No entanto, abordagens sobre a questão específica do envelhecimento de lésbicas, gays, travestis, transexuais apenas se esboçam.
Dia 24 último, o Reverendo Márcio Retamero publicou no sítio de A Capa o seu artigo Os Idosos Gays, onde problematiza as implicações sociais do envelhecimento sobre os homossexuais.
Como informa o reverendo, o ativista Ricardo Aguieiras ano passado abriu e coordena um grupo de discussão no yahoo chamado coroas glbt, a partir de discussões havidas na listagls. Nessa oportunidade, se tentava chamar atenção para o problema, para a a gravidade da questão, pensar iniciativas, aglutinar interessados e pesquisadores - era o contexto da preparação para as conferências estaduais de Políticas Públicas para lgbts.
Na mesma listagls, já em 2001 este assunto teve abordagem. Como se pode verificar a partir dos dados da realidade,lamentavelmente não se obteve avanços.
A Conferência Nacional para Políticas Públicas GLBT, também realizada em 2008, não pode portanto contar com um acúmulo em termos de pesquisas e experiências, como é o caso, por exemplo, da questão da homofobia nas escolas e da violência homofóbica fora dela (instituções do Estado, família, vizinhança, ambientes públicos).
Se tomarmos o que sabemos da realidade com que a população de idosos em geral tem que lidar, o quadro não é nada alentador.
Por exemplo, nem mesmo nas áreas das grandes capitais do país existem Instituições de Longa Permanência públicas. As que há, além de insuficientes para atender a demanda, são todas particulares e, caras! As de caráter filantrópico e/ou que disponham de vagas destinadas ao SUS, nossa!, é como procurar agulha no palheiro. Uma prática comum nas desse tipo é a retenção do valor da aposentadoria do idoso, sob o argumento de cobertura de alguns dos gastos com a sua manutenção.
É certo que temos algumas coisas com as quais contar e se alegrar: o Estatuto do Idoso, uma melhor e mais eficaz fiscalização das instituições existentes, a recente notícia da construção do prédio que abrigará definitivamente a 1ª Delegacia do Idoso na cidade do Rio de Janeiro, no bairro de maior densidade populacional de velhos, que é Copacabana - a existente, no mesmo bairro, foi instalada de forma precária.
Também é possível (nos grandes centros urbanos) se perceber um movimento de busca da profissionalização dos Cuidadores.
No entanto, discussões de fundo sobre as implicações do envelhecimento entre gays, lésbicas, travestis e transexuais não são ainda recorrentes, comparativamente aos idosos em geral. Muito menos institucionalizadas!
Via de consequência, iniciativas concretas também não se conhece - centros de convivência e lazer; programas de recreação, turismo e atividades físicas; hotéis, hospedagens e albergues de curta permanência - longa, então, ainda é sonho futurista! - Seja de qual área for - pública, privada (lucrativas ou filantrópicas), cooperativada, mutualista, parceria público-privada...
Como sintoma da questão cultural a ser enfrentada (e superada), a participação de delegados lgbt na Conferência Nacional da Pessoa Idosa foi recebida pelos demais delegados (profissionais e demais pessoas ligadas a questão do envelhecimento) de forma preconceituosa e segregacionista.
O curso de formação de Cuidadores de Idosos, ministrado pela Cruz Vermelha Brasileira em sua sede, no Centro do Rio de Janeiro, nenhuma menção fazia ao idoso lgbt, suas especificidades.
Nas parcas instituições de longa permanência existentes, nenhuma sensibilização humanitária para esta peculiaridade é percebida.
Os instrumentos normativos em vigor, como o próprio Estatuto do Idoso, são muito eficientes em estabelecer as responsabilidades (graves e sérias) da família no cuidado dos velhos, no entanto, não provê esta família dos mecanismos necessários para que ela cumpra com o seu papel.
Por outro lado, sabe-se que o segmento lgbtt tende a ser objeto de forte segregação por parte da família consanguínea.
