domingo, 10 de julho de 2011

Toda desinformação é um retrocesso à luta contra a discriminação

A semana foi marcada, no segmento LGBT, por grandes preocupações e desconfianças quanto ao processo de diálogo empreendido pela Senadora Marta Suplicy, com vistas a construção de consenso mínimo capaz de viabilizar a efetivação da proteção assegurada constitucionalmente a lésbicas, gays, travestis e transexuais.

Os evangélicos e cristãos fundamentalistas promoveram ao longo da tramitação do projeto de lei da Câmara que visa implementar a determinação constitucional impeditiva de práticas discriminatórias e preconceituosas, o PLC 122/2006, uma campanha feroz, mentirosa e eficaz contra a aprovação do projeto.

Satanizado, impregnado de deturpações disseminadas de má fé, a maioria da população foi atingida pela campanha fundamentalista, ao ponto de profissionais da comunicação reconhecidos como bem informados manifestarem-se expressando a mesma opinião deturpada construída e divulgada pelos cristãos obscurantistas.

Trata-se de ação política que não é nova. Já desde a formulação de sua demanda por dignidade, respeito e não-discriminação, apresentada perante os constituintes em 1987, gays, lésbicas,, travestis e transexuais foram alvo da reação desse grupo. 

Reunidos no chamado "centrão", a representação parlamentar do que havia de mais conservador, obscurantista, autoritário e fisiológico na sociedade brasileira conseguiu impedir que figurasse no texto final da Constiuição a caracterização da discriminação e do preconceito como crimes inafiançáveis, como tambem impediu que figurasse, no preâmbulo da Carta Republicana, o compromisso explícito com a equitativa distribuição da riqueza nacional.

Agosto de 1987, 1º Substitutivo – Comissão de Sistematização
Presidente Afonso Arinos – Relator: Bernardo Cabral
http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-235.pdf

Os representantes do povo brasileiro, reunidos, sob a proteção de Deus, em Assembléia Nacional Constituinte, afirmam, no preâmbulo desta Constituição, o seu propósito de construir uma grande Nação baseada na liberdade, na fraternidade, na igualdade, sem distinção de raça, cor, procedência, religião ou qualquer outra, certos de que a grandeza da Pátria está na saúde e felicidade do povo, na sua cultura, na observância dos Direitos fundamentais da pessoa humana, na equitativa distribuição dos bens materiais e culturais, de que todos devem participar. Afirmam, também, que isso só pode ser obtido com o modo democrático de convivência e de organização estatal, com repulsa a toda forma autoritária de governo e a toda exclusão do povo do processo político, econômico e social.

§ – Todos são iguais perante a Constituição, a Lei e o Estado, sem distinção de qualquer natureza. Serão consideradas desigualdades biológicas, culturais e econômicas para proteção do mais fraco.
§ 5º – A lei punirá como crime inafiançável qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais, sendo formas de discriminação, entre outras, subestimar, estereotipar ou degradar pessoas por pertencer a grupos étnicos ou de cor, por palavras, imagens ou representações, em qualquer meio de comunicação.

Conhecemos bem o grau de conservadorismo de nossos grupos de poder nacionais. Conhecemos o seu descompromisso com a distribuição de renda, com a autonomização dos segmentos subalternizados, tanto quanto a sua aliança com a ideologia coronelista, predatória, saqueadora, que atua para fazer permanecer o grau de precariedade educacional e cultural da população. Mas precisamos seguir realizando o enfrentamento, dando continuidade à luta pela promoção dos valores fixados em nossa Carta Federativa.

O texto final da Constituição da República não foi aquele que os setores mais progressistas, democráticos e republicanos desejavam. Foi o possível de ser construído naquela correlação de forças conjuntural.

Lamentavelmente o hoje denominado movimento LGBT não foi capaz de construir uma base de sustentação capaz de respaldar sua agenda política.

No campo Legislativo temos permanecido nas cordas, imobilizados pelos golpes sucessivos do discurso obscurantista do bloco fundamentalista.

