Estou contente e orgulhoso de que, graças a uma coalizão de cientistas, historiadores e ativistas LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros), este ano temos mais uma chance de comemorar uma contribuição à humanidade e para a Grã-Bretanha combater contra ditadura do silenciamento: a decifração da criptografia nazista pelo cientista Alan Turing.
Milhares de pessoas se uniram para exigir justiça para Alan Turing e o reconhecimento da forma terrível como ele foi tratado. Embora Turing tenha sido tratado no âmbito da lei do seu tempo, e não podemos fazer o tempo voltar, o tratamento que ele recebeu foi totalmente injusto e estou contente por ter a oportunidade de dizer o quão profundamente pesaroso que eu e todos nós estamos sobre o que aconteceu com ele.
Alan e os muitos milhares de outros homossexuais que foram condenados, como ele foi condenado, sob as leis homofóbicas, foram tratados terrivelmente. Ao longo dos anos, milhões de pessoas viviam com medo de condenação. Estou orgulhoso de que aqueles dias se foram e que nos últimos 12 anos, este Governo tem feito muito para tornar a vida mais justa e igual para nossa comunidade LGBT.
Este reconhecimento do estatuto de Alan como uma das vítimas mais famosas da homofobia na Grã-Bretanha é mais um passo no sentido da igualdade, e há muito esperado.
Foi assim que se expressou o Primeiro Ministro britânico, Gordon Brown, em 10 de setembro de 2009, referindo-se ao matemático Alan Turing, pesquisador responsável pela decodificação do sistema de criptografia utilizado pela máquina denominada Enigma nas transmissões das mensagens militares na Alemanha nazista.
Turing, além dessa notável atuação, é ainda o autor de trabalhos teóricos que estabeleceram os alicerces para o desenvolvimento de tudo o que temos na atualidade em termos de informática e inteligência artificial.
Em fevereiro de 1952 foi condenado em razão de sua homossexualidade. Teve que escolher entre a prisão ou submeter-se à castração química, através de injeções de hormônio feminino.
Além de ter a sua libido destruída, foi excluído do corpo de cientistas que trabalhavam em projetos secretos do governo britânico, num processo de indignidade pública.
Dois anos depois, em 7 de junho de 1954, foi encontrado morto em sua casa, ao lado de uma maçã mordida, envenenado por cianeto. Especulações apontam para uma homenagem póstuma ao trabalho de Turing a origem da logomarca da indústria de computadores Apple - uma maçã mordida que em sua primeira versão estava marcada pelas cores do Arco Íris. Embora haja outras versões, mais difundidas, para a origem da logo desenhada por Ron Wayne, não deixa de ser uma hipótese sustentável.
As desculpas formais publicamente apresentadas pelo Primeiro Ministro se deu por ocasião dos 70 anos do início da II Guerra, através de um texto assinado por Gordon Brown e publicado no jornal The Daily Telegraph.
Essa retratação pública é o resultado de uma petição on line que contou com a solidariedade de mais de 30.000 pessoas através do mundo, desde intelectuais renomados de todos os diversos campos do saber e cidadãos comuns e anônimos, independentemente da orientação sexual, todos imbuídos pelo sentido de comprometimento e de justiça.
Foi iniciada pelo cientista John Graham-Cumming, que, reconhecendo a importância científica e social do trabalho de Turing, não se conformava em ver o reconhecimento pelo trabalho de tão relevante intelectual permanecer no restrito circuito acadêmico e a memória de sua dignidade pessoal continuar aviltada. Tudo por conta do preconceito (homofobia) que criminalizava práticas afetivossexuais entre homens e que ainda hoje tantos prejuízos psicossociais causa aos homossexuais e lésbicas em diversos países.
Nascido em Londres, em 23 de junho de 1912, oriundo de uma classe média em ascensão, Alan Mathison Turing se graduou em matemática com distinção pela Universidade de Cambridge, no ano de 1934. Em 1935, com a dissertação sobre teoria da probabilidade, conquistou uma bolsa de estudos no King's College, obtendo o reconhecimento no âmbito da comunidade científica.
Em 1938 teve oportunidade de ficar nos Estados Unidos, mas decidiu retornar à Inglaterra, onde foi imediatamente recrutado para trabalhar no setor de comunicações bélicas da Grã Bretanha. De 1939 até 1945 permaneceu totalmente envolvido em pesquisas para a resolução do sistema de criptografia empregado pela máquina germânica Enigma e outras investigações de criptológica, programas governamentais altamente secretos. Esse aspecto de suas pesquisas contribuiu para que permanecesse fora do reconhecimento público.
Completamente voltado aos aspectos teóricos da lógica matemática, com o fim da II Guerra passa a se dedicar ao estudo comparativo entre os processos decisórios do cérebro humano e os mecânicos (computacionais). Sua hipótese era a de que seria possível a construção de um sistema de procedimentos capaz de produzir ações decisórias - o que na atualidade conhecemos sob o nome de software.
A relevância de sua produção intelectual, tida como seminal para o desenvolvimento da inteligência artificial, fez com que ficasse conhecido nos meios científicos como o pai da ciência da computação.
Em 1950, na Universidade de Manchester, para onde se transferiu em 1948, publicou o artigo "Computing Machinery and Intelligence". Em 1951 foi eleito "Fellow" pela Royal Society, por suas realizações em 1936. Ao mesmo tempo, enveredava por um território completamente novo, avançando nas aplicações de sua teoria biológica de base matemática.
Gordon Brown, em sua retratação acrescentou ainda que
É difícil acreditar que as pessoas poderiam se tornar tão consumidas pelo ódio - por anti-semitismo, pela homofobia, pela xenofobia e outros preconceitos assassinos - que as câmaras de gás e os fornos crematórios chegou a se tornar um pedaço da paisagem europeia, tão comum quanto as galerias de arte, as universidades e salas de concerto.
É graças a homens e mulheres que se comprometeram por toda sua vida com a luta contra o fascismo, pessoas como Alan Turing, que os horrores do Holocausto e da guerra total são parte da história da Europa e não está presente na Europa. Assim, em nome do governo britânico, e de todos aqueles que hoje vivem em liberdade graças ao trabalho de Alan, tenho muito orgulho de dizer: Desculpe-nos. Você merecia algo muito melhor.
Colaborou: Paul Beppler.
Links de referência:
http://www.telegraph.co.uk/news/newstopics/politics/gordon-brown/6170112/Gordon-
www.telegraph.co.uk/.../gordon-brown/.../Gordon-Brown-Im-proud-to-say-sorry-to-a-real-war-hero.html
http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,reino-unido-pede-desculpas-postumas-a-alan-turing,433322,0.htm#comentar
http://plato.stanford.edu/entries/turing/
http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Alan_Turing_Memorial_Closer.jpg
http://www.ugr.es/~folmedo/jpg_gif/Alan_Turing.jpg
http://www.theapplemuseum.com/index.php?id=44
2 comentários:
Agora foi a vez da Rainha.
Confira em
http://obramardourso.wordpress.com/2011/07/18/a-rainha-reconhece-atrocidade-cometida-a-alan-turing-%E2%80%9Cpai-da-informatica%E2%80%9D/
Lindo esse texto e emocionante a lembrança e vida de Alan Turing, sua genialidade finalmente reconhecida... espero, apesar de estar um tanto descrente, mas temos que seguir - que a Inglaterra sirva de exemplo ao resto do mundo, no reconhecimento dos nossos direitos LGBT e que partamos realmente para a construção de um mundo mais justo.
Ricardo Aguieiras
aguieiras2002@yahoo.com.br
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