terça-feira, 7 de abril de 2009

Os assassinatos da história

O Jornal do Brasil desta segunda-feira, 06 de abril, traz matéria assinada por João Paulo Aquino e intitulada “LGBT agora é problema estadual”. Ali é noticiada a criação, pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, na última sexta-feira, dia 03, do Conselho dos Direitos da População de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, vinculado à Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos.

Em seu último parágrafo é possível verificar mais uma manifestação do trato que se tem com a História e, mais especificamente, com a história das lutas das pessoas homossexuais pelo reconhecimento de seus direitos.

Ali é dito que “A luta por direitos vem desde 1996, quando a comunidade conseguiu aprovar a Lei Municipal 2.475/1996” (que prevê sanções administrativas para práticas discriminatórias em face da orientação sexual por parte de empresas comerciais e instituições públicas).

Ou seja, a se crer nesse texto publicado pelo Jornal do Brasil com a assinatura de João Paulo Aquino, toda a história de protagonismo de gays e lésbicas em prol do reconhecimento de direitos anteriormente a 1996 deixa de existir
[1].

Em outra postagem neste blog sob o título “Hipótese” e republicada em 26/03/2009, chamava atenção para essa marca distintiva encontrada em ativistas do movimento LGBTT que atualmente ocupam posições de poder: a supressão das ações históricas havidas no percurso da luta homossexual anteriormente ao seu protagonismo.

Nesse diapasão, aquilo que diga respeito ao ativismo de lésbicas e gays brasileiros em épocas anteriores é tornado inexiste, minimizado ou ostensivamente desqualificado. Trata-se de tendência observável em variadas manifestações: Em palestras, comentários pessoais, mensagens em listas de discussão virtuais, ou em releases dirigidos aos veículos de comunicação.

A fração hegemônica da atual conjuntura do movimento LGBTT tende a desvalorizar todo protagonismo político que lhe antecedeu.

Assim como o senhor João Paulo Aquino que, num passe de mágica, simplesmente suprime ações e iniciativas no campo normativo anteriormente a 1996.

Como aquelas proposições apresentadas ainda no Encontro Nacional do Povo Guei (pelo grupo Auê/RJ) realizado em 16 de dezembro de 1979, na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro. Proposições essas que foram reiteradas no 1º Encontro Nacional de Homossexuais Organizados, realizado em São Paulo, de 04 a 06 de abril de 1980 e que pugnavam pela atuação em diversos campos normativos.

Também as iniciativas em sede do Congresso Constituinte (1986-1987) são tornadas inexistentes. Assim como é invalidado, apagado, todo um anterior leque de ações – tenazes e apoiadas em estreita interlocução com intelectuais de vários campos, profissionais da saúde e parlamentares.

Sejam aquelas desenvolvidas entre 1982-1985, junto ao Conselho Federal de Medicina, com vistas à supressão da homossexualidade do elenco de doenças referidas pelo Código Internacional de Doenças/INPS (classificação número 302.0, que declarava a homossexualidade como um “desvio e transtorno sexual”, integrante do capítulo referente aos “Transtornos Mentais”), entendimento acatado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) somente em 1991.

Sejam aquelas levadas a efeito entre 1986-1987, para que figurasse a expressa vedação, no Código de Ética dos Jornalistas, de práticas discriminatórias baseadas em orientação sexual.

De forma semelhante, são tornadas inexistentes as ações – vitoriosas em inúmeros municípios – para a inserção do termo orientação sexual entre os fatores discriminantes a serem expressamente proibidos nas leis orgânicas municipais, em fase de elaboração depois de promulgada a Constituição da República: Em 1990, a cidade do Salvador, na Bahia, torna-se a primeira a fazer constar a proibição de discriminação por orientação sexual.

É de todo lamentável semelhante prática, mais ainda quando por parte daqueles que, pela posição que ocupam enquanto formadores, se espera demonstrassem maior critério e senso de responsabilidade para com a função social que exercem. Sem falar do desejável respeito para com a história das lutas sociais no país.

[1]Cf. Colaço, Rita. Dez voltas ao redor do sol: a emergência do homossexual como sujeito político [Qualificação ao mestrado, UFF, 2006].

Nenhum comentário: