No dia 29 de junho de 2010, uma terça-feira, enviei o seguinte emeio às listas de discussão virtual LGBT:
Está sendo realizada neste momento, no auditório da Defensoria Pública do RJ, uma Audiência Pública com o Presidente da comissão de Direitos humanos da OEA.
Estão sendo denunciadas práticas de extermínio por parte de forças policiais, milícias, torturas e HOMOFOBIA.
- Quem, dentre as instituições LGBTs, está fazendo essa representação?
Júlio Moreira, representante do Grupo Arco Íris e do Conselho de Direitos da população LGBT do Estado do RJ, respondeu dando conta de que o horário que tinha conhecimento para a reunião era às 17 horas (enquanto que pela manhã, a CBN noticiou "está sendo realizado").
No mesmo dia 29, recebi mensagem de um profissional do Direito, especialista em Direitos Humanos, assinante da lista dos Enudianos. Ele se colocava à disposição para colaborar com os seus conhecimentos. O nome do jovem é Bruno Martins Soares.
Em resposta, ainda no mesmo 29, disse-lhe que eu não fazia (como não faço) parte de nenhuma ONG ou qualquer outra entidade LGBT e que
não saberia dizer quem e em qual título estará, nessa Audiência Pública, falando em nome da população de LGBTs brasileiros, dado que as informações do movimento não são publicizadas de forma transparente e republicana (redundância) ao seu "público alvo".
Finalizando, disse-lhe que "De todo modo, estou copiando algumas dos principais ativistas que teriam o que dizer sobre o caso." [sic]. Referia-me aos ativistas do Grupo Arco Íris, RJ, ao Professor Mott, à Presidência da ABGLT, além de outrxs ativistas do RJ não integrantes de ONGs.
No dia primeiro de julho do mesmo 2010, uma quinta-feira, enviei outro emeio, dessa vez, além das referidas listas de discussão virtual, aos emeios pessoais de diversxs ativistas das ONGs que compõem o chamado movimentos LGBT, inclusive para o do Presidente da maior rede nacional de ONGs LGBTs, nos termos seguintes
Como todas sabem, terça-feira última se realizou no RJ Audiência Pública com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, no auditório da sede da Defensoria Pública, no centro da cidade.
Indaguei, em pvt e via listas, a diversas personagens da militância, inclusive ao [fundador do GGB] e ao Presidente da ABGLT, além de ao 1º Secretário do Conselho de Direitos da População LGBT do RJ e Coordenador Técnico do Grupo Arco Íris (além de outros títulos) e a outros integrantes do mesmo Conselho de Direitos e Conselho Político do Grupo Arco Íris, além de do Fórum Fluminense LGBT se os Movimentos LGBT se haviam feito representar nessa instância internacional de Direitos Humanos, haja vista os nossos índices de crimes contra travestis, transexuais, gays e lésbicas e as denúncias e ameaças do GGB de recorrer à mesma.
Nenhuma resposta se deu.
Ontem, quarta-feira, 30/06, a mesma Comissão realizou Audiência Pública na cidade de São Paulo.
Uma vez mais indago: - Os movimentos LGBTs se fizeram representar perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, seja no RJ, seja em SP, com o intuito de denunciar as práticas de homofobia (social e institucional)?
Penso que não seja necessário, mas recordo as ameaças realizadas há pelo menos 2 anos pelo GGB de recorrer à essa instância; os índices que apresentou em seu último relatório (evidentemente subnotificados, dado que apenas retrata aquelas ocorrências veiculadas na imprensa e na internet, por colaboradoras); o discurso costumeiro das militâncias relatando a constância de tais práticas, inclusive por parte das forças policiais, apesar dos esforços que vem sendo realizados no sentido da formação de uma nova consciência; e, principalmente, os últimos casos noticiados.
Ontem, inclusive, se não me engano, o Prof. Mott, via listas, apresentou mensagem na qual reiterava seu entendimento de que a mensuração das estatísticas dessa modalidade de violência deveria ser encampada pelo Estado, por ser uma sua função, sendo essa que ele e o GGB realizam subnotificada. No entanto, nenhuma referência fez quanto a presença (ou envio de relatório) na Audiência Pública com a CIDH/OEA.
O Professor Doutor Luis Mott, antropólogo aposentado da UFBa, reconhecido, entre outras, por haver sido o precursor na sistematização possível das práticas homofóbicas em nosso país, respondeu-me, então, afirmando que havia estado ausente do país e indagando sobre o que eu sugeria "como ação do GGB junto a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA".
Respondi que
Desejei saber os posicionamentos dos movimentos, em suas diversas instâncias, em relação a esta que se afigura como uma questão importantíssima para todos os atores.
Se o GGB tem intenção de cumprir com suas ameaças de já dois anos, encaminei em pvt e-mail de pessoa que se diz capacitada e que se coloca à disposição para colaborar.
