A semana acabou e, com ela, a autoestima de setores da militância LGBT nacional. Se por um lado pareceu generalizada a alegria e o entusiasmo para com a população LGBT argentina e sua recente vitória, conquistando o direito ao reconhecimento jurídico para as suas famílias e o direito à adoção, por outro não foram poucas as manifestações de descontentamento com a política brasileira.
Em meio a alegria com a conquista de nossos hermanos, o desalento com a própria realidade: o Brasil, país da "maior parada gay do mundo"; do "primeiro presidente a convocar uma conferência nacional para discutir políticas públicas pala LGBTs"; o primeiro país a propor na ONU uma resolução contra a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero e cuja cidade mais conhecida internacionalmente fora distinguida com uma votação internacional que lhe concedeu o título de "Melhor Destino Gay Mundial", não possui legislação que assegure a isonomia entre as famílias homoafetivas (& transexuais) e as heterossexuais, além de exibir números vergonhosos de práticas homofóbicas (embora totalmente subnotificados), inclusive por parte de agentes do Estado - notadamente por integrantes das forças policiais.
Dentre os motivos apresentados para tão pífio status em termos de cidadania que homossexuais, travestis, lésbicas e transexuais usufruem no Brasil, houve até quem o atribuísse à decisão da militância hegemônica em defender o PL 122.
Eu tambem me alio àquel@s que manifestaram seus cumprimentos a@s militantes argentinos. Mas não vejo como o esforço realizado pela militância hegemônica brasileira em prol do projeto de lei antidiscriminação (que apenas visa regulamentar dispositivo constitucional que expressamente proibe práticas discriminatórias - seja por qual motivo for: credo religioso, raça/etnia, origem, posição, sexo, sexualidade, gênero e seus estilos, orientação sexual, geração etc.) possa ter de algum modo influenciado o nosso parlamento federal em persistir na recusa de proceder ao reconhecimento do caráter familiar das conjugalidades que não seguem o modelo heterossexual (homoafetivas e transafetivas).
De meu ponto de vista, os motivos pelos quais @s cidad@s LGBTs brasileiros até os dias de hoje não terem conseguido conquistar a isonomia jurídica frente @s cidad@s heterossexuais tem mais relação com as características de nossa sociedade, tradicionalmente pobre em práticas cívicas (participação política, comprometimento social) e tênue quanto a observância efetiva dos princípios republicanos.
Visões de mundo herdadas de nosso passado aristocrático ainda são muito presentes em nossas práticas sociais, trabalhistas e políticas, enquanto que a efetiva separação entre religião e Estado não chegamos a conquistar plenamente. Esse nosso modelo cultural tem se mostrado de parca produção do chamado capital social (participação e comprometimento cívico, coletivo).
Aliam-se à nossa historicamente baixa consciência e participação política, o acirramento da individualização verificado no processo de globalização econômica e o avanço metastático das religiões neopentecostais, muito favorecido pelas sucessivas crises econômicas vivenciadas no Brasil (anos 70, 80 e 90), quando o número de postos de trabalho se reduziu de forma drástica, levando legiões às ruas, à miséria, à depressão, ao desespero e desesperança.
Tais fatores influenciaram no fato de que, no processo de redemocratização política, ao invés de produzirmos um sustentável avanço no sentido da consolidação das conquistas fixadas na Constituição Federal de 1988, as sucessivas legislaturas tem se caracterizado por apresentarem número excessivo de candidatos eleitos e reeleitos, cujas práticas são norteadas pelo fisiologismo, nepotismo, uso privado da coisa pública, confusão entre Estado e Religião, relações clientelísticas, defesa de princípios obscurantistas, reacionários (Ver, por exemplo, João Antonio Mascarenhas, A Tríplice Conexão - Machismo, Conservadorismo Político e Falso Moralismo e Lúcio Vaz, A Ética da Malandragem - No Submundo do Congresso Nacional).
Embora isso, as lideranças hegemônicas dos movimentos LGBTs não se prepararam adequadamente para conduzir a disputa simbólica nos campos social e normativo (parlamentos), permitindo que seus principais opositores - os parlamentares fundamentalistas - pautassem a discussão, conseguindo que as lideranças LGBTs ficassem reféns de seus argumentos religiosos, quando o que se discute é da exclusiva esfera civil.
