sábado, 2 de novembro de 2019

Por uma nova agenda para os movimentos LGBTQIA+

Retomo um tema do qual me ocupei aqui neste espaço por muito tempo, desde 2009! (Ver aqui.)

Samantha Flores criou centro para idosos LGBT na Cidade do México
Samantha Flores no Centro que criou para a velhice LGBT,
na cidade do México

Se por um lado precisamos consolidar, fazer valer o reconhecimento do STF de que as práticas fóbicas em face ao segmento LGBTQIA+ equivalem ao racismo, estando, portanto, ao abrigo da lei 7.716/89, e enfrentar coletivamente o recrudescimento da violência perpetrada contra nós por força da ascensão dessa parcela que prega o ódio e a violação de direitos como ação cotidiana, por outro precisamos dar conta do desafio de nos reorganizar em outras bases e construir uma nova agenda. E, nela, forçosamente precisamos contemplar formas de enfrentamento  à precarização de nossos segmentos mais vulneráveis - jovens e idosos.



Um contexto outra vez desafiador 

As parcas políticas de proteção social desenvolvidas sobretudo nos governos Lula vêm sendo destruídas por esse governo neoliberal, miliciano, entreguista e ignaro, ao mesmo tempo em que não chegamos a construir programas de proteção social para os segmentos mais vulnerabilizados de nossa comunidade - os e as jovens e os e as idosos e idosas.


O aumento no desemprego afeta os jovens. Famílias educadas para a violência e a intolerância seguem expulsando e agredindo seus filhos que ostentam orientação sexual e/ou identidade de gênero diferente da tornada regra universal. No entanto, em que pese a gravidade da situação de violência em face de nossos jovens, já vemos algumas iniciativas de proteção para esse segmento, construídas pela própria comunidade. Thiago Coacci, comentando postagem no Facebook, publicou o link da relação que elaborou, onde estão listadas  DEZ iniciativas (Confira aqui).

Por outro lado, nossa comunidade, assim como a população em geral vem envelhecendo. E envelhecendo agora nesse contexto de neoliberalismo e crise econômica. Sem a anterior garantia da reposição do valor de compra do salário mínimo, com diminuição nos números de concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e com aumento exponencial do desemprego, a precariedade só faz aumentar. 

Quantos casos temos ouvido de travestis idosas suicidadas? São casos que a imprensa não noticia (há um acordo de não divulgação de casos de suicídio, como forma de evitar as chamadas ondas de contágio). Mas entre nós as notícias são transmitidas.

E aquelas que são forçadas a voltar para o armário, depois de toda uma vida de afirmação e resistência, muitas das quais agora tuteladas por parentes homofóbicos, que administram a sua vida e a sua aposentadoria (quando há), submetidas a violências diárias indizíveis?

E as sapas que tornam-se tias-avós provedoras, apagadas de sua sexualidade e afetividade, outra vez atomizadas, desligadas das redes de sociabilidade e reconhecimento, muitas entregues à depressão?

Precisamos falar sobre a precariedade de nosso envelhecimento, agudizada nesse contexto nefasto que atravessamos e, juntos, construirmos formas de enfrentamento. 

Que tal, por exemplo, promover Seminários, onde possamos trocar experiências positivas, como as que vem sendo  realizadas em São Paulo, pela Casa Um (Bruno Oliveira) e pelo projeto Fica (Renato Cymbalista) e pensar sugestões de formas de ação?

A vulnerabilidade, a precariedade e a violência estão aí, diariamente, em todos os cantos desse nosso país continental. E ainda que a imprensa escrita, falada e televisionada não noticie, nossas cacuras estão vivendo e morrendo em grande dor e indignidade.

Experiências inspiradoras

Recordo-me que os judeus, antes da criação do estado de Israel, desenvolveram projetos de colonização em diversos países, entre os quais o Brasil. Eles se cotizavam e adquiriam terras para assentamento de sua população.  - Ou seja, de forma coletiva e concertada buscaram construir espaços de moradia acolhedores. As prostitutas judias igualmente foram capazes de construir mecanismos de proteção coletiva (pecúlio vitalício, cemitério e sinagoga).

Em São Paulo um grupo de amigos se cotizou e criou um condomínio residencial de alto padrão e dotado de funcionalidades para atender as necessidades naturais do envelhecimento - a AGERIP, em São José do Rio Preto, há mais de 40 anos.

Recentemente foi divulgada a notícia de que professores da Unicamp estavam se organizando para construir um condomínio para viverem após a aposentadoria (ver aqui).

Para o segmento LGBTQIA+ temos experiências pioneiras em Berlim, na Alemanha, na Espanha e no México.

Somos potentes 

E nós aqui abaixo do Equador, que enfrentamos a pandemia da aids e fomos capazes de criar casas de acolhimento e um programa de enfrentamento (diagnóstico, acompanhamento, fornecimento de medicamentos) tão notável que foi reconhecido pela ONU e, com o seu apoio, implantado na África, até quando ficaremos de braços cruzados, chorando e lamentando os suicídios e as velhices vividas em precariedade?

Juntamente com o enfrentamento à violência fóbica, a valorização, conservação e divulgação de nossa memória cultural e histórica, precisamos também dar conta de construir equipamentos de proteção social.

Precisamos pensar formas de construir
centros de convivência e lazer; programas de recreação, turismo e atividades físicas; pousadas, hospedarias e albergues; condomínios (sob diversos modelos) - Seja de qual área for - pública, privada (lucrativas ou filantrópicas), cooperativada, mutualista, parceria público-privada...

Sobrevivemos à Inquisição do Santo Ofício; ao nazismo; ao franquismo; ao stalinismo; ao castrismo; à perseguição da ditadura militar na Argentina; às ditaduras do estado novo e a dos militares de 1964; estamos sobrevivendo e combatendo o hiv/aids. Também sobreviveremos a esses tempos trevosos de obscurantismo e ódio. Mas precisamos nos fortalecer, nos reaglutinar e por em prática formas eficazes de autocuidado.

Nossa marca, enquanto comunidade, é a alegria, a inventividade, o prazer e, sim, a solidariedade! Precisamos nos recordar disso para seguirmos em frente, acolhendo protegendo os nossos.

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