Relação entre abrigos e organizações religiosas aumenta preconceito ao público LGBT
A rua é ainda mais inóspita para esse público
Marcos Roberto Garcia
(Folha de São Paulo - 13/02/2011 - 12h15, via Agência de Notícias da Aids via Twitter @Louise Stern)
Além da violência nas calçadas,
acolhida é dificultada por limites
de caráter religioso da maioria dos albergues
O crescimento do número de pessoas LGBT em situação de rua nas grandes cidades brasileiras é claramente percebido por quem trabalha com este segmento.
E não é um fenômeno exclusivamente nacional, pois pesquisas com jovens em situação de rua em grandes cidades americanas mostram que cerca de 20% deles se identificam como LGBT e outras, feitas no Reino Unido e na Austrália, apontam o mesmo crescimento.
As explicações "estrangeiras" para este crescimento são compatíveis com as observadas recentemente em pesquisa com este segmento.
Uma das principais refere-se à homofobia no contexto familiar e comunitário, especialmente aquela direcionada aos jovens efeminados e às jovens masculinizadas, que faz com que estes sejam expulsos de casa ou se separem cedo da família ou cidade de origem, em busca de maior liberdade.
Neste processo, o apoio familiar em situações de crise financeira também é interrompido, levando muitos à situação de rua.
A homofobia no contexto escolar, levando ocasionalmente à evasão da escola, e no ambiente de trabalho, dificultando a empregabilidade, também contribuem para o processo de pauperização para jovens LGBT.
Soma-se a estas dificuldades o fato de alguns destes jovens, no processo de rompimento com as barreiras familiares, acabarem por mergulhar em drogas ilícitas.
Se a busca por maior liberdade frente à expressão da sexualidade deve ser vista como positiva, o aumento da vulnerabilidade ao abuso de drogas que por vezes a acompanha deve ser visto cuidadosamente pelas políticas voltadas a este segmento.
A dificuldade das instituições voltadas à população de rua em lidar com jovens LGBT sem-teto deve-se ao fato da maior parte destas instituições serem ligadas a organizações religiosas, onde a homossexualidade é muitas vezes fortemente criticada.
Outro fator relaciona-se à dificuldade por parte de gestores e funcionários de albergues em lidar com um segmento (felizmente) bastante sexualizado. Se a cama é para dormir e o banheiro para tomar banho, seu uso para outros fins é visto frequentemente como um desrespeito à finalidade do albergue.
Por este motivo, é imprescindível um investimento em formação junto aos funcionários destas instituições para um acolhimento da população LGBT de rua que respeite suas especificidades. Iniciativas como as de instituições específicas voltadas para este segmento também são muito bem-vindas, assim como o processo de reconhecimento crescente dos diversos estilos de homossexualidades populares por parte do movimento LGBT.
Em que pese o receio de que isto leve à formação de espaços segregados que acabem por contribuir para aumentar o processo de discriminação sofrida por esta população, experiências exitosas como a do Centro de Referência da Diversidade, na capital paulista, mostram que estas podem ser iniciativas importantes no processo de conquista da cidadania plena por parte destas pessoas.
Marcos Roberto Vieira Garcia é doutor em psicologia social pela USP, professor da UFSCar e coordenou pesquisa científica sobre moradores de rua gays
Fonte: Folha de S.Paulo
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