domingo, 4 de setembro de 2011

É preciso estabelecer o confronto político-cultural diante dessa cruzada homofóbica

O texto a seguir é de autoria de Emiliano José e parte da postagem da edição 92, de 01/09/2011, do Teoria e Debate.org.

O articulado que nos apresenta o deputado federal pelo PT-BA e jornalista Emiliano José vai na mesma direção do que venho aqui demonstrando, procurando sensibilizar, chamar atenção para a gravidade desse avanço das forças integrantes do que há de mais obscurantista (Ver postagens a partir dos marcadores aqui neste blog, no final da página, entre eles as séries "ativismo - movimento - estratégia" e "projejo de poder evangélico - neopentecostais - fundamentalismo cristão - estado evangélico").

Os negritos no corpo do texto do deputado são de minha autoria.

Outro aspecto preocupante dessa disputa político-cultural que vem sendo realizada pelos evangélicos fundamentalistas ou neopentecostais é, ao meu ver, a visível indiferença com que os partidos e lideranças de esquerda, progressistas, comprometidos com os valores do estado republicano e constitucional tem destinado a esse escancarado projeto de poder. Indirefença tão radical ao ponto de levá-los a estabelecer alianças com esses setores, tornando-se por vezes suas vítimas, tendo o seu programa político-partidário contraditado por suas práticas.

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Exemplo mais emblemático nesse sentido foi o caso da Presidenta Dilma que, arbitraria e açodadamente, sem sequer buscar previamente conhecer o material, ouvir seus assessores, veio a público proclamar que havia determinado a suspensão do processo de produção do material paradidático a ser usado no programa Escola Sem Homofobia.

Mas ela não é caso isolado. O Partido Verde (PV), que historicamente havia se caracterizado por ações comprometidas com as liberdades civis em associação com a defesa da sustentabilidade, hoje é, dentre os partidos progressistas, o que mais apresenta projetos de lei que violam o princípio da absoluta separação entre igrejas e estado.

O altar da intolerância

A onda de violência contra LGBTs no país inteiro tem aumentado seu volume e intensidade, mostrando que há um ódio quase que fora de controle e feito vítimas, inclusive, heterossexuais
Estamos diante de uma luta político-cultural. Que envolve a trincheira dos valores morais, no sentido amplo da palavra. E é nesse terreno, no terreno da cultura, que se estabelece a hegemonia de uma sociedade. Essa batalha em torno de valores morais deu-se durante a campanha de 2010, com o impressionante ataque que o candidato derrotado, José Serra, fez contra direitos das mulheres brasileiras. Temos que desenvolver a luta política também no campo dos valores.
Não é possível qualquer conciliação com as consequências que a homofobia provoca. Ela é retrógrada e é politicamente perigosa, é caldo de cultura para o desenvolvimento de outras intolerâncias. Caminha na contramão de uma sociedade fraterna, solidária, que seja capaz de congregar a todos, sem a pretensão de que sejam iguais. A homofobia guarda parentesco com o racismo, com todo tipo de exclusão, com o ódio aos diferentes, com a repulsa aos direitos humanos, se coloca contra tudo que um programa político democrático-libertário defende.

 Não creio que aos partidos de esquerda, todos, adeptos do Estado laico, defensores da democracia e do socialismo, entusiastas da diversidade, do respeito às diferenças, seja possível ficar indiferentes à luta contra essa cruzada homofóbica, de corte tão conservadora e, não custa usar a palavra que parece antiga, tão reacionária. Essa cruzada nos leva de volta, como já disse, ao medievo trevoso. É preciso reagir politicamente a ela. Estabelecer o confronto, no sentido político-cultural. Opor a ela o Estado laico, o Estado de direito democrático, o direito da escolha das pessoas – todo mundo é livre para desenvolver sua orientação sexual, desde que não prejudique outra pessoa, e ponto.
O que fazer?
Se quisermos tratar as coisas no âmbito religioso, cabe proclamar abertamente que nenhuma religião tem o direito de impor seus valores a quem quer que seja. Nenhuma. Todas as religiões devem ser respeitadas. Todas têm o direito de defender os seus pontos de vista. Nunca de pretender que o Estado siga suas diretrizes. Nunca. Isso acabou já há muito tempo, e talvez possamos lembrar o marco da Revolução Francesa. O Estado democrático tem a obrigação de garantir a liberdade de crença, de todos. E tem a obrigação, também, como Estado laico, de não se submeter a nenhuma. Essa é uma característica do Estado moderno. Não podemos retroagir.

E depois de lembrar isso, defendo que é fundamental a luta dos partidos de esquerda e de todos aqueles que professam o respeito aos direitos humanos em favor da diversidade em sentido amplo, e do direito dos homossexuais, no particular, já que esses têm sido vítimas de tanta violência. O silêncio não é boa companhia nesses casos. E creio que a questão é muito séria para que nos deixemos levar apenas por razões circunstanciais – como a de dizer que a sociedade é conservadora, e que nós devemos tomar cuidado em relação ao assunto para não nos prejudicarmos politicamente. Um pouco de Iluminismo não faz mal a ninguém. Nessa luta, não dá para bancar Pôncio Pilatos.
Uma parcela da Câmara Federal, lamentavelmente, também entrou na cruzada homofóbica, e alguns movimentos parlamentares tiveram a marca da chantagem, sempre liderados por grupos religiosos de variada extração, todos de matriz cristã e envolvendo parlamentares de várias siglas partidárias. Eu não imaginava mais ver esse tipo de ação político-religiosa, pressões de credos religiosos pretendendo constranger o Estado a se curvar diante de suas crenças e convicções. E sei que há uma multidão de cristãos que não comunga com esse tipo de política.
Devemos proclamar que, à falta de iniciativa legislativa, foi corretíssima a decisão do STF de estender direitos a casais homossexuais. Devemos defender a criminalização da homofobia. Sustentar os direitos legítimos dos gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. Assim como defendemos os direitos das mulheres, dos negros, dos índios e de todo o povo brasileiro. Somos diversos, temos diferenças de variada natureza, e devemos saber respeitar e valorizar as diferenças, e com esse respeito, construir uma sociedade cada vez mais solidária, justa e fraterna.
O caminho do silêncio, da omissão política é grave. Ninguém que comungue do pensamento de esquerda ou, ao menos, que se perfile teoricamente numa visão iluminista do mundo, pode se dar ao luxo de ficar de braços cruzados, silente. É inevitável a lembrança de Maiakóvski.
         “Na primeira noite, eles se aproximam e colhem uma flor do nosso jardim, e não dizemos nada.
         Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada.
         Até que um dia, o mais frágil deles, entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada”.
A mim me basta, e creio que a todo o pensamento progressista e de esquerda, que o Estado continue laico, que se dê a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. É pouco: voltar à Revolução Francesa e a seus princípios fundadores. Só isso. Insista-se também: não é possível abrir mão da luta constante, permanente, cotidiana, em defesa da diversidade, do respeito às diferenças de qualquer natureza. Isso é da essência do pensamento democrático, da continuidade da afirmação da democracia. É uma luta própria da revolução democrática em curso no Brasil.
Emiliano José é jornalista, escritor, deputado federal (PT-BA) www.emilianojose.com.br, (emiljose@uol.com.br)

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