Integrantes desse segmento, porém, tem se utilizado do discurso de fachada, afirmando que são solidários à luta dos LGBTs contra a violência; que o que eles querem é apenas que seja assegurado o direito de se manterem fiéis a seus dogmas religiosos, de expressar "o que diz a Bíblia".

A Senadora Marta Suplicy então vem testando o grau de verdade que existe efetivamente nesse discurso. À semelhança de sua antecessora, a deputada Fátima Cleide, tem empregado todos os esforços democráticos na escuta das reivindicações desse grupo de opositores, na tentativa de construção de um texto que garanta a vida, a dignidade e a integridade de gays, lésbicas, travestis e transexuais.

Eu continuo acreditando nessa parlamentar que, desde meados da década de 1990, tem apoiado e encaminhado nossas demandas.

E não se diga que a Senadora Marta atua em busca de votos do segmento LGBT - porque é uma insustentável leviandade.

Todos sabemos que, bem ao contrário, defender os direitos dos LGBTs implica perdas de eleitores - sobretudo no atual contexto, onde prevalece essa onda fundamentalista, medieval. Tanto que a Presidenta Dilma adotou um discurso ambíguo e conservador durante a campanha, indo mesmo em busca dos votos desses setores mais obscurantistas, visitando pastores e templos religiosos, participando de cultos, renegando vir a sancionar lei reconhecendo os direitos de LGBTs.

Todos sabemos que a população de gays, lésbicas, travestis e transexuais no Brasil não vota a partir da consciência da opressão de orientação sexual e de identidade de gênero. Sequer aquelxs que ocupam cargos em comissão, decorrente da incorporação de setores do movimento onguista, movem-se a partir dessa consciência política - seja em termos táticos ou estratégicos.

O fato de ser integrado por pessoas portadoras de todos os modos de pensamento, visão de mundo, classe, posição social, rede de contatos, interesses pessoais/profissionais, raça, etnia, religião, geração, origem, bagagem sociocultural etc inviabiliza qualquer pasteurização monolítica - não existe uma comunidade LGBT entre nós, brasileiros.


Penso que é importantíssimo a quantos queiram colaborar positivamente na construção da viabilidade dessa lei, que enviem suas contribuições - seja para o gabinete da Senadora, seja para a ABGLT, seja para a Frente Parlamentar Para a Cidadania LGBT.

Afinal, este é um país democrático e republicano e é imprescindível a participação de todos e todas na construção dos destinos nacionais.

No entanto, promover críticas levianas, irresponsáveis, inconsequentes, disseminadoras de mais desinformação - à semelhança do bloco fundamentalista -, contribui para que? Ajuda a quem?

Repito uma vez mais a fala da Senadora: 

Toda desinformação é um retrocesso à causa por um Brasil que respeite a diversidade.

Por isso, minha mensagem a todos os setores LGBT, movimentos civis, grupos partidários e comunidades é para que atentem para os fatos e defendam a verdade.

A construção de direitos é tarefa árdua.

Sigamos no caminho que fortalece a justa luta em prol de direitos que sistematicamente têm sido negados pelo Legislativo. A luta que fortalece a democracia.
- Trecho da Nota pública de esclarecimento da Senadora Marta Suplicy

Setembro de 1987, 2º Substitutivo – Comissão de Sistematização
Presidente Afonso Arinos – Relator: Bernardo Cabral
http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-235.pdf

[...] este trabalho é resultado do esforço e da convicção pessoais do Relator que, produzindo-o e abraçando-o, assume as inerentes responsabiildades e se expõe ao julgamento histórico. Mas por ser pessoal, nem por isso é personalista. Bem antes, aqui têm Vossas Excelências um resultado aturado por tudo quanto procurei de todos haurir: a leitura das emendas, as discussões com os Constituintes e as bancadas, os debates com representantes dos demais Poderes, as audiências com variados segmentos da sociedade, a atenção, enfim, a tudo que pudesse significar representação da opinião nacional.
[...]Seguindo o rumo que o constitucionalismo tem modernamente sugerido, o texto é aberto com o estabelecimento dos princípios, direitos, liberdades e garantias fundamentais. Depois de tantas décadas de Constituições voltadas precípuamente para a estruturação do Estado e de suas prerrogativas, tem-se, nas mais recentes Leis Magnas, outorgado preponderância à Carta de Direitos do indivíduo, assim relembrando, sugestivamente, ser ele o ponto de partida e de chegada de uma ordem jurídica efetivamente justa. Destaque-se ter sido no Projeto eloquentemente enriquecido, em número, quantidade e mecanismos assecuratórios, o estatuto dos direitos básicos, quando se faz o confronto com o ora vigente.
[...]
O resultado final foi um texto tanto quanto possível conciso. No entanto, inevitavelmente mais extenso que o desejável, seja pelos ditames culturais tipicos da nossa história, seja pela complexidade de nossos reclamos e problemas, seja, ainda, pelo grau do desmoronamento institucional que este Projeto tem a tarefa de corrigir.

Preâmbulo:
Os representantes do povo brasileiro, reunidos, sob a proteção de Deus, em Assembléia Nacional Constituinte, afirmam o seu propósito de construir uma grande Nação baseada na liberdade, na fraternidade, na igualdade, sem distinção de raça, cor, sexo, procedência, religião ou qualquer outra, certos de que a grandeza da Pátria está na saúde e felicidade ao povo, na sua cultura, na observância dos direitos fundamentais da pessoa humana, na proteção especial à criança e ao adolescente, na equitativa distribuição dos bens materiais e culturais. Afirmam, também, que esse propósito só pode ser obtido com o modo democrático de convivência e de organização estatal, com repulsa a toda forma autoritária de governo e a toda exclusão do povo do processo político, econômico e social.
Dos princípios fundamentais
Art. 3º - São objetivos fundamentais do Estado:
III - promover a superação dos preconceitos de raça, sexo, cor, idade e de outras formas
de discriminação.
Dos direitos e liberdades fundamentais
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
§ 5º - É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato e excluída a que incitar à violência ou defender discriminação de qualquer natureza. É assegurado o direito proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral, ou à imagem.
§ 6º - É inviolável.a liberdade de consciência e de crença, assegurado o livre exercício dos cultos religiosos que não contrariem a ordem pública e os bons costumes, garantida aos locais de culto e a suas liturgias particulares a proteção, na forma da lei.


3 comentários:

Rita Colaço disse...

Divulgado no Twitter:
MartaSenadora Marta Suplicy

Na próxima terça (12), a Frente Parlamentar Mista pela Cidadania LGBT se reúne no Senado para tratar do PLC 122. #EquipedaMarta

Rita Colaço disse...

Carlos Tufvesson
RT @Andre_Fischer: @MartaSenadora e @jeanwyllys_real discordam s/ rumos do PLC122 no CBN MixBrasil 22h na CBN. Tb Divas eletronicas da cena

Rita Colaço disse...

Acabo de ouvir as falas da Senadora Marta Suplicy e do Deputado Jean Wyllys, no programa Mix Brasil da rádio CBN.

Pareceu-me bastante apropriada a intervenção do deputado, para que a discussão promovida pela senadora inicialmente apenas com representante da bancada evangélica e ABGLT fosse ampliada, inserindo mais integrantes da Frente Parlamentar Mista pela Cidadania LGBT (acho que é esse o nome).

Destaco a posição defendida pelo deputado Jean Wyllys, que prefere que o projeto seja rejeitado ou fique sem ser votado, a aprovar um texto que não contemple a criminalização dos discursos de ódio.

Entretanto, não foi isso que li na proposta da senadora Marta. Na minha leitura ela apenas havia resguardado posições religiosas no interior dos templos religiosos.

Terça-feira, dia 12, ela se reunirá com a Frente Parlamentar.

- As conversações continuam. - Que bom!