domingo, 13 de setembro de 2009

"O Congresso é muito homofóbico"

O jornal O Dia segue no seu importante trabalho de informação para a cidadania, para a superação dos modos intolerantes e violentos que, lamentavelmente, ainda marcam os nossos dias.

O jornal e o jornalista Mahomed Saigg vem produzindo um trabalho ímpar no processo de construção desse país que queremos ser: inclusivo, respeitoso, digno, ético, fraterno, laico.

Abaixo, a entrevista publicada hoje, com a deputada Fátima Cleide (PT-RO), Relatora do projeto de lei que altera a Lei Antirracismo.

Antes, porém, gostaria de esclarecer que a popularmente denominada lei antirracismo (LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989), com as alterações introduzidas pela Lei nº 9.459, de 15/05/97, ampliou o elenco dos valores a serem protegidos contra as diversas formas de violência, lamentavelmente ainda existentes, resultantes de uma tradição cultural de intolerância, fruto de um passado colonialista, escravagista, autoritário e androcêntrico (uma visão hierárquica, sobrevalorizada, do homem em relação à mulher).

Mais apropriado, portanto, seria chamarmos a lei 7.716, em sua redação atual, de LEI ANTIDISCRIMINAÇÃO, ou LEI ANTIINTOLERÂNCIA, pois é justamente disso que ela trata, quando, cumprindo a Constituição da República, regula aquilo que está escrito no artigo 5º e inclui, ao lado da raça/etnia/cor, a proteção à religião ou procedência nacional.

Diz o artigo 5º da Constituição da República: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza."

Diz também, no seu inciso III, que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante"

No seu preâmbulo, declara que o objetivo da Assembléia Nacional Constituinte (na realidade um Congresso Constituinte, posto que não teve atribuição exclusiva para a elaboração da Constituição, mas prosseguiu nos trabalhos decorrentes de uma legislatura ordinária) é "instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias."


No artigo 3º afirma como OBJETIVOS FUNDAMENTAIS desse estado democrático constituído sob a forma de república federativa (art. 1º)

"I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;"

"IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."

É possível, portanto, constatar e compreender que o projeto de Lei PL 122 (conhecido como lei antihomofobia), na realidade apenas busca suprir uma lacuna ainda existente, assim como fez a Lei nº 9.459, de 15/05/97.

Seu objetivo de fundo é aperfeiçoar o projeto de se dotar a sociedade brasileira do instrumento necessário para que seja possível cumprir integralmente o que diz a Constituição da República, ou seja, instituir mecanismo capaz de colaborar no projeto nacional de país se quer realizar como uma sociedade justa, fraterna, solidária, onde inexistam práticas preconceituosas ou discriminatórias.

Daí a necessidade de se inserir os termos "identidade de gênero" (a diversidade de estilos de masculinidade e de feminilidade) e "orientação sexual" (hetero, homo, bissexual) no conjunto de valores a ser protegido. Uma atualização e detalhamento, na realidade, do conteúdo que anteriormente se encontrava contido no conceito de "sexo", mas que, por não estar explicitado de forma detalhada, dava margem à discussões legais - o que não deve permitir a boa técnica legislativa penal.

Feitos estes esclarecimentos, segue, então, finalmente, a entrevista realizada pelo jornalista Mahomed Saigg com a Deputada Fátima Cleide. Boa leitura.

"'O Congresso é muito homofóbico'
POR MAHOMED SAIGG, RIO DE JANEIRO

Rio - Vítimas da intolerância sexual, lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros são caçados diariamente nas comunidades do Rio. Conforme O DIA mostrou em série de reportagens esta semana, os homossexuais que moram nas favelas cariocas são alvo do preconceito e da ira de milicianos e traficantes. Muitos acabam assassinados por causa de sua orientação sexual.

O aumento dessa violência, que já invadiu até as salas de aula, chamou a atenção da senadora Fátima Cleide (PT-RO). Relatora do projeto de lei que criminaliza a homofobia, ela afirma que o Congresso Nacional é homofóbico. Inconformada com a dificuldade para aprovar a medida, na sexta-feira a senadora foi à tribuna mostrar as reportagens e cobrar atitude dos demais parlamentares.

O DIA: O que falta para a aprovação do projeto de lei que criminaliza a homofobia no Brasil?
Fátima: Relatei o projeto de lei em março de 2008. Mas até agora ele não pôde ser votado sequer na Comissão de Assuntos Sociais por causa de pedidos de vista e votos em separado feitos por alguns senadores. A verdade é que esta proposta tem enfrentado grande rejeição por parte de parlamentares que compõem a Frente Evangélica no Congresso, que são contra sua aprovação.

E o que esses políticos dizem sobre a violência gerada pela homofobia?
O Congresso Nacional é reflexo da sociedade. Como boa parte dos brasileiros tem preconceito, muitos têm receio político de se posicionar na defesa dos direitos humanos, sobretudo de homossexuais. O Congresso é muito homofóbico.

Por quê?
Por causa das próprias atitudes dos parlamentares. Aqui mesmo no Congresso é comum a gente ouvir piadas sobre a orientação sexual de deputados e senadores.

Quais as principais consequências da demora na aprovação desta lei?
Como não existe punição para quem age de maneira homofóbica no Brasil, o preconceito não para de aumentar. E está ficando cada vez mais violento. Uma das principais consequências dessa falta de punição é o isolamento de lésbicas, gays e travestis, que estão ficando cada vez mais limitados a guetos na sociedade.

Como a senhora vê a homofobia nas salas de aula?
Esse problema é gravíssimo porque aumenta a violência nas escolas e a evasão escolar. Hoje em dia, para um homossexual sobreviver na escola, é preciso que tenha muita determinação e força de vontade, porque o preconceito é muito grande. Mas nem sempre isso é suficiente. Se um aluno homossexual é perseguido no colégio, a tendência é que ele não volte nunca mais. Por isso é importante que os professores estejam preparados para lidar com situações como essa.

Muitos homossexuais dizem que não conseguem ingressar no mercado de trabalho. A senhora acredita que esta dificuldade está atrelada à homofobia?
Não há dúvidas de que sim. Se pessoas com alta preparação têm dificuldade para conseguir um emprego, imagina um homossexual que não consegue concluir sequer o Ensino Fundamental! Esse é o caso de muitos gays e lésbicas que abandonam a escola antes de concluir os estudos por causa da perseguição que sofrem.

A senhora acha que a homofobia é mais grave nas favelas e subúrbios?
O preconceito está em todo lugar. Mas nas favelas e periferias, a homofobia é ainda maior. É onde ela se apresenta da forma mais violenta. É também onde ela é mais consentida pela população, que finge não ver o que está acontecendo.

O que fazer para conseguir reverter este quadro?
A homofobia é uma questão cultural, que só será superada com educação. A escola tem um papel fundamental no processo de superação dessa questão. Mas nós já atingimos um patamar tão grande de violência que só a educação não resolve. Por isso insistimos na criminalização da homofobia."


http://odia.terra.com.br/portal/brasil/html/2009/9/entrevista_o_congresso_e_muito_homofobico_34764.html

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