Ando sem condições de escrever aqui e no meu outro blog, aquele sobre história e memória LGBT. Fato facilmente perceptível por quem os acompanhe.
Uma forma que tenho encontrado de ficar a meio caminho tem sido as tuitadas (@ritacolacobr) e as postagens no Facebook. Hoje, porém, roubo alguns momentos de meus afazeres mais pessoais para partilhar meus pontos de vista sobre a nova legislatura federal e a agenda do reconhecimento dos direitos de LGBTs.
Passado o Carnaval, como já é consenso entre nós, somente agora é que a vida no país tenderá a assumir seu ritmo "normal" - sempre interrompido para os feriados "enforcados". No que respeita à vida cidadã, nossa agenda nesse novo Legislativo promete, sobretudo pelas duas novas conquistas: as eleições respectivamente do Deputado Federal Jean Willys (PSOL) e da Senadora Marta Suplicy (PT).
Já nos primeiros dias de seus respectivos mandatos, esses parlamentares vem se mostrando dignos da representação que detem. Diligentes, vem colocando outra vez na "ordem do dia" da sociedade nacional a discussão sobre o direito à plena cidadania das pessoas LGBTs.
Pelo que tenho podido acompanhar, percebo nesses parlamentares um profundo sentido de compromisso social com a adequada informação da população.
Com tranquila objetividade e, mesmo perspectiva pedagógica, tanto Marta Suplicy quanto Jean Willys tem se manifestado no sentido de colaborar para o desfazimento do profundo e maléfico malentendido construído, consciente e estrategicamente, por parte de parlamentares integrantes de segmentos religiosos pouco acostumados ao convívio social em bases democráticas, laicas, não discriminatórias e fraternas - precisamente os valores fundantes de nossa coletividade nacional.
Desde ainda as lutas travadas no contexto do processo constituinte, nos idos da segunda metade da década de 1980, temos visto tais setores da sociedade posicionarem-se apostando na disseminação, entre nós, de uma cultura de intolerância e de discriminação - social, política e religiosa.
Investindo sobre uma população marcada por enorme fragilidade emocional desencadeada pelas sucessivas crises econômicas - as vulnerabilidades múltiplas decorrentes do elevado nível de desemprego sobre uma população que historicamente ostenta baixíssimos níveis de acesso à informação política e de espírito crítico -, as chamadas religiões neopentecostais tem cada vez mais ampliando seu raio de ação, em busca da concretização de seu projeto de poder político: a instauração de um Estado religioso, intolerante e obscurantista.
Esse avanço dos chamados fundamentalistas, sem dúvida nenhuma tem sido em muito facilitado pelas escolhas realizadas pelos setores mais progressistas de nossa sociedade. Estes, ao contrário de exercerem o seu papel histórico de promoção da consciência crítica coletiva - com o que se garantiria a promoção da participação cívica consciente -, tem preferido operar justamente em sentido contrário, numa vergonhosa guinada à direita - no sentido daquilo que é mais opressivo, conservador, antidemocrático e mesmo anticivilizatório.
Os exemplos mais recentes dessa movimentação rumo ao pior foi, por um lado, o triste espetáculo que assistimos durante a última campanha presidencial, com os candidatos finalistas se entregando a uma guerra suja pelo voto, a partir de discursos, práticas e simbolismos os mais conservadores e obscurantistas.
Por outro, a recente movimentação dos partidários do governo eleito em busca de alianças com políticos cuja expressão maior se concentra justamente na representação dos setores mais conservadores - notadamente o prefeito de São Paulo, como noticiado na edição nº 635 da Carta Capital (Camarada Kassab, págs. 22-24) e repercutido na seção Cartas Capitais da edição nº 636, da mesma revista, principalmente na carta de autoria do leitor Felipe Ribeiro Pinto, de Niteroi, RJ (pág. 8):
[...] Essa política dilui o direcionamento político do governo, tornando-o cada vez mais centrista e indiferenciável em seus valores, agenda e políticas públicas.
No entanto, como explicita mais abaixo em seu texto o leitor acima citado, é perfeitamente possível ao governo que se inicia - tanto no Executivo quanto no Legislativo Federal - uma correção de rumo, em retorno aos seus compromissos programáticos, todos eles pautados nos valores inscritos em nossa Constituição da Republica (democracia participativa, fraterna, inclusiva, não discriminatória e laica):
[...] O perfil partidário do atual Congresso propicia ao governo Dilma uma oportunidade de reduzir o escopo dessas alianças, ampliando a participação dos partidos de esquerda no governo e reduzindo a participação dos partidos fisiológicos construídos tão somente para bloquear a participação popular e a capacidade estatal de promover o progresso a partir da dominação das instituições executoras das políticas públicas (Idem. Destaquei).
Me explico. Na medida em que esses parlamentares tem vindo a público se manifestar sobre os projetos que estão encaminhando, objetivando tornar equivalente aos crimes de racismo e de discriminação religiosa as práticas homo e transfóbicas e reconhecer, em igualdade de condições, as conjugalidades constituídas por essas pessoas como verdadeiros núcleos familiares que efetivamente são, o modo através do qual eles vem realizando esse trabalho, as falas que vem proferindo nos diversos espaços que tem tido oportunidade de se comunicar com a sociedade, a meu ver põem em operação nosso processo civilizatório, tão degradado nas últimas décadas.