Do mesmo modo, é de amplo conhecimento que, em razão da condição de pária sóciojurídico que lhe é destinada pela comunidade nacional, seus vínculos de conjugalidade tentem a ser frágeis, raramente conseguindo atravessar as décadas e prover os parceiros reciprocamente da segurança sócioafetiva, do cuidado, tão mais necessários nessa fase da vida.
Tais dados de realidade levam à hipótese de que, ao envelhecerem, os idos@s homossexuais são confrontados outra vez com a necessidade de ocultarem parte importante de suas identidades, como forma de se protegerem da segregação e violência - seus tão grandes conhecidos. E é aí então que surgem as perguntas:
Em que condições, em termos de acessibilidade a mecanismos de proteção social, esses idosos enfrentarão e estão enfrentando as naturais reduções da capacidade funcional? A osteoporose, a hipertensão, os problemas de origem circulatória e cardiológica, a redução da capacitade de locomoção e do vigor físico?
- Como atravessarão e atravessam desafios como as múltiplas formas de demência senil, inclusive (mas não apenas) o Alzheimer?
O desafio que está a nos exigir enfrentamento não é pequeno. Os dados estatísticos dão a sua magnitude.
O IBGE estima que a população com 60 anos ou mais em 2020 será de cerca de 28,3 milhões. Tomando a estimativa de Kinsey ainda vigente, que supõe a taxa de 10% para os homossexuais de ambos os sexos, temos a projeção de que a população de idosos homossexuais (lgbtt) será de dois milhões, oitocento e trinta mil (2.830.000) brasileiros.
Apenas 10 anos depois, isto é, em 2030, a previsão é de 40.500.000, com 4.050.000. Isso representa um incremento de um milhão, duzentos e vinte mil (1.220.000) na população de idosos lgbt em parcos dez anos!
Se para o ano 2000 a taxa foi de 13 milhões e 900 mil - correspondendo a um milhão, trezentos e noventa mil velhos gays, lésbicas, travestis e transexuaiis com 60 anos ou mais no Brasil, para o ano que vem (2010), isto é, daqui há dois meses, o índice projetado é de 19 milhões e 30 mil, dos quais um milhão, novecentos e trinta mil (1.930.000) seriam homossexuais.
Em termos percentuais, do total da população, representam: 2020 - 13,70% e 1,37%, respectivamente; 2030 - 18,70% e 1.87%; 2000 - 81% e 8,10%; 2010 - 10% e 1%.
Segundo ainda o IBGE,
"a discussão da nova realidade demográfica brasileira é cada vez mais urgente, no sentido destas questões serem levadas em consideração no planejamento e reformulação das políticas social, econômica e de saúde."
- E o que é que nós, hoje, podemos concretamente fazer a respeito?
- É impossível o desenvolvimento de ações solidárias, fruto de iniciativas da própria comunidade?
No início da pandemia da Aids, quando a doença era tratada como "peste" e "câncer gay", a comunidade glbtt foi capaz de iniciativas geradoras de grande orgulho cívico, como a Casa de Brenda Lee (ver o livro do Trevisan, Devassos no Paraíso).
O coletivo de gays, lésbicas, travestis e transexuais brasileiro foi capaz de enfrentar o HIV e todo o imaginário preconceituoso e estigmatizante, dar mostras de compromisso social e construir o melhor programa mundial de distribuição de medicamentos e diversos mecanismos de proteção social - de iniciativa e custeio individual e/ou comunitário; geridos pelas ongs lgbt e custeados com recursos públicos; geridos e financiados pelo poder público.
- Será quanto tempo vai levar para que se inicie uma igual demonstração de iniciativa, criatividade e sentido de solidariedade?
- Quanto tempo para que o segmento, tido como de alto poder aquisitivo, demonstre que pode, deve e sabe se comprometer com os destinos de seu coletivo como um todo?
Uma comunidade foi aberta no Orkut com o objetivo de reunir pessoas interessadas em pensar este importante problema social de forma proativa. Chama-se Velhice entre LGBTs. Se você entende que este é um assunto cujo enfrentamento também é da sua conta, apareça por lá.
Bibliografia de base:
Arquivos da listagls no yahoo, de propriedade de Roberto Warken.
Os Idosos Gays. Reverendo Márcio Retamero. A Capa, 24 09 09.http://www.acapa.com.br/site/noticia.asp?codigo=9332&titulo=Os+Idosos+Gays
A Dinâmica Demográfica Brasileira e os Impactos nas Políticas Públicas. IBGE. http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/indic_sociosaude/2009/indicsaude.pdf
As informações sobre instituições de longa permanência foram obtidas em pesquisa realizada entre fins de 2008 e primeiros meses de 2009, em razão de necessidade familiar da autora.
5 comentários:
Rita,
apesar desse ser o meu mote, não sou muito otimista, exceto se o quadro mudar num futuro médio. eu faço o que posso. Estou desenvolvendo vários projetos com o Casarão Brasil - SP, como o do Coral de Idos@s LGBT, recitais de poemas LGBT, cursos de dramaturgia que administro, além do Monumento ao Edson Néris ( que nada tem a ver com iso... risos). Mas vejo que a própria comunidade LGBT não se interessa: outro dia estive num aniversário de uma ong de trans, foi legal, cheio de gente famosa e personalidades, mas ninguém falou em envelhecimento. E, quando se fala, quase sempre é na questão "saúde", que é importante, mas não é apenas isso. Então, a gente acaba fazendo coisas só. A maioria, mesmo @s LGBT, não enxerga que há particularidades no nosso caso, uma pena por que seria mais uma grande contribuição que daríamos à discussão do envelhecimento. Recentemente participei de um documentário sobre gays idosos e a construção da memória homossexual, cruzei com alguns sobreviventes, mas até encontrá-los foi muito difícil. Ainda está em fase de montagem, quando ficar pronto eu te aviso. Mas vamos seguindo e com mais força. Beijos e parabéns por tocar em tão dolorido assunto...
Puxa, Ricardo, com estas notícias que você me traz aí de São Paulo, do que anda conseguindo realizar, sinto-me cheia de alegria e esperança!
Também fiquei super feliz em saber da criação da Câmara de Comércio - produto da ação do presidente da associação Casarão Brasil, o Douglas Drumond, de cujas iniciativas você já me havia falado.
Creio que a partir dessas iniciativas, consigamos ver surgirem outras, estas funcionando como núcleos inspiradores, dinamizadores, CONTAGIANTES!
Ah, você comenta que envelhecimento não é apenas falar em doenças. - Concordo e penso ter conseguido compreender o que você quis expressar. E sei bem a importância do lúdico, da construção de espaços de sociabilidade.
No entanto, amigo, a questão da redução e perda da autonomia física e mental, é barra! - E esses idosxs lgbtts com tais limitações estão por aí, sabe-se lá padecendo quais humilhações, segregação, silenciamento.
Os velhos e velhas que ainda podem contar com boa funcionalidade física e mental, de algum modo encontram, desenvolvem mecanismos de defesa.
E aquelxs que estão com tais funcionalidades comprometidas? O que é feito delxs?
Você tem razão. Muita! Estou levando para o Casarão também um projeto para palestras sobre saúde para isos@s LGBT. Precisamos de isonomia. Se eu conseguisse sensibilizar o Serra, já que ele abriu um ambulatório para travestis e transexuais, em começar algo com idos@s LGBT...
Hoje é o Dia Nacional do Idoso...01/10... me sinto super triste, por que todas as manchetes e notícias que leio, hoje, o quadro não é nada otimista... imagine @ LGBT idoso, então... pior, se comentar isso com alguém, as pessoas me olham boquiabertas, como se eu falasse russo... Beijos da bicha paulistana velha,
Ricardo
Querido, Ricardo,
veja o texto que postei hoje, 01/10, abordando justamente este aspecto e, depois, comente!
Beijos emocionada.
Rita
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