domingo, 1 de setembro de 2013

Uma tremenda estupidez

Em junho, "pela primeira vez na história deste país", os jovens e a população de uma forma geral, foram às ruas em todos os cantos do nosso Brasil continental. Dentre as reivindicações publicizadas, uma remonta às manifestações do Maio de 1968 francês, que se espalharam pelo mundo ocidental, influenciando os movimentos sociais surgidos no Brasil entre os anos de 1970 e 1980: O desejo de participação direta no fazer político e histórico - que trouxe e traz uma crítica implícita, mas também ostensiva, à forma de representação partidária como praticada (CERTEAU, 1995; ARAÚJO, 2000).
 
Como diz a matéria da Revista Fórum de julho (páginas 6 e 7), "as pessoas que estão nas ruas não desejam mais ser representadas por eles [pelos partidos] da mesma forma que são hoje. Pelo contrário, querem se autorrepresentar. É uma crise de um modelo de democracia para o qual ainda não se tem respostas e muito menos soluções. Mas a crise precisa ser reconhecida para que se possa criar novos modelos".
 
Esta é uma questão que, colocada no campo político em maio de 1968, até hoje não foi respondida pelas instituições partidárias.
 
O PT, surgido em 1981 das lutas operárias e do comprometimento de intelectuais progressistas, trazia em suas promessas uma práxis partidária pautada na participação de base diuturna; no âmbito dos bairros, das escolas, dos locais de trabalho, deitando por terra a tradição de partidos políticos que apenas se fazem existir para a população em períodos eleitorais. - Não foi capaz de dar conta de sua promessa. Hoje, transformado em mais uma das agremiações existentes, vive enredado em sua opção pela via eleitoreira, as alianças assumindo o mote diretivo, e não uma via seletiva de condensação e ampliação de forças.
 
O PSOL, saído de suas entranhas quando o desvio de rota e valores se mostrara insuportável, acena com a perseverança naqueles valores fundantes do primeiro partido genuinamente originário das massas trabalhadoras. Torna-se, portanto, o depositário das melhores esperanças e utopias desde a geração dos quarenta e cinco, cinquenta até a dos dias correntes: democracia, participação horizontal, transparência, prestação de contas, compromisso coletivo.
 
O que dizer, porém, quando se vê um de seus melhores e mais celebrados quadros transformar o seu mandato numa queda de braço exatamente contra os movimentos sociais que o fizeram existir?
 
Como é possível que um parlamentar com tal vinculação ignore renitentemente que a natureza jurídica de sua função é pura e simplesmente a REPRESENTAÇÃO?
 
Como é admissível que se esmere em declarações públicas que assumida, consciente e inclusive já verbalizada (Revista Fórum, julho 2013, página 43), instauram uma frontal rota de colisão com tais forças sociais que o tornaram o que é, o fizeram passível de exercer o mandato que exerce?
 
Como é tolerável que se coloque como detentor de uma arrogante onisciência, classificando todas as pessoas dotadas de ponto de vista distinto do seu (inclusive estudantes, pesquisadorxs, especialistas profissionais), de "estúpidos" (Revista Fórum, julho 2013, página 43)?
 
Ele que em 2012 criticou a parlamentar petista por estabelecer interlocução com apenas uma tendência do movimento (ainda que hegemônica), hoje sente-se absolutamente à vontade no exercício contumaz de atropelar e desqualificar um dos anseios mais caros e legítimos do movimento.  Como celebridade encarnada, limita-se a proferir suas "verdades incontestes" pela via das entrevistas.
 
Perde a histórica oportunidade de utilizar o seu mandato na construção de um amplo e profundo diálogo com todas identidades e formas de percepção existentes nesse movimento social tão diverso e pulverizado.  Possui todos os requisitos necessários para instaurar um processo democrático de diálogo com "as bases", mas optou por pontificar do alto de seu tablado.
 
Com uma tal escolha, personalista, autocrática, todos os valores democráticos saem perdendo: a participação popular; a construção horizontal do consenso; o aprofundamento da democracia. Precisamente os itens da agenda colocada em maio de 1968 e ainda não enfrentados.
 
- Pena.
 
 
Referências:
 
ARAÚJO, Maria Paula Nascimento.  A utopia fragmentada: as novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970. Rio de Janeiro: FGV, 2000.
 
CERTEAU, Michel. La toma de la palavra y otros escritos políticos. México: Universidad Iberoamericana, 1995.
 
 

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