Não creio seja essa minha impressão produto de leituras bissextas de minha parte. Tampouco vejo nessa minha observação qualquer demérito ou reparo nas importantes tarefas desempenhadas e protagonizadas pelos diversos atores - parlamentares, assessores e ativistas - que até aqui conduziram essa que é uma verdadeira batalha pelos conteúdos das representações inscritas sobre a orientação homossexual e os diversos estilos de identidade de gênero - os obscurantistas aferrados na manutenção das noções de anormalidade e todos os atributos desqualificáveis a eles associados desde a hegemonia política e cultural da religiosidade judaico-cristã.
Tenho para mim que trata-se apenas de uma característica inerente ao perfil desses parlamentares. No entanto, na exata medida do tipo de guerra que os setores religiosos mais atrasados tem transformado tais reivindicações ao longo das últimas três décadas, são características, segundo o meu entendimento, importantíssimas para fazer retornar ao terreno de sua verdadeira natureza jurídico-política. O que, conforme me parece, vem efetivamente fazendo.
É que com paciência, serenidade e mesmo espírito educativo (no sentido cívico), esses parlamentares vem colaborando para o esclarecimento da população acerca de questões vitais nesse processo de construção de uma nação continental, rica e estratégica como a nossa.
Por meio de suas falas, de seus discursos e entrevistas - não à toa pouco transmitidas pelas emissoras de televisão em programas e horários de maior audiência popular - eles vem desmistificando, desembaralhando, demonstrando que tais reivindicações buscam simplesmente impedir que se continue a conviver, em nosso país, na contramão seja das nações nossas vizinhas, seja daquelas comumente referidas como "mais desenvolvidas", com cidadanias diferenciadas segundo a forma de expressão do desejo afetivossexual e da identidade de gênero das pessoas.
De maneira objetiva e clara vem demonstrando como não se cuida de cercear o exercício de qualquer crença religiosa - ao contrário dos LGBTs, protegidas por lei.
Mas, simplesmente de afirmar, por intermédio da Lei, de forma semelhante às proteções já existentes no que respeita às mulheres, aos negros, aos judeus, aos velhos, às crianças, aos crentes de qualquer credo etc., que a sociedade brasileira não admite que se continue a espancar, humilhar, assassinar e negar acesso de LGBTs ao ensino e ao emprego.
Que a sociedade brasileira não mais admite que continue a existir duas classes de cidadãos, vez que a todos se exige igualmente suas obrigações e compromissos.
Assim, ao recolocarem nos trilhos os fundamentos que norteiam a iniciativa e o encaminhamento dos projetos de lei e de emenda à constituição atinentes ao reconhecimento dos direitos de Lésbicas, Travestis, Transexuais, Intersexuais e Gays (isonomia, equidade, dignidade humana, não discriminação, inclusão social, democracia, fraternidade, solidariedade, laicidade), promovem a tão salutar discussão sobre qual sociedade estamos querendo construir e destinar às novas gerações; sobre quais serão efetivamente os valores que nortearão o estar e agir de cada um e de todos nessa coletividade política.
E, o melhor de minha perspectiva, o fazem de maneira descomplicadora, demonstrando os equívocos intencionalmente disseminados.
Agora, espera-se que o segmento social diretamente interessado, sobretudo através das amplas redes de ativistas e ativismos LGBTTIs, cumpram a função que lhes cabe - a de proporcionar a necessária base de apoio legitimadora, atuando intensamente no sentido da dinamização desse trabalho pedagógico, conscientizador, descomplicador.
Como já por várias vezes tive oportunidade de externar quando em discussões nas listas virtuais, trata-se de uma disputa que se trava com as armas da informação.
Disputa essa que, até aqui, muito graças à ineficiência, ineficácia e baixa noção das características da disputa em curso, por parte das próprias lideranças hegemônicas LGBTs, os setores obscurantistas vinham conseguindo o seu intento e fazer inscrever no seio de contingentes significativos da população uma enorme desinformação, em tudo nociva para um país que se quer democrático, inclusivo, fraterno.
Oxalá os ativistas hegemônicos LGBTs tenham a visão histórica do papel que lhes desafia na construção da cidadania plena e universal em nosso país e sejam capazes de entretecer uma ampla concertação nacional, estruturando e sedimentando a base social e política tão necessária na condução desse processo.
Quando os próprios interessados (o segmento LGBTTI) encontram-se alijados, desinformados, sem conhecer plenamente os projetos pelos quais se luta e seus conteúdos e alcance; sem ter noção sobre como se inserir na luta, transformando-se em agentes multiplicadores é preciso ter coragem e ousadia - como demonstrado pelos parlamentares citados - e "fazer o dever de casa", indo ao encontro de seu "público-alvo", seguindo a lição do poeta (o artista precisa ir onde o povo está).
Um comentário:
Acabo de ler a entrevista com a ex-Senadora Fátima Cleide (PT-RO), realizada com exclusividade pela jornalista Silvia Gomide e publicada em seu blog valentinanaweb.blogspot.com no último dia 08 deste março.
Recomendo vivamente a leitura e agradeço a indicação recebida.
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