É notório o nosso traço cultural de não sermos afeitos a postura preventiva; ao planejamento do futuro; à cultura da poupança... Por igual a ausência do hábito de nos envolvermos de forma ativa, pragmática, com as questões coletivas.
Não faz parte de nossa "marca" enquanto povo o hábito de construção e/ou manutenção coletiva de instituições sociais - escolas, creches, abrigos, hospitais, clubes de lazer, fundos de ensino e pesquisa etc.
Estes foram traços que estiveram presentes até aproximadamente os anos 20 do século passado, época em que vigoraram as Sociedades de Socorro Mútuo, as Caixas de Assistência e Pecúlio, as Associações Beneficentes, de Amparo etc., instituídas seja por grupos nacionais (portugueses, italianos, espanhóis); irmandades religiosas e filosóficas (católicas, protestantes, espíritas, maçônicas etc.); ou por corporações de ofícios - legais ou não (Ourives, Prostitutas judias, marítimos, músicos, operários etc.).
Com o advento da previdência estatal e o crescente individualismo, perdeu-se, entre nós, a cultura de construção coletiva de respostas aos desafios sociais, numa perspectiva mutualista. Sobretudo pela dificuldade na permanência de características como cooperação e lealdade enquanto valores a serem cultivados.
Tornados cada vez mais estranhos à essa nova conjuntura, mas também sob a influência da característica jovem de sua população, iniciativas desses tipos de sociedades foram se tornando cada vez mais escassas.
Hoje, com o acelerado envelhecimento da população, observa-se igualmente o envelhecimento do segmento mais atomizado dentre ela: os indivíduos homossexuais, travestis e transexuais, cujos vínculos familiares foram costumeiramente rompidos, por conta do preconceito e estigmatização de que ainda tem sido objetos.
Pior do que a violência, que graças à iniciativa precurssora do Grupo Gay da Bahia, se dispõe desde os anos 80 do século passado de alguma estimativa, nem o Estado, nem os movimentos LGBTTs dispõem de qualquer mensuração sobre as características do envelhecimento desse grupo populacional - número de indivíduos, níveis de renda, redes de apoio, graus de escolarização etc.
O grupo "homossexual" mais antigo que se tem notícia - A Turma OK, no Rio de Janeiro -, na atualidade enfrenta uma situação bizarra que espelha a situação social desse coletivo. Devido à ausência de condições de acessibilidade (o imóvel onde a TOK encontra-se instalada não dispõe de elevador), seus sócios fundadores e de maior faixa etária encontram-se impossibilitados de continuar frequentando o espaço que ajudaram a criar; de desfrutar do convívio social com seus pares - seja da mesma seja de outras gerações, o que seria fundamental para a manutenção de sua saúde biopsíquica.
Assim, verifica-se o mais absoluto processo de invizibilização de idosos e idosas LGBTTs. Ninguém sabe onde estão, quantos são, como vivem.
Tenho procurado sensibilizar este segmento, com os recursos de que disponho - a rede mundial de computadores; a participação na I Conferência Nacional de Políticas Públicas para LGBT.
Entretanto, dado que a imensa maioria dos atores engajados no ativismo pertencem a gerações marcadamente mais jovens e/ou desfrutam de redes de proteção familiar, torna-se difícil conseguir obter a sensibilização necessária à construção - por estes sujeitos, em um movimento mutualista, cooperativo - de quaisquer mecanismos de proteção social para essa faixa etária - espaços de convivência, grupos de apoio, casas-lares etc.
Não consegui saber de nenhum ativista LGBTT que tivesse participado da Conferência Nacional da Pessoa Idosa, realizada em 2011, como igualmente não soube de nenhuma deliberaração voltada a este segmento geracional, na II Conferência Nacional de Políticas Públicas para LGBT. Veja aqui o que foi aprovado no âmbito estadual na II CEPP-LGBT/RJ.
Diante dessa aparente desmobilização, vejo que os movimentos LGBTTs não demandaram nenhuma cota para a população LGBTT no Programa Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, como existe para idoso em geral e para o deficiente físico.
Perdeu-se e perde-se, por exemplo, uma excepcional conjuntura favorável existente tanto no governo federal, comm a destinação de linha de financiamento específica, quanto no Estado do Rio de Janeiro, que dispõe de organismos de defesa LGBT estadual e municipal, já tendo inclusive o Estado do Rio inaugurado um projeto de condomínio geriátrico assemelhado ao que venho daqui defendendo, lamentavelmente sem que contasse com nenhuma cota para o segmento LGBT - os beneficiários, inclusive, segundo noticiado, seriam escolhidos por sorteio, o que a mim me afigura enorme perversidade.
Teria sido, de meu ponto de vista, uma importante conquista social para gays, travestis, transexuais e lésbicas em condições de vulnerabilidade social.
Na única reunião a que fui convidada a participar junto à CEDS-Rio abordei este tema. Foi dito que os órgãos de assistência social juntamente com a Coordenadoria tentariam dimensionar o público-alvo.
Como nenhum informe é repassado aos membros do Conselho - nem mesmo os seus nomes figuram na página da Coordenadoria -, tampouco se verificou a convocação a qualquer outra reunião, fica-se sem saber a quantas anda a questão no nível de governo municipal. - A se examinar a página oficial da CEDS-Rio, fica-se com a impressão que a Coordenadoria apenas tem se dedicado à promoção de festas e algumas campanhas publicitárias contra a homofobia, o que é lamentável.
No governo estadual, levou-se seis anos para a inauguração do Disque-Denúncia e dos Centros de Referência (três, se não me engano).
Este ano de 2012 teremos eleições municipais. É provável que o atual prefeito se candidate à reeleição... Bem que o segmento LGBTT do Rio poderia inserir esta reivindicação - o compromisso com a criação de espaço de socialização e moradia que contemple a população LGBT - a ser apresentada a todos os candidatos, não?
Referências
COLAÇO, Rita. Os efeitos da estigmatização e a importância estratégica de incentivo à formação de grupos de convivialidade como geradores de proteção social e valores comunitários, a partir do depoimento de uma ex-fundadora do GAAG. II Encontro Nacional Universitário sobre Diversidade Sexual (ENUDS), UFPE, 03 a 07 de setembro de 2004.
_________. Poder, Gênero, Resistência, Proteção Social e Memória: aspectos da socialização de “lésbicas” e “gays” em torno de um reservado em São João de Meriti, no início da década de 1980 [dissertação de mestrado]. Niterói: UFF/ESS–PPGPS, 2006.
Disponível em: http://www.bdtd.ndc.uff.br/;
Referências
COLAÇO, Rita. Os efeitos da estigmatização e a importância estratégica de incentivo à formação de grupos de convivialidade como geradores de proteção social e valores comunitários, a partir do depoimento de uma ex-fundadora do GAAG. II Encontro Nacional Universitário sobre Diversidade Sexual (ENUDS), UFPE, 03 a 07 de setembro de 2004.
_________. Poder, Gênero, Resistência, Proteção Social e Memória: aspectos da socialização de “lésbicas” e “gays” em torno de um reservado em São João de Meriti, no início da década de 1980 [dissertação de mestrado]. Niterói: UFF/ESS–PPGPS, 2006.
Disponível em: http://www.bdtd.ndc.uff.br/;
SILVA JR., Adhemar Lourenço da. As sociedades de socorros mútuos: estratégias privadas e públicas (estudo centrado no Rio Grande do Sul–Brasil, 1854-1940). Tese [Doutorado em História]. PUC-RS, FFCH Disponível aqui.
Um comentário:
Postaram hoje no FB:
"Abandono e preconceito obrigam idosos moradores de asilos brasileiros voltarem para o armário
Neto Lucon (revista Junior/13)
“No asilo não tem nenhum gay, querido. É só velho, mesmo”. “Não, não trabalhamos com homossexuais”. “São senhoras muito religiosas, nenhuma lésbica, muito menos bissexual”. “Se tem algum gay aqui, ninguém nunca falou nada”. “Homossexual? Não temos, ok? Tchau”.
Foram mais de 100 ligações telefônicas e doze visitas a 40 asilos, casas de apoio, repouso, albergues e abrigos de São Paulo na busca por um gay idoso, foco desta reportagem. Apenas um abrigo declarou que um gay morava lá. Outro disse que um homossexual morador precisou voltar ao armário por sofrer preconceito de outros moradores.
Muitas atendentes, secretárias e responsáveis por serviços assistenciais, durante o contato, deram a entender que a procura era avaliada com desconforto, trote e até chacota. Como se idosos não pudessem ser gays. Como se gays não ficassem velhos. E como se idosos não sentissem desejo sexual. Puro preconceito."
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