Tendo se deixado levar e permanecer no interior da arena da religiosidade, perderam tempo, energia e potencial de convencimento discutindo argumentos atinentes à esfera dos credos religiosos, mas totalmente inadmissíveis em um Estado Laico e num sistema republicano.
Incapazes de operar com eficiência os meandros da disputa pelos sentidos discursivos; de elaborar uma estratégia ampla e inclusiva, e submetê-la a distintos testes, procedendo sistematicamente à sua correção; de engendrar substancial ampliação de sua base orgânica, deixaram-se mover ao sabor dos acontecimentos, reagindo no momento a momento, não raro de forma divisionista, vertical, elitista, pouco gregária e nãoacessível.
Esses são, em linhas muito superficiais, os fatores que, em minha opinião, tem gerado o garroteamento das ações políticas empreendidas pelas lideranças hegemônicas LGBTs junto ao parlamento federal - e não o investimento de esforços no sentido da aprovação da lei antidiscriminação (PL 122).
Tomar a consequência como causa - a derrota no PL 122 -, continuar investindo em visões de agendas antagonistas e monotemáticas (ou lei antidiscriminação ou reconhecimento do caráter familiar das conjugalidades homo e transafetivas), recusar-se a promover uma radical ampliação das bases de apoiamento e de meios informacionais, para mim, significa persistir no equívoco.
E, pior de tudo, significa apostar na fratura interna (entre aquel@s que estão mais comprometid@s com a luta em prol da legislação antidiscriminação e aquel@s que se mobilizam no sentido do reconhecimento das famílias homo e transafetivas).
Talvez essa recente conquista (completa e totalmente merecida) d@s LGBTs argentin@s contribua para uma avaliação em profundidade a respeito dos interesses e posições da agenda dos movimentos LGBTs nacionais, bem como de suas ações e métodos. De preferência, de forma bastante ampliada.
A história agradecerá.
Enquanto isso, resta àquel@s que sabem fazer a hora, seguir investindo na ampliação dos casos de reconhecimento, pela via do Judiciário, ainda que de forma casuística e à mercê do entendimento pessoal do juízo ou da corte cujo caso concreto foi submetido, até que o STF venha a julgar a ADPF 132.
(3633)
Em meio a alegria com a conquista de nossos hermanos, o desalento com a própria realidade: o Brasil, país da "maior parada gay do mundo"; do "primeiro presidente a convocar uma conferência nacional para discutir políticas públicas pala LGBTs"; o primeiro país a propor na ONU uma resolução contra a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero e cuja cidade mais conhecida internacionalmente fora distinguida com uma votação internacional que lhe concedeu o título de "Melhor Destino Gay Mundial", não possui legislação que assegure a isonomia entre as famílias homoafetivas (& transexuais) e as heterossexuais, além de exibir números vergonhosos de práticas homofóbicas (embora totalmente subnotificados), inclusive por parte de agentes do Estado - notadamente por integrantes das forças policiais.
Dentre os motivos apresentados para tão pífio status em termos de cidadania que homossexuais, travestis, lésbicas e transexuais usufruem no Brasil, houve até quem o atribuísse à decisão da militância hegemônica em defender o PL 122.
Eu tambem me alio àquel@s que manifestaram seus cumprimentos a@s militantes argentinos. Mas não vejo como o esforço realizado pela militância hegemônica brasileira em prol do projeto de lei antidiscriminação (que apenas visa regulamentar dispositivo constitucional que expressamente proibe práticas discriminatórias - seja por qual motivo for: credo religioso, raça/etnia, origem, posição, sexo, sexualidade, gênero e seus estilos, orientação sexual, geração etc.) possa ter de algum modo influenciado o nosso parlamento federal em persistir na recusa de proceder ao reconhecimento do caráter familiar das conjugalidades que não seguem o modelo heterossexual (homoafetivas e transafetivas).
De meu ponto de vista, os motivos pelos quais @s cidad@s LGBTs brasileiros até os dias de hoje não terem conseguido conquistar a isonomia jurídica frente @s cidad@s heterossexuais tem mais relação com as características de nossa sociedade, tradicionalmente pobre em práticas cívicas (participação política, comprometimento social) e tênue quanto a observância efetiva dos princípios republicanos.
