domingo, 1 de maio de 2011

TRANSEXUALIDADE, ESSA NOSSA (DES)CONHECIDA

A transexualidade - embora ainda hoje permaneça em muitos universos culturais a visão englobante, sobretudo no senso comum, mas não apenas - não é o mesmo que homossexualidade, travestilidade ou prostituição. 

Durante muitos anos se acreditou fossem fenômenos da mesma ordem homossexualidade e transexualidade. Somente em 1949 é que se verifica o emprego do termo como categoria autônoma e apartada - no artigo Psychopathia Transexualis, de Caldwell, autor inglês (VIEIRA, 1996, p. 19). Via de consequência foi historicamente tratada sob o mesmo prisma preconceituoso e estigmatizante que a homossexualidade. 

Transexualidade implica desacordo entre o sexo psíquico e o sexo corporal da pessoa. Homossexualidade significa simplesmente que a direção do desejo erótico - potencialmente bissexual, conforme estabelecido já desde Freud - encontra-se voltada para alguém do mesmo sexo (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 71-74, 350-355).

Tambem não se confunde com a travestilidade. O desconforto gerado pela não conformidade entre a identidade mais íntima do indivíduo e aquela que lhe foi imposta ao nascer, verificado na pessoa transexual, é de tal ordem que, inexistindo políticas sociais de readequação, pode levar a automutilações e ao suicídio. A esse respeito, o caso Sandra Mara/Anderson Herzer (“Bigode”), ocorrido em São Paulo nos anos de 1980, é bem eloquente e notório, inclusive exemplar da então corriqueira confusão entre transexualidade e homossexualidade (HERZER, 1983). São porém abundantes os casos registrados ao longo da história (LAQUEUR, 2001, passim). A travestilidade, ao contrário, não conduz ao desconforto com o sexo corporal – aqui o caso mais emblemático sem dúvida é o da atriz Rogéria que, travesti reconhecida publicamente, jamais desejou livrar-se da sua outra persona, o Astolfo de sua identidade civil. 

A prostituição, por seu lado, não se confunde com nenhuma das categorias acima. Consiste em simples prestação de serviços sexuais na perspectiva mercantil, podendo ser exercida por qualquer dos sexos ou gêneros (LEITE, 1992; PERLONGHER, 1987). Em sua acepção mais restrita significa ofício sexual desempenhado fora da instituição matrimonial e que não se confunde nem com esta nem com as outras modalidades de trocas de favores sexuais presentes em nossa civilização (ROBERTS, 1998; FREITAS, 1985; ENGEL, 2004).

Referências:
ENGEL, Magali. Meretrizes e Doutores – Saber Médico e Prostituição no Rio de Janeiro (1840-1890). São Paulo: Brasiliense, 2004 (1 reimpressão da 1 edição).
FREITAS, Renan Springer de. Bordel, Bordéis: Negociando Identidades. Petrópolis: Vozes, 1985.
HERZER. A Queda para o Alto. Petrópolis: Vozes, 1983.
LAQUEUR, Thomas. Inventando o Sexo: Corpo e Gênero dos Gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2001.
PERLONGHER, Nestor. O Negócio do Michê: prostituição viril em São Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1987.
LEITE, Gabriela Silva. Eu, Mulher da Vida. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992.
ROBERTS, Nickie. As Prostitutas na História. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1998.
ROUDINESCO, Elizabeth e PLON, Michel. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
VIEIRA, Teresa Rodrigues. Mudança de Sexo: Aspectos Médicos, Psicológicos e Jurídicos. Capítulo II: Conceito. Transexualismo. São Paulo: Santos, 1996.

Agradecimentos:
A Luisa Helena Stern, pela indicação da autora Teresa Rodrigues Vieira e pelo muito que generosamente socializa no seu blog Cultura Crossdresser
A Professora e Educadora Margarida Simões, pelos reparos com a escrita.

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