Violência contra travestis é menor em grandes centros, mas corre solta no país
(Republicação da matéria originalmente publicada no síito Sul21 em 13/07/12 | 11:42)
Da Redação
Há muitos anos o estado do Pará é grande exportador de travestis para
fins de prostituição, especialmente para capitais como São Paulo,
Goiânia, Curitiba e Brasília e os seus arredores. Os clientes paulistas
contam, inclusive, com casas formadas por “garotas” somente de Belém, a
capital paraense. No passado, o tráfico das travestis era majoritário no
deslocamento para essas localidades. No entanto, hoje já caiu para 50%
dos casos.
A secretária do Conselho Estadual de Diversidade Sexual do Pará,
Symmy Larrat, também representante do Grupo de Resistência de Travestis e
Transexuais da Amazônia (Gretta), explica que o aliciamento é menor em
sua região porque as próprias travestis, vítimas de cruel preconceito no
seio familiar e em toda a sociedade, enxergam na partida e na
consequente entrada para o mundo da prostituição a melhor saída para as
suas vidas.
“Por mais que elas saibam as mazelas que enfrentarão, preferem essa
vida porque o retorno financeiro é muito bom. Noventa por cento delas
progridem”, afirma Symmy. Segundo ela, algumas voltam para Belém,
compram casa e carro, deixam evidente o salto de qualidade que deram a
suas finanças, e isso estimula a prática na região. Há estimativa de que
cerca de 150 travestis deixem a cidade por ano.
Nos grandes centros, onde a prática da prostituição é vastamente
visada pela polícia a exploração das travestis já não está associada à
violência, como se tem conhecimento. As ‘meninas’ ficam nas casas,
recebem um ponto para trabalhar na rua e a segurança local. A questão do
pagamento a cafetinas ou cafetões é variável. “Em Recife, por exemplo, é
preciso pagar R$ 120 por semana pelo ponto. Já no Pará, o ponto não
custa nada”, relata Symmy. Cobrar pelo ponto é ilegal. É crime no Brasil
explorar e obter vantagem da prostituição.
O que agrava a situação é a relação da cafetina com seus
companheiros, em geral, traficantes de drogas. Muito próximos das
travestis, acabam colaborando para que elas se viciem. O que as leva ao
vício também é o endividamento, geralmente causado pela compra de
prótese de silicone para as mamas e do silicone industrial para demais
partes do corpo. “O uso exagerado do silicone é resultado da exigência
do mercado”, diz Symmy, destacando que é uma atitude sem limites. E
quando há dívida, se não há pagamento, há espancamento. De qualquer
forma, o endividamento das travestis é o que dá lucro aos criminosos.
Ainda que nas grandes capitais não haja relatos de tanta exploração
por parte da representante da Gretta, nas pequenas localidades ou até em
cidades grandes, porém afastadas dos centros, a realidade é a clássica
do tráfico humano: aliciamento, traslado e trabalho escravo, com
retenção de documentos, o que caracteriza a servidão. “Há muitos e
muitos lugares com essa característica, com todos os requintes de
crueldade”, revela Symmy.
O que leva as travestis a se submeterem ao tráfico humano é o
preconceito. Para Symmy, a ausência de políticas públicas também as leva
às ruas. A ativista relata o caso de uma travesti de 17 anos que lhe
telefonou esta semana para pedir orientações sobre como agir daqui a um
ano porque o pai já avisou que ela será expulsa de casa. “O pai não quer
fazer isso antes dos 18 anos de idade, por causa da responsabilidade
com a menor, mas depois vai lavar as mãos”, conta. Para ela, esse é um
exemplo clássico do preconceito. Sem aceitação na própria família não há
o que esperar da sociedade. “E essa garota vai certa para o caminho da
prostituição.”
A Gretta entregou um documento para a CPI das Travestis, que
investiga na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) a migração das
“garotas” de São Paulo para o Pará, num sentido inverso ao conhecido. A
contribuição dada para o debate pela entidade é o alerta de que é
preciso criar políticas públicas para minimizar essa “grave questão
social”, que é o tráfico das travestis. O documento sugere a autorização
do uso do nome social nas escolas, a possibilidade de as travestis
aderirem aos programas sociais e a regulamentação da profissão.
Symmy espera que a proposta de lei para regulamentar as casas de
prostituição no Brasil, de autoria do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ),
apresente um recorte que trate dos direitos das travestis.
Symmy deixou a vida dos programas porque encontrou um deputado que
lhe criou uma oportunidade de trabalho, ou seja, de vida. Hoje, aos 34
anos de idade, formada em publicidade, está há quatro longe das ruas.
Mas voltaria, se preciso fosse, apesar das conquistas pessoais. “Não há
trabalho digno para as travestis. Por isso, essa é a nossa luta:
garantir direitos”, desabafa.
A ativista então revela um dado chocante: a maioria das travestis
morre por volta dos 35 anos de idade por conta de brigas nas ruas,
doenças adquiridas no exercício da prostituição e pelo uso excessivo de
silicone.
Symmy diz que a polícia é conivente com o crime. “Para eles, travesti
não tem direito. Pode apanhar, ser explorada porque são sempre
responsáveis por tudo na opinião dos policiais”. Segundo ela, é a mesma
lógica do estupro no passado, quando mulheres eram responsabilizadas
pelo crime devido ao fato de estarem vestidas com saia curta ou blusas
decotadas.
Symmy conta que a exclusão é tanta que até nos salões de
cabeleireiros, onde há alguma brecha para as travestis trabalharem,
muitas clientes rejeitam o atendimento feito por elas. Diante dessa
realidade, são uma presa fácil para os aliciadores.
Com informações da Rede Brasil Atual
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