Semana passada acompanhei uma discussão interessante. Envolvia profissionais do direito e de outras áreas, todos, porém, comprometidos com a luta por reconhecimento sociojurídico de gays, lésbicas, travestis e transexuais.
Surgiu a partir da manifestação, feita por um ativista de fora do âmbito jurídico, de que os instrumentos legislativos de âmbito municipal e estadual, que sancionam administrativamente práticas discriminatórias à orientação sexual e identidade de gênero, deveriam ser potencializados. Segundo ele, semelhante vedação legal constituiria uma primeira “criminalização” da homofobia entre nós.
Profissionais do campo jurídico tentaram comunicar a distinção entre as esferas administrativa e penal. O estranhamento, porém, persistiu, apesar de reiteradas as tentativas de “esclarecimento”. Uma ativista, inclusive, não se conformava que essa normatização administrativa não servisse como parâmetro à buscada legislação federal.
É notório que qualquer campo de especialização soa algo incompreensível a quantos a ele não estejam familiarizados. Até aí nada de mais. O que a persistente “incompreensão” dos profissionais de outras áreas apontava, porém, era de ordem mais profunda.
Ao mostrarem estranhamento, na verdade mostravam-se mais sensíveis para uma contradição presente no Estado brasileiro. Os “profissionais do Direito”, contudo, de tão familiarizados com os aspectos técnicos de seu ramo de saber, tornaram-se, por essa familiaridade mesma, insensíveis ao aspecto absurdo presente neste descompasso.
Trata-se da esquizofrenia instalada mediante a irracional recusa, por parte de parlamentares comprometidos com o que há de mais retrógrado, autoritário e intolerante, em aprovar o projeto de lei que equipara a homofobia ao racismo (PLC 122/2006).
O Estado brasileiro, assim, apresenta aos seus cidadãos e aos povos de outros países, duas faces inconciliáveis. Por um lado, afirma, através de sua Constituição, dos acordos e tratados internacionais assinados e reconhecidos; da legislação e de políticas públicas implantadas e em vias de implantação em diversos Estados e Municípios, que o princípio da dignidade da pessoa humana é para tod*s, não sendo tolerável a discriminação estigmatizante por motivo de orientação sexual ou identidade de gênero.
Por outro, esse mesmo Estado-Nação, através de uma parcela dos componentes do legislativo federal, insiste em se mostrar contrário aos valores da dignidade, autodeterminação e proteção universais.
E, o mais contraditório, emprega, em defesa da permanência da estigmatização e da violência, valores como a liberdade de expressão e de crença religiosa.
Por mais que a Relatora designada, integrante da Comissão de Direitos Humanos, esclareça que o projeto apenas faz referência a "comportamentos que arbitrariamente recusam, a indivíduos GLBT, direitos que são conferidos a outros indivíduos em igualdade de condições"; "que o projeto não criminaliza a crença pessoal desfavorável à homossexualidade, mas ações que conduzam à imposição dessa crença a outros indivíduos, de modo a suprimir a liberdade de uns pelo arbítrio de outros"; e "que todas as condutas descritas no PLC 122/06 referem-se a comportamentos dolosos, que têm a intenção explícita de vitimar o outro, motivados por preconceito contra indivíduos ou grupos".
Em perfeita contramão, portanto, do projeto civilizatório mundial.
Total razão assiste, bem se vê, àquel*s que não conseguem compreender semelhante irracionalidade.
Citações de: http://www.senado. gov.br/agencia/ verNoticia. aspx?codNoticia= 93602
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