Visões de mundo herdadas de nosso passado aristocrático ainda são muito presentes em nossas práticas sociais, trabalhistas e políticas, enquanto que a efetiva separação entre religião e Estado não chegamos a conquistar plenamente. Esse nosso modelo cultural tem se mostrado de parca produção do chamado capital social (participação e comprometimento cívico, coletivo).
Aliam-se à nossa historicamente baixa consciência e participação política, o acirramento da individualização verificado no processo de globalização econômica e o avanço metastático das religiões neopentecostais, muito favorecido pelas sucessivas crises econômicas vivenciadas no Brasil (anos 70, 80 e 90), quando o número de postos de trabalho se reduziu de forma drástica, levando legiões às ruas, à miséria, à depressão, ao desespero e desesperança.
Tais fatores influenciaram no fato de que, no processo de redemocratização política, ao invés de produzirmos um sustentável avanço no sentido da consolidação das conquistas fixadas na Constituição Federal de 1988, as sucessivas legislaturas tem se caracterizado por apresentarem número excessivo de candidatos eleitos e reeleitos, cujas práticas são norteadas pelo fisiologismo, nepotismo, uso privado da coisa pública, confusão entre Estado e Religião, relações clientelísticas, defesa de princípios obscurantistas, reacionários (Ver, por exemplo, João Antonio Mascarenhas, A Tríplice Conexão - Machismo, Conservadorismo Político e Falso Moralismo e Lúcio Vaz, A Ética da Malandragem - No Submundo do Congresso Nacional).
Embora isso, as lideranças hegemônicas dos movimentos LGBTs não se prepararam adequadamente para conduzir a disputa simbólica nos campos social e normativo (parlamentos), permitindo que seus principais opositores - os parlamentares fundamentalistas - pautassem a discussão, conseguindo que as lideranças LGBTs ficassem reféns de seus argumentos religiosos, quando o que se discute é da exclusiva esfera civil.
Tendo se deixado levar e permanecer no interior da arena da religiosidade, perderam tempo, energia e potencial de convencimento discutindo argumentos atinentes à esfera dos credos religiosos, mas totalmente inadmissíveis em um Estado Laico e num sistema republicano.
Incapazes de operar com eficiência os meandros da disputa pelos sentidos discursivos; de elaborar uma estratégia ampla e inclusiva, e submetê-la a distintos testes, procedendo sistematicamente à sua correção; de engendrar substancial ampliação de sua base orgânica, deixaram-se mover ao sabor dos acontecimentos, reagindo no momento a momento, não raro de forma divisionista, vertical, elitista, pouco gregária e nãoacessível.
Esses são, em linhas muito superficiais, os fatores que, em minha opinião, tem gerado o garroteamento das ações políticas empreendidas pelas lideranças hegemônicas LGBTs junto ao parlamento federal - e não o investimento de esforços no sentido da aprovação da lei antidiscriminação (PL 122).
Tomar a consequência como causa - a derrota no PL 122 -, continuar investindo em visões de agendas antagonistas e monotemáticas (ou lei antidiscriminação ou reconhecimento do caráter familiar das conjugalidades homo e transafetivas), recusar-se a promover uma radical ampliação das bases de apoiamento e de meios informacionais, para mim, significa persistir no equívoco.
E, pior de tudo, significa apostar na fratura interna (entre aquel@s que estão mais comprometid@s com a luta em prol da legislação antidiscriminação e aquel@s que se mobilizam no sentido do reconhecimento das famílias homo e transafetivas).
Talvez essa recente conquista (completa e totalmente merecida) d@s LGBTs argentin@s contribua para uma avaliação em profundidade a respeito dos interesses e posições da agenda dos movimentos LGBTs nacionais, bem como de suas ações e métodos. De preferência, de forma bastante ampliada.
A história agradecerá.
Enquanto isso, resta àquel@s que sabem fazer a hora, seguir investindo na ampliação dos casos de reconhecimento, pela via do Judiciário, ainda que de forma casuística e à mercê do entendimento pessoal do juízo ou da corte cujo caso concreto foi submetido, até que o STF venha a julgar a ADPF 132.
(3633)
Um comentário:
Arrasou no post, adorei a sua análise, faz todo sentido. Infelizmente, o Brasil é uma país da contradição, das disparidades e acho que ainda vai demorar muito pra chegar ao que a Argentina fez pelos gays de lá.
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