Primeiro Movimento: Andante Moderato
Acreditando estar em início a travessia de meu mais recente tsunami pessoal – desses que tod@s nós human@s enlouquecid@s pela sandice do viver contemporâneo se vêm compelid@s a administrar volta e meia – dei-me ao desfrute de brindar o descanso que me deu a fibromialgia e levei minha bicicleta escadas abaixo, no muque, para o tão postergado reparo.
Saí dali fazendo uma das coisas que mais gosto: pedalar, em especial pela cidade do Rio. Passei outra vez pelos Arcos, a acompanhar os rapazes que estão colando aquelas imagens das faces do nosso povo esquecido, vilipendiado e esbulhado em dignidade e direitos. Como o nublado do céu começasse a se desfazer em gotas, retornei.
Em casa, lá fui eu viajar nas notícias não tão fresquinhas do jornal de domingo. Do que li me veio outra vez a sensação de alguma coisa (boa) em curso. Faço um parêntesis para dizer que creio benfazeja porque indicativa de processo, enfrentamento, supressão da letargia inercial.
Na Europa, trabalhadores demitidos confrontam executivos aquinhoados com bonificações fantásticas, além de seus salários idem. Não toleram serem mais uma vez “convidados” a pagar a conta de um banquete não degustado. Falam de “uma crise de moralidade”:
“As pessoas não confiam mais nos banqueiros, nos executivos-chefes, sentem-se ultrajadas pelos salários indecentes (dos executivos) e por pessoas que destruíram a economia dos países”, diz o presidente de uma associação de pequenos acionistas franceses [O Globo, 19/04/09, Economia, p. 25].
Não sei bem dizer o porquê, mas de repente me pareceu que estava lendo os desdobramentos da matéria da qual me ocupara antes de levar a bicicleta aos ofícios do Cláudio e equipe.
Antes de sair, andara a ler a Carta Capital da semana – a matéria sobre os modos de emprego que os parlamentares dão aos recursos advindos de nossos salários via tributação.
Ah, também me lembro: um pouco antes, ouvi no rádio as repercussões sobre a interpelação que uma empresária tinha feito aos parlamentares num encontro lá deles, numa das ilhas turísticas de Salvador, na Bahia.
A moça, disseram os jornalistas, havia causado “constrangimento”. Constrangera os nobres representantes do povo ao inquiri-los sobre os usos que dão aos recursos de nós advindos.
Fato que deveria ser trivial como o nosso feijãozinho com arroz, parece não ter caído bem nos ouvidos de nossos excelentíssimos representantes.
Passei um café e, de caneca em punho, me mandei pra internet.
Segundo Movimento: Andante mosso, quasi allegretto
ou a Retroalimentação Nossa de Cada Dia
Na listagls, comunidade virtual que costumo acompanhar, me deparo com uma peleja entre @s que apóiam e @s que criticam a fala do professor-doutor Luís Mott no III Congresso da Abglt.
Segundo a matéria publicada em A Capa, o professor teria afirmado que, a continuar em crescimento os índices da violência que costumeiramente é praticada em nosso país contra “homossexuais e travestis”, seria o caso de se promover uma campanha reativa, em termos semelhantes à violência recebida – “Mate em legitima defesa, se proteja", teria declarado o pesquisador e ativista [http://www.acapa.com.br/site/noticia.asp?codigo=7901&target=_self&titulo=%22Mate+em+leg%EDtima+defesa%22%2C+diz+Luiz+Mott+em+debate+sobre+seguran%E7a+p%FAblica].
A celeuma estava formada. As opiniões se dividiam. Os que discordavam eram os que se mostravam mais, digamos, intolerantes.
Claro que não é nenhuma novidade se encontrar entre os da família os mais implacáveis e destemperados críticos. Isso já o velho Norbert Elias explicara [ver: Os Estabelecidos e os Outsiders].
Mas não deixa de ser um espetáculo de todo triste, ainda mais num outono nublado e chuvoso do Rio, a gente se deparar outra vez com a intensidade do potencial reprodutor presente na violência simbólica [ver: Pierre Bourdieu, A Dominação Masculina, O Poder Simbólico, entre outros].
A proposta formulada pelo precursor das pesquisas sobre homofobia no Brasil foi acarinhada pelos seus ímpares com epítetos como: “factóide baratíssimo”, "panfletaria e sem valor".
As vozes de ativistas hegemônicos os mais conhecidos na luta em prol do reconhecimento dos direitos de gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais brasileiros, em especial do direito a terem a sua vida e dignidade efetivamente preservadas, entraram em coro, céleres e prestimosas, no exercício do papel de mantenedoras da ordem estabelecida, descuidados de um instante reflexivo sequer.
Outro dos comentadores, este na matéria publicada no sítio de A Capa, não deixou passar a oportunidade de desferir sobre o decano o mesmíssimo epíteto que a dita sociedade heteronormativa historicamente tem branido contra esses seres que teimam em amar à revelia das imposições.
Dando curso à sociodinâmica da estigmatização desvelada por Elias [ver acima], o comentarista esbraveja: “Se a bicha queria chamar atenção... ELA CONSEGUIU. Mas, conseguiu de uma maneira ridícula.”
- Quase se pode tocar no gozo compensatório auferido com semelhante frase.
Um detalhe, porém, escapou aos comentadores.
Pois me diga quem puder e quiser, se acaso não é a mesmíssima coisa que fazem os setores privilegiados da sociedade, o empresariado, os banqueiros, os parlamentares, os executivos, com seus exércitos de seguranças pessoais, vidros blindados, câmaras de vídeo, portas com sensores de metais, sistemas de identificação e controle via imagem, registro de digitais, fotografia de carteiras de identificação oficial etc?
A diferença é que, estes, não andam por aí a propalar sua verve reativa. Não buscaram, antes, proteção via Legislativo, via Judiciário, via Executivo, na trintenária luta por respeito e direito de viver em paz. Tampouco são alvos cotidianos de espancamentos, tiros, empalamentos, esquartejamentos, além dos notórios xingamentos e humilhações.
Apenas implantam-na e nada mais. E nenhuma agressão lhes é atirada ao rosto por isto. E nenhum desses aguerridos defensores de uma certa moldura de cidadania para os glbtts tem sido visto arvorar-se em inquirir acerca dessa - essa, sim - verdadeira síndrome de uma sociedade policialesca.
Os que instituem seus mecanismos tecnológicos de "proteção" e "seguranças" pessoais são tidos como cidadãos plenos no exercício de um direito reconhecido, legitimado, inconteste: ter a seu serviço particular tropa pronta ao emprego da violência ante qualquer "movimento suspeito". O suposto soldo privado remuneratório não raras vezes é mera ficção. O mais das vezes advém mesmo de recursos nossos, públicos, seja na formação profissional, seja na função pública ocupada e transformada em "bico".
Mas, de tão bem amoldados que também são os ímpares do ousado e decano pesquisador, não se detiveram a perceber o quão sutil podem estar revestidas as estruturas simbólicas de organização e preservação do poder – e por isso mesmo de difícil percepção – e seguem eles próprios dando perenidade e validez às violências nossas de cada dia.
Um comentário:
Viu?
POR ISSO que eu quero que vc oriente meu mestrado! =D
bjo do Deco =]
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