Carta de Brasília
Manifestamos nossa disposição em ajudar a construir uma Frente ampla com movimentos sociais, feministas, jovens, intelectuais, artistas, sindicalistas, militância de diversos partidos e setores religiosos progressistas que se disponham a articular ações de resistência à agenda reacionária e afirmação dos valores democráticos, contra a intolerância, pela laicidade/secularidade do Estado, pelas políticas afirmativas e pela consolidação das políticas sociais
Reunidos e reunidas de 22 a 24 de junho de 2015, nós, ativistas de direitos humanos,
gestores e gestoras públicos (as), pesquisadores (as), militantes de diversos
partidos políticos, comprometidos (as) com a luta pelos direitos da população de
lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), discutimos a
situação nacional, a ofensiva conservadora e as alternativas para avançar na
criminalização das discriminações e violências em razão da orientação sexual e
identidade de gênero. A síntese dos nossos debates é a que segue:
Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal democrática brasileira, pondo fim ao
período ditatorial e instituindo a garantia dos direitos individuais e
coletivos, a proibição de todas as formas de discriminação e a construção de
políticas públicas;
Desde então, vimos a criação e consolidação de leis e políticas e proteção às
mulheres, crianças e adolescentes, população negra, pessoas com deficiência,
idosos (as), indígenas, juventude. Nesta trajetória de acúmulos e avanços, foi
fundamental a garantia dos princípios do Estado Laico/Secular, da pluralidade
política, da liberdade religiosa e da democracia participativa;
O movimento social que luta por direitos iguais para pessoas LGBT obteve algumas
vitórias nestas quase três décadas. No âmbito do Poder Executivo, ocorreram duas
Conferências Nacionais LGBT e foram instituídas políticas e planos LGBT em
diversas instâncias e governos. O Poder Judiciário tem afirmado
sistematicamente os direitos civis LGBT, a exemplo do Supremo Tribunal Federal,
que reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo, e do Conselho
Nacional de Justiça, que assegurou o casamento civil;
Contudo, nos últimos anos, temos assistido ao crescimento de forças reacionárias que se
opõem sistematicamente às políticas afirmativas e de promoção dos direitos das
mulheres, LGBT, negros (as), dentre outros;
O Brasil atravessa uma verdadeira onda reacionária: um momento grave e delicado no
que diz respeito ao projeto de nação livre, justa e solidária, que promova o bem
de todos e todas, sem preconceitos de qualquer natureza, na qual o valor
civilizatório dos direitos humanos se constitui o paradigma norteador. Sem
dúvida, o período de maior ascensão das forças obscurantistas, desde as lutas em
favor da redemocratização;
É visível a influência que o fundamentalismo religioso exerce na esfera dos
Poderes Legislativo e Executivo. Com um discurso muitas vezes agressivo,
parlamentos são transformados em púlpitos religiosos. Programas em concessões
públicas de rádio e TV são utilizados como instrumentos de propagação de
discursos de intolerância e ódio contra LGBT e aos praticantes de religiões de
matriz africana, principalmente;
Da atual legislatura da Câmara dos Deputados, emergem o protagonismo e iniciativa
política de uma agenda globalmente reacionária e regressiva;
Tais segmentos ignoram que o Estado é Laico/Secular, não devendo este estabelecer
quaisquer formas de dependência ou aliança com nenhum culto religioso ou
igrejas. A liberdade religiosa só se efetiva, de fato, com o pleno respeito à
laicidade/secularidade do Estado;
Se o objetivo anterior de parlamentares fundamentalistas era barrar iniciativas
favoráveis aos direitos sexuais e reprodutivos e às políticas pró-LGBT, agora
sua agenda é expressa e ostensivamente regressiva com o objetivo de retirar
conquistas, por meio de proposições de projetos, tais como: “Estatuto da
Família”, que não reconhece a diversidade das famílias brasileiras; “Dia do
Orgulho Hétero”; “Cura Gay”; a supressão da categoria de gênero nos Planos
Municipais e Estaduais de Educação, a proibição, nas Leis Orgânicas Municipais,
de se discutir a desigualdade de gênero e o tema de orientação sexual, a redução
da menoridade penal, além de buscarem o direito para que associações religiosas
possam propor ações de inconstitucionalidade;
Nesse momento, portanto, a prioridade de todos(as) os(as) democratas e ativistas pelos
direitos humanos deve ser combater e barrar essa ofensiva que busca retirar
direitos e atenta contra os fundamentos do estado brasileiro, conforme fixados
em cláusulas pétreas em nossa Constituição;
Manifestamos nossa disposição em ajudar a construir uma Frente ampla com movimentos
sociais, feministas, jovens, intelectuais, artistas, sindicalistas,
militância de diversos partidos e setores religiosos progressistas que se
disponham a articular ações de resistência à agenda reacionária e afirmação dos
valores democráticos, contra a intolerância, pela laicidade/secularidade do
Estado, pelas políticas afirmativas e pela consolidação das políticas
sociais;
De acordo com o Relatório da Associação Internacional LGBTI – ILGA (Homofobia
Estatal), 34 Estados membros da ONU criminalizam as violências e
discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, seja como tipo penal
específico, seja como circunstância agravante de outros tipos penais: no
continente europeu, são 24 países; na América Latina, 7 países. A mobilização
decorrente de crimes com grande repercussão permitiu a aprovação da lei em
vários desses países. De igual modo, ONU e OEA possuem resoluções conclamando
seus Estados membros a punirem tais discriminações e violências.
Cumpre, aliás ressaltar que o Brasil é considerado o país que mais mata LGBT no
mundo;
Nesse sentido, conclamamos o Congresso Nacional a quitar a dívida histórica que tem
com a população LGBT e aprovar uma lei que torne crime o ódio, o preconceito, a
violência, discriminação e a intolerância contra essa população, equiparando-os
ao crime de racismo. Na mesma direção, esperamos que a presidenta Dilma reafirme
seu compromisso de campanha e engaje o Governo Federal na aprovação deste marco
normativo.
Brasília, 24 de junho de 2015.
Alessandro Melchior – Coordenação Municipal LGBT da cidade de São Paulo
Alexandre Bogas – Acontece LGBT Florianópolis / ABGLT
Ana Paula do Amaral – Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
André Juquinha - Diversidade Tucana André Lopes – LGBT / PCdoB
André Pomba – PV Diversidade
Andrey Lemos – Departamento de Apoio à Gestão Participativa / SGEP / Ministério da Saúde
Carlos Magno - ABGLT
Carlos Tufvesson – Sociedade Civil
Cecília Froemming - Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
Cláudio Nascimento – Superintendente de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos da Secretaria de Estado de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos do Governo do Rio; Coordenador do Programa Estadual Rio Sem Homofobia, membro do Fórum Nacional Gestores e Gestoras da Política LGBT e do Comitê Nacional da SDH de Gestores e Gestoras LGBT
Dimitri Sales – Instituto Latino Americano de Direitos Humanos
Douglas Miranda – Secretaria de Direitos Humanos de Minas Gerais
Eliseu Neto – PPS Diversidade
Frederico Sáter - Instituto Brasileiro de Transmasculinidades
Gabriela Rondon – ANIS – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero
Heliana Hemetério – ABGLT
Irina Bacci – Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
Julian Rodrigues – Movimento Nacional Direitos Humanos/SP
Juliana Gomes Miranda – Diretora de Promoção dos Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
Julio Moreira – Grupo Arco-Íris / ABGLT
Léo Mendes – ARTGAY
Leonardo Bastos - Instituto de Cidadania e Juventude – MS / Fórum Nacional de Gestoras e Gestores Estaduais e Municipais de Políticas Públicas para a População LGBT
Lucas Siqueira Dionisio – Grupo Dignidade
Luciano Freitas – Secretaria de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco
Luciano Palhano – Instituto Brasileiro de Transmasculinidades
Marcelo Colafemina – Eleições Hoje
Marcelo Nascimento – Setorial LGBT do Partido dos Trabalhadores
Marisa Fernandes – Coletivo de Feministas Lésbicas
Montserrat Bevilaqua – mandato senadora Marta Suplicy
Otávio Oliveira – Secretário Nacional do LGBT Socialista - PSB
Paulo Iotti - Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero
Rafael Kirchhoff – Ordem dos Advogados do Paraná / Grupo Dignidade
Renan Palmeira – Movimento do Espírito Lilás
Renan Quinalha – Advogado de direitos humanos e doutorando (USP)
Renato Almada – mandato deputado federal Wadih Damous
Rita Colaço – Doutora em História Social e Mestre em Política Social– UFF, Bacharel em Direito, UFRJ / Pesquisadora / Blogueira
Sérgio Carrara – Universidade Estadual do Rio de Janeiro
Sônia Martins – Mães pela Diversidade
Symmy Larrat – Coordenação Nacional LGBT da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
Todd Tomorrow – Pedra no Sapato
Toni Reis – ABGLT / Instituto Brasileiro de Diversidade Sexual
Victor De Wolf - ABGLT
Wellington Araújo Alves – Grupo Guará
Welton Danner Trindade – jornalista e ativista
Wesley Francisco – ABGLT / Fórum Baiano LGBT
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