitar seus funcionários para melhoria de atenção e acolhimento das pessoas, evitando qualquer manifestação de preconceito e discriminação sexual e identidade de gênero.
XVI - DOS CRIMES
Crime de homofobia
Art. 100 - Praticar condutas discriminatórias ou preconceituosas previstas neste Estatuto em razão da orientação sexual ou identidade de gênero,
Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
§ 1º - Incide na mesma pena toda a manifestação que incite o ódio ou pregue a inferioridade de alguém em razão de sua orientação sexual ou de identidade de gênero.
Indução à violência
Art. 101 - Induzir alguém à prática de violência de qualquer natureza motivado por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero:
Pena – reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, além da pena aplicada à violência.
Discriminação no mercado de trabalho
Art. 102 - Deixar de contratar alguém ou dificultar a sua contratação, quando atendidas as qualificações exigidas para o cargo ou função, motivado por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero:
Pena – reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.
§ 1º - A pena é aumentada de um terço se a discriminação se dá no acesso aos cargos, funções e contratos da administração pública.
§ 2º - Nas mesmas penas incorre quem, durante o contrato de trabalho ou relação funcional, discrimina alguém motivado por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.
Discriminação nas relações de consumo
Art. 103 - Recusar ou impedir o acesso de alguém a estabelecimento comercial de qualquer natureza ou negar-lhe atendimento, motivado por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero:
Pena – reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.
Art. 104 - Todo o delito em que ficar evidenciada a motivação homofóbica terá a pena agravada em um terço.
XVII - DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
Art. 105 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem adotar políticas públicas destinadas a conscientizar a sociedade da igual dignidade dos heterossexuais, homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais.
Art. 106 - A participação em condição de igualdade de oportunidade, na vida econômica, social, política e cultural do País será promovida, prioritariamente, por meio de:
I – inclusão nas políticas públicas de desenvolvimento econômico e social;
II – modificação das estruturas institucionais do Estado para o adequado enfrentamento e a superação das desigualdades decorrentes do preconceito e da discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero;
III – promoção de ajustes normativos para aperfeiçoar o combate à discriminação e às desigualdades em todas as manifestações individuais, institucionais e estruturais;
IV – eliminação dos obstáculos históricos, socioculturais e institucionais que impedem a representação da diversidade sexual nas esferas pública e privada;
V – estímulo, apoio e fortalecimento de iniciativas oriundas da sociedade civil direcionadas à promoção da igualdade de oportunidades e ao combate às desigualdades, inclusive mediante a implementação de incentivos e critérios de condicionamento e prioridade no acesso aos recursos públicos;
VII – implementação de programas de ação afirmativa destinados ao enfrentamento das desigualdades no tocante à educação, cultura, esporte e lazer, saúde, segurança, trabalho, moradia, meios de comunicação de massa, financiamentos públicos, acesso à terra, à Justiça, e outros.
Art. 107 - Na implementação dos programas e das ações constantes dos Planos Plurianuais e dos Orçamentos Anuais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios deverão ser observadas as políticas públicas que tenham como objetivo promover a igualdade de oportunidades e a inclusão social de homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais, especialmente no que tange a:
I – promoção da igualdade de oportunidades para acesso à saúde, educação, emprego e moradia;
II – incentivo à criação de programas e veículos de comunicação destinados à combater o preconceito, a discriminação e à homofobia;
III – apoio a programas e projetos dos governos federal, estaduais, distritais, municipais e de entidades da sociedade civil voltados para promover a inclusão social e a igualdade de oportunidades.
XVIII - DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 108 - As medidas instituídas nesta Lei não excluem outras em prol dos homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais que tenham sido ou venham a ser adotadas no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.
Art. 109 - O Poder Executivo federal criará instrumentos para aferir a eficácia social das medidas previstas nesta Lei e efetuará seu monitoramento constante, com a emissão e a divulgação de relatórios periódicos, inclusive pela rede mundial de computadores.
Art. 110 - (elencar os dispositivos do anexo a serem alterados, acrescidos ou excluídos).
Art. 111 - Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.

Proposta de Emenda Constitucional
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
(...)
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, etnia, raça, sexo, gênero, orientação sexual ou identidade de gênero, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XVIII – licença-natalidade, concedida a qualquer dos pais, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e oitenta dias;
XIX – durante os 15 dias após o nascimento, a adoção ou a concessão da guarda para fins de adoção, a licença é assegurada a ambos os pais. O período subsequente será gozado por qualquer deles, de forma não cumulada.
(...)
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, orientação sexual, identidade de gênero, idade, cor ou estado civil;
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º - É admitido o casamento civil entre duas pessoas, independente da orientação sexual.
(...)
§ 3º - É reconhecida a união estável entre duas pessoas como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
Justificativa
Em um Estado democrático de direito, todos são merecedores da tutela jurídica. É o que diz a Constituição Federal ao consagrar os princípios da liberdade e da igualdade e proclamar respeito à dignidade da pessoa humana. Já no seu preâmbulo, assegura uma sociedade pluralista e sem preconceitos. Também garante, como um dos objetivos fundamentais da República, uma sociedade livre e justa, que deve promover o bem de todos sem preconceito de origem, raça sexo, cor idade ou qualquer outra forma de discriminação.

No entanto, olvidou-se de citar, modo expresso, a proibição de discriminação em decorrência da orientação sexual ou identidade de gênero. Tal omissão acaba por gerar um sistema de exclusão incompatível com os princípios fundantes do Estado. Diante deste imperdoável silêncio, significativa parcela da população, constituída de homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais, resta refém de toda a sorte de violência. Como não estão ao abrigo da legislação que criminaliza a discriminação, as perseguições de que são vítimas restam impunes. Esta é a causa maior e a pior consequência da homofobia.

Mas este não é o único pecado da Carta Constitucional. Ao consagrar o princípio do pluralismo das entidades familiares, elegeu o afeto como elemento identificador da família. Reconhecida como a base da sociedade, lhe é outorgada a especial proteção do Estado. Apesar de não trazer o conceito de família, é feita referência expressa ao casamento, à união estável e à família monoparental. Igualmente é recomendada a transformação em casamento à união estável formada por um homem e uma mulher. Isso, no entanto, não significa que a união homoafetiva não é uma entidade familiar e nem quer dizer que não lhe deve ser concedida a especial proteção do Estado.

Ainda bem que esta postura omissiva da Constituição não inibiu o Poder Judiciário que, de forma corajosa, vem invocando os princípios constitucionais para reconhecer direitos a homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais. Também os seus relacionamentos afetivos vem sendo identificados como entidades familiares no âmbito do Direito das Famílias e das Sucessões.

De modo recorrente, são concedidos direitos previdenciários, pensão por morte e a inclusão em plano de saúde. Contam-se às dezenas as decisões que deferem direitos sucessórios, assegurando direito à meação, direito real de habitação, direito à herança bem como o exercício da inventariança. Também são deferidos alimentos e assegurado o direito à curatela do companheiro declarado incapaz. Do mesmo modo, é assegurada a adoção e a habilitação conjunta, bem como declarada a dupla parentalidade quando são usados os meios de reprodução assistida. Ainda que os parceiros sejam gays, reconhecida a violência como doméstica, são aplicadas medidas protetivas da Lei Maria da Penha.

De tão reiteradas as decisões, alguns direitos são deferidos em sede administrativa. Assim a concessão pelo INSS de pensão por morte e auxílio reclusão; o pagamento seguro DPVAT; a expedição de visto de permanência ao parceiro estrangeiro. Também está assegurada a inclusão do companheiro como dependente no imposto de renda.

Com coragem, sensibilidade e sabedoria, recente decisão do Supremo Tribunal Federal (ADI 4.277 e ADPF 132, Rel. Min. Ayres Brito, j. 05.05.2011), por votação unânime, reconheceu as uniões de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, assegurando aos parceiros homossexuais os mesmos direitos e deveres dos companheiros das uniões estáveis. O julgamento deu interpretação ao art. 1.723 do Código Civil conforme a Constituição Federal para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida essa como sinônimo perfeito de “família”.

Foi esta decisão que levou a Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a elaborar o Anteprojeto do Estatuto da Diversidade Sexual, que já se encontra em tramitação junto ao Conselho Federal e oportunamente será encaminhado à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado da República.

A falta de expressa previsão vedando a discriminação em virtude da orientação sexual ou identidade de gênero deixa um número significativo de cidadãos fora do âmbito de proteção jurídica, situação que não se compatibiliza com, um Estado que quer ser reconhecido como Democrático e de Direito.

O último censo revelou a existência de 60 mil famílias constituídas por pessoas do mesmo sexo. Mas o número não importa. Apesar do preconceito de que são alvo, da perseguição que sofrem, da violência de que são vítimas, não há como condenar à invisibilidade homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais.

Esses os motivos pelos quais é apresentada esta proposta de Emenda à Constituição Federal para que seja afirmada a proibição de discriminação em decorrência orientação sexual ou identidade de gênero.
Também é indispensável permitir a extensão de todos os direitos e garantias fundamentais às uniões homoafetivas e aos seus integrantes, quer o direito quer de verem seus vínculos afetivos reconhecidos como entidade familiar, quer a expressa concessão do direito ao casamento. Ao depois, nada justifica
deixar de impor a quaisquer dos genitores os deveres inerentes ao poder familiar. Daí a necessidade de se deixar de se falar em maternidade e paternidade e assegurar licença-natalidade para que os pais possam acompanhar o desenvolvimento dos filhos da maneira que lhes seja mais conveniente.

Proibir discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero, reconhecer a família homoafetiva e assegurar todos os direitos decorrentes da homoparentalidade são dispositivos que precisam ser inserido na Carta Constitucional, sob pena se comprometer a própria estrutura do Estado que se quer pluralista, livre e digno de todos os seus cidadãos.

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