Da não pouca quantidade de absurdos existentes em nosso país, passada a metade da segunda década do século XXI, dois são especialmente nefastos, pelas suas consequências e pela mensagem que enviam à sociedade nacional de que a Lei não é absolutamente feita para todos no Brasil; que existem classes privilegiadas, às quais as normas constitucionais e do direito penal não alcançam, podendo praticar toda a sorte de arbítrio e ilegalidade impunemente.
São eles:
1. A penalidade máxima usualmente aplicada contra crimes praticados por magistrados no exercício de suas funções se resumir à aposentadoria compulsória, com proventos proporcionais.
Vejamos o que diz a LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) em seu artigo 26: "O Magistrado vitalício (aquele que passou no estágio probatório) perderá o cargo:
I - em ação penal por crime comum ou de responsabilidade; II - em procedimento administrativo para a perda do cargo nas hipóteses
seguintes: a) exercício, ainda que em disponibilidade, de qualquer outra função, salvo um
cargo de magistério superior, público ou particular; b) recebimento, a qualquer título e sob qualquer pretexto, de percentagens ou
custas nos processos sujeitos a seu despacho e julgamento; c) exercício de atividade politico-partidária.
§ 1º - O exercício de cargo de magistério superior, público ou particular,
somente será permitido se houver correlação de matérias e compatibilidade de
horários, vedado, em qualquer hipótese, o desempenho de função de direção
administrativa ou técnica de estabelecimento de ensino.
§ 2º - Não se considera exercício do cargo o desempenho de função docente em
curso oficial de preparação para judicatura ou aperfeiçoamento de magistrados."
Diz o artigo seguinte (27) que o
procedimento para a decretação da perda do cargo terá início por determinação do Tribunal, ou do seu órgão especial [instância máxima do tribunal, formado pelos desembargadores mais antigos], a que pertença ou esteja subordinado o magistrado, de ofício ou mediante representação fundamentada do Poder Executivo ou Legislativo, do Ministério Público ou do Conselho Federal ou Secional da Ordem dos Advogados do Brasil.
Claro que nessa Representação contra o magistrado está garantido o seu direito à ampla defesa, conforme rezam os parágrafos a esse artigo. (Veja a íntegra da LOMAN aqui).
Vemos, portanto, que o que faz com que a pena máxima se resuma à aposentadoria compulsória de magistrados que desrespeitem à Lei é o nefasto corporativismo (onde um protege o outro, por todos ocuparem integrarem a mesma carreira), em detrimento da retidão da conduta (ilibada). Diante de semelhante cultura, vemos não apenas magistrados e desembargadores exercendo cargos de direção de faculdades particulares impunemente e, após a sua morte, ainda receber homenagens de seus pares por semelhante desrespeito à Lei, como praticarem outros atos ilícitos muito mais graves e, de prêmio, receberem a aposentadoria proporcional - isso quando não ocorre algo pior, que é a pura e simples absolvição por seus pares, à revelia de todo o conjunto probatório contido no processo (veja aqui).
2. A não investigação de parlamentares em acusações de práticas de ilícitos, como é o caso do Deputado pelo Rio de Janeiro Eduardo Cunha, cuja base eleitoral é formada por pastores evangélicos fundamentalistas e geograficamente concentrada na Região Oeste (veja aqui). Veja as acusações que pairam sobre Cunha, quando de sua passagem pela Telemar e Cehab, aqui e aqui.
É entendimento do STF que a investidura do acusado no Congresso Nacional (como Deputado ou Senador) produz o deslocamento da competência do juízo comum para o STF, sem que isso afete a validade dos atos de investigação anteriormente praticados. Por outro lado, já não mais existe, desde 2001, por força da emenda Constitucional nº 35, a exigência de licença prévia da Câmara ou do Senado para a instauração ou seguimento de processo contra um de seus membros. A imunidade parlamentar se restringe unicamente às suas palavras, opiniões e votos. Não integra, portanto, a prática de qualquer ilícito. A casa legislativa onde pertença o parlamentar poderá pedir a sustação do processo por crime ocorrido após a diplomação do parlamentar, cuja decisão se dará por voto de sua maioria (simples) de seus integrantes.
Veja a discussão jurídica sobre este assunto neste artigo;
Vê-se, portanto, também aqui, que o caso é muito mais de corporativismo aético e prevaricação do que de obrigação legal.
Nesse sentido, é imperioso que todos os cidadãos brasileiros se conscientizem dessas questões e exerçam o seu indelegável poder de exigir que os ocupantes de cargos públicos - seja por eleição, como é o caso dos parlamentares, seja por concurso público, como é o caso dos magistrados - quando sobre eles pairem acusações de desvio de conduta, ainda que anteriores à sua posse nos cargos, sejam devidamente processados e julgados, dentro dos princípios da ampla defesa, da legalidade, da impessoalidade e da neutralidade. Do contrário jamais sairemos do atual estágio de corporativismo, ilegalidade e elitismo em que nos encontramos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário