segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Myrian Rios e o seu engajamento na luta contra "toda forma de violência" - Parte III

Na última postagem, feita ontem logo após aquela em que noticiei a adesão da deputada Myrian Rios à campanha contra "toda forma de violência" na internet, divulguei digamos, a primeira parte do debate que se seguiu, no Twitter, entre a deputada Myrian Rios e ativistas sociais - pessoas progressistas, comprometidas com a efetividade dos princípios republicanos e com a construção de um Brasil nos estritos termos fixados pela Constituição da República: justo, fraterno, solidãrio, inclusivo, onde o princípio básico estruturante de todas as relações sociais seja o absoluto respeito à dignidade da pessoa humana, reprimindo-se e punindo na forma da lei toda e qualquer manifestação de discriminação e preconceito.


Realizada a postagem e divulgando o texto, pensava encerrar o debate, pois esclarecia  o meu ponto de vista, da forma mais transparente que consegui. 

Me enganei. O debate se acirrou, participando ainda mais internautas.


Dele participaram tanto ativistas LGBT quanto de outros movimentos. A questão principal girou em torno da desconfiança quanto a lisura de motivos (oportunismo?) dessa adesão, os contornos e o verdadeiro conteúdo da expressão "toda forma de violência", trazida pela deputada.


Um deles, Marcelo Gerald, expressou com bastante clareza e serenidade as suas dúvidas:
Marcelo Gerald Não posso me aliar a alguem que colocou todos LGBTs como criminosos. Claro que não sou uma pessoa fechada
Marcelo Gerald eu acredito que as pessoas podem mudar se assim quiserem. Se eu não acreditasse nisso deistiria de lutar por Direitos Humanos


Marcelo Gerald Mas a senhora não deu o mínimo indicio de mudanças
Marcelo Gerald Não abro mão dos meus princípios, da minha luta e da minha ética, não negociaria JAMAIS prejudicar negros e mulheres por LGBTs

A resposta da deputada, ao dizer que lutaria contra "a pedofilia até o fim", realimentou as desconfianças, dando margem a que se deduzisse que estava circunscrevendo a sua luta só e somente à questão da pedofilia:
myrianrios Myrian Rios
@mkGerald @Tsavkko @ritacolacobr @Ale_sandra_ Acredito q vc não entendeu minha posição.Respeito as escolhas como quero q respeitem a minha

myrianrios Myrian Rios
@ritacolacobr @mkGerald @Ale_sandra_ @Tsavkko Vou lutar contra a PEDOFILIA até o fim.
myrianrios Myrian Rios@mkGerald Gostaria inclusive da sua ajuda nessa luta.
Ambiguidade 

A desconfiança, compreensível, se originava no fato de que a deputada Myrian Rios, em junho último, em discurso proferido na ALERJ - onde ocupa mandato popular, portanto subordinada, como todos os demais parlamentares, à estrita observância dos princípios das Constituições da República e do Estado - publicamente expressou possuir uma visão das homossexualidades calcada em profundo desconhecimento e representações fantasiosas. Foi por ocasião da votação (que não houve) da PEC 23/2007, que visava inserir o termo "orientação sexual" no artigo da Constituição do Estado que, copiando o mesmo dispositivo da Constituição da República, veda expressamente toda e qualquer forma de discriminação, elencando, exemplificativamente, alguns dos motivadores (sexo, raça, etnia, religião etc). Veja aqui, aqui e aqui, algumas das postagens neste blog a respeito deste assunto.

Tendo proferido um discurso no qual associava pedofilia à homossexualidade e, baseada nesse erro de representação, advogava para si - e, por extensão, para todos os que nutrem a mesma falsa noção que ela, dado que detem um mandato parlamentar - o direito de demitir e negar emprego a lésbicas e gays pelo simples fato de serem detentores de uma forma de desejo afetivossexual dirigida para pessoas (adultas e concordes) de seu mesmo sexo, embora a deputada, depois, tivesse apresentado uma pública retratação, não conseguiu convencer a muitas pessoas. 

Notadamente aquelas diretamente atingidas, dadas as implicações, os desdobramentos de discursos como os que ela proferiu (semelhante aos reiteradamente emitidos pela família Bolsonaro, Silas Malafaia, João Campos, Antonhy Garotinho, Marcelo Crivella etc). Discursos que, ao invés de combater, apenas contribuem para o reforço na estigmatização, no tratamento enquanto párias e abjetos, seres destituídos dos mais elementares direitos. 

Discursos que, via de consequência, contribuem, incentivam, estimulam, desencadeiam, justificam o aumento da violência contra gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais, o que vai completamente contra aquilo que está estabelecido na Constituição da República, foi afirmado pela unanimidade dos ministros integrantes da instância máxima do Judiciário nacional, detentora do direito de interpretar a Constituição e consta expressamente de Resolução emitida pela Organização das Nações Unidas ("ONU Adverte: Os estados tem a obrigação de proteger seus indivíduos contra a discriminaçãobaseada na orientação sexual e identidade de gênero").

Ou seja, instaurava-se , aos olhos desses interlocutores que comigo debateram ontem no Twitter, uma profunda contradição. - Como poderia a deputada Myrian Rios afirmar que luta contra "toda" forma de violência, se o seu próprio discurso - apesar da retratação - e a convicção íntima que o sustentava signifcam uma autêntica forma de violência?


Diante da insistência nas cobranças por mais clareza, a deputada postou: 

myrianrios Myrian Rios@mkGerald @lolaescreva Pretendo entrar em contato com o Deputado Jean também.

myrianrios Myrian Rios
@mkGerald Eu concordo com você e sou contra todo tipo de violencia
Mas as pessoas não se deram por satisfeitas. Cotidianamente alvo de discursos promotores de ódio, acompanhando dia a dia o aumento nos casos de assassinatos (sempre brutais) de gays e travestis, sobretudo, mas tambem de lésbicas, e as recentes ondas de postagens ameaçadoras na internet, os e as ativistas LGBT insistiam para que a deputada fosse clara e precisa de sua posição.

 

Os limites entre convição religiosa e o espaço civil 

Ressalte-se que ninguem estava solicitando que a deputada abrisse mão de suas convicções religiosas. Nada disso.  


O que se desejava era que a deputada - na qualidade de parlamentar, detentora de mandato legislativo - desse a conhecer se ainda mantinha o mesmo entendimento de que a homossexualidade e a pedofilia são a mesma coisa e que homens e mulheres homossexuais, pelo simples fato da orientação de seu desejo, devem permanecer à margem do estado constitucional republicano. Isto é: à margem da proteção à dignidade pessoal, à isonomia, à livre determinação e, portanto, à garantia contra discriminação, valores que estão fixados constitucionalmente para toda e qualquer pessoa.

 

Sim, porque uma coisa é alguem, a partir de sua forma pessoal de crença, entender que o desejo homossexual e a transexualidade constituem pecado. 

 

Outra coisa é se pretender que, por força dessa crença, que é íntima e particular de cada indivíduo, se deva lutar tenazmente para que essas pessoas, vistas como pecadoras, segundo certas interpretações religiosas, jamais consigar se integrar à sociedade em igualdade de direitos (já que possuem igualdade de obrigações), sobretudo o direito à dignidade e integridade de suas pessoas.

 

Por mais clareza e transparência

Seria necessário então, no meu entender, que a própria deputada esclarecesse definitivamente, "com todas as letras", os limites e o alcance daquilo que ela queria dizer com "toda forma de violência" - ela reconhecia ou não as múltiplas formas de violência que certos discursos invocam e legitimam sobre as pessoas gays, lésbicas, travestis e transexuais? 

Decidi proceder de duas formas: 

a) repassando (RT) à deputada aos tuítes (TTs) dos meus interlocutores, com os questionamentos que eles formulavam - com o fim de garantir a ela o conhecimento do debate e, assim, o seu direito de resposta; 

b) formulando eu mesma a minha indagação diretamente à ela sobre o seu atual entendimento a respeito das homossexualidades.

Indaguei à deputada Myrian Rios precisamente
Rita Colaço Brasil

PERGUNTO: , vc ainda crê q a orientação homossexual implica ausência de valores éticos e morais? Permite negar emprego e demitir?
A partir daí a deputada Myrian Rios - como já havia aventado diversxs interlocutorxs - não mais se pronunciou. Não mais postou mensagens em seu Twitter. 

Aos debatedores, externei minha opinião de que esperaria até que a deputada retornasse ao Twitter para, então, conferir a atitude que ela tomaria.

Hoje, ao entrar no microblog, verifiquei que a deputada havia postado diversas mensagens.


Nenhuma contudo respondia à indagação que eu ou qualquer de meus interlocutores formulara (e que eu lhe retransmitira).


Ainda uma vez beneficiando a deputada com a dúvida, enviei-lhe três mensagens

Rita Colaço Brasil

Bom dia! Encaminhei-lhe 2 perguntas ontem, respeitosamente. Encaminhei tbm os links do


Rita Colaço Brasil

Vc ainda crê q a orientação homossexual implica ausência de valores éticos e morais? Permite negar emprego e demitir?
Rita Colaço Brasil

deputada, pf, respeitosamente, gostaria que respondesse minhas 2 perguntas. Grata.
Até o presente momento (14h27) a deputada não respondeu. Apesar de seguir postanto suas mensagens no bicroblog.


A síntese 
O que fica, em minha opinião, de todo esse acontecido? 


Fica o profundo conflito que o discurso  religioso de corte obscurantista tem instaurado no âmago de diversos parlamentares.


Tais pessoas, diante da verve intolerante do discurso emanado pelos seus líderes espirituais, tem se mostrado incapazes de cumprir seus mandatos com um mínimo de coerência, seja em relação à natureza da atividade parlamentar, seja em relação aos princípios constitucionais os quais DEVEM cumprir e lutar para que sejam cumpridos. 


A essência do mandato legislativo, aliás, é precisamente trabalhar para tornar efetivos os princípios constitucionais. Eles, como dito logo no ínicio deste texto, são normas obrigatórias (os princípios constitucionais) e válidas, como já teve oportunidade de se manifestar o Supremo Tribunal Federal - STF. Normas que garantem que ninguem pode ser alvo de discriminação, seja por qual motivo for.


Assim, ao se recusarem a votar pela aprovação de projetos de lei que buscam garantir a efetividade desse princípio, ainda que sob a alegação de convicção religiosa, esses parlamentares estão a infringir as normas cuja natureza de sua função seria precisamente observar e defender.


Pois, a se manter semelhante prática, tais parlamentares estão, na realidade, legitimando que se mantenham relegados gays, lésbicas, travestis e transexuais a um status civil completamente inconstitucional e antijurídico, porque fora da garantia mínima, que é a garantia à dignidade.


Com suas práticas e posicionamentos, tais parlamentares estão a dizer que gays, lésbicas, travestis e transexuais não são, de fato, sujeito de direitos, estando, portanto,  excluídos da devida proteção do Estado à sua dignidade pessoal. - O que é de todo inadmissível no Estado Constitucional e republicano.

No caso específico da deputada Myrian Rios, a questão é ainda mais controversa, na medida em que não se pode conceber um/a parlamentar que se recuse a praticar aquilo que é da essência de seu mandato, que é precisamente, parlamentar, quer dizer, conversar, dialogar, trocar opiniões, ouvir os contrários.


Adotando a prática de ignorar os pedidos para que esclareça os seus pontos de vista; furtando-se aos debates republicanos e democráticos, a deputada Myrian Rios mostra-se, lamentavelmente - sobretudo por ser uma mulher e do PDT, partido de  passado digno no processo de redemocratização do país -, incapaz e incompetente.


Incapaz e incompetente porque desapetrechada das características pessoais elementares que constituem as condições essenciais para que alguem possa exercer um mandato parlamentar.


NOTA: São 15h12. No TT da @myrianrios a última postagem data de uma hora atrás e ela não respondeu nenhuma das perguntas. 
Na caixa de mensagens de meu endereço eletrônico tambem nenhuma mensagem da deputada. Tampouco na caixa de "spam". 
A deputada segue, desde ontem, o meu perfil no TT.
Não sinto nenhuma satisfação em constatar o modo como certxs parlamentares entendem a sua representação popular, incapazes de distinguir os limites de suas convicções religiosas e os da esfera civil. 

NOTA 2: Outro aspecto da negativa da deputada Myrian Rios em esclarecer o seu ponto de vista é que que terminou por dar crédito àqueles que leram nessa sua iniciativa mero  oportunismo - o que parece sustentável, haja vista que a mesma replicou (RT) minha mensagem no Twitter afirmando que lhe apoiaria, mas não replicou (RT) àquelas nas quais eu educada e diretamente lhe perguntei sobre o seu real entendimento acerca do que constitui violência e de quem é sujeito de direitos no seu entendimento.
Houve, inclusive, quem, no FB, entendesse nessa atitude da deputada um esforço para  melhorar sua imagem, haja vista que o seu ex-marido, o cantor Roberto Carlos, em entrevista ao programa do JÔ na sexta-feira, dia 16, sendo ele, como se sabe, profundamente católico, teria declarado - com a mais absoluta tranquilidade e sem nenhum pejo - ser favorável que gays, lésbicas, travestis e transexuais tenham os seus direitos reconhecidos e assegurados  (Nota postada em 19/09/2011, às 17h18).

Agradeço a gentileza do Bule Voador em socializar o vídeo com a
fala do Roberto Carlos no Programa do Jô a respeito do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
http://bulevoador.haaan.com/

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