Pelo que se depreende do silêncio que tenho obtido como resposta às minhas indagações sobre o posicionamento dos movimentos LGBTs, parece que, a uma, os diálogos seguem se processando apenas se e enquanto não produzam questionamentos, enquanto que, a duas, ao contrário dos demais movimentos sociais, os LGBTs, cooptados que se encontram, não possuem a necessária independência e autonomia para encaminhar a esta instância internacional dos Direitos Humanos as denúncias que se afiguram cabíveis em razão das reiteradas práticas em nosso país de violências (muitas das quais bárbaras; outras institucionalizadas, de Estado) decorrentes da estigmatização (discriminação) das "homossexualidades" (orientação homoafetiva e estilo de identidade de gênero).
A resposta do professor foi outra vez me indagar sobre o que eu sugeria como estratégia e como era o procedimento para denunciar as reiteradas práticas homofóbicas perante a OEA. Reafirmei que lhe havia enviado o emeio do jovem especialista em Direitos Humanos que se prontificara a ajudar.
No dia três de julho o advogado Bruno Soares enviou mensagem àqueles ativistas que eu havia "copiado" na resposta que lhe enviara, agradecendo-lhe a oferta de colaboração - os integrantes do Arco Íris e o professor Mott, além dos ativistas autonônomos. Fazia uma breve apresentação sobre si e discorria sobre o organismo de direitos humanos da OEA e a forma de oferecer denúncia.
Na segunda-feira, dia cinco, Júlio Moreira, então "Coordenador Técnico - Grupo Arco-Íris, Secretário do Fórum Estadual de Grupos LGBT do Rio de Janeiro, Membro da Câmara Técnica do Programa Rio sem Homofobia, 1o Secretário e Membro do Conselho Estadual dos Diretos da População LGBT do Rio de Janeiro, Representante no Rio de Janeiro do Projeto Aliadas" respondeu ao jovem acadêmico
Obrigado pelas informações. Vou socializá-las com os Grupos LGBT do Rio de Janeiro. Como você disse que o Direito Internacional inicia sua atuação apenas quando o Estado falha, teremos que levantar as situações que não estão obtendo respostas do poder público de forma qualificada. Uma das situações que levanto é dos LGBT encarcerados, principalmente as travestis e transexuais. Mas existem outras situações. Conforme for aparecendo nas listas e e-mails podemos juntar para redigir uma carta para a Comissão Interamericana (CIDH).
Desconheço que o professor Mott, qualquer ONG LGBT ou mesmo a sua maior rede nacional tenha se dedicado a "levantar as situações que não estão obtendo respostas do poder público de forma qualificada".
Neste ano de 2011, mais precisamente em 13 de junho, o jornalista e deputado federal eleito pelo PSOL/RJ Jean Wyllys, presente em Vitória, no Espírito Santo, participando "do primeiro seminário sobre Direito homoafetivo realizado pela Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Espírito Santo (OAB-ES)", ameaçou denunciar o Brasil às cortes internacionais:
Penso não ser preciso recordar a ninguém a continuidade da ascendente espiral que a violência homofóbica e a incitação ao ódio aos LGBTs no Brasil e que contam com a participação ativa e determinada não apenas de conservadores outros mas, sobretudo, daqueles que se dizem cristãos e que instrumentalizam a fé religiosa para disseminar os seus preconceitos e promover campanhas discriminatórias.
Penso que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA é um organismo internacional de vital importância a todos aqueles que se veem relegados à incúria e à omissão de seus estados nacionais.
Afinal, se hoje o país se ufana em comemorar os cinco anos da "Lei Maria da Penha", é bom que se recorde que sua edição somente foi possível através das sanções ao Estado brasileiro, promovidas precisamente por aquela instância internacional.
Entendo que o jovem deputado Jean Wyllys reune os meios necessários para, caso queira, colocar a logística de seu mandato e partido ao serviço da luta pelos direitos humanos de pessoas LGBTs junto às instâncias internacionais. Ademais da estrutura, o deputado goza de autonomia e independência frente ao governo e às ONGs LGBTs, cooptadas pelo governo federal e, em certas unidades da federação, pelos governos estaduais também. O Partido ao qual decidiu se filiar vem demonstrando grande seriedade e firmeza de propósitos - o que pode ser comprovado, por exemplo, pela atuação dos deputados Chico Alencar, Marcelo Freixo e Janira Rocha.
Por outro lado, sabemos que a composição política que dá sustentação ao mandato da Presidenta Dilma é fortemente de direita e, pior, de uma direita obscurantista, fundamentalista, trevosa, que elegeu a obstacularização à conquista da isonomia de direitos e da superação da cultura desqualificatória como prioridade número um de suas agendas políticas - ao contrário de integrantes da direita que foram e são solidários e aliados na construção de um Brasil, nos precisos termos da Constituição Federal, fraterno, justo, sem discriminações de quaisquer espécies.
Sabemos, igualmente, da composição política de nossas casas legislativas federais e de como vem, ao longo de vinte e quatro anos, avançando a representação política de viés fundamentalista, contrária à dignidade de gays, lésbicas, travestis e transexuais.
Em face disso, não tenho nenhuma esperança que o Congresso Nacional venha a promulgar qualquer legislação sancionadora das práticas homofóbicas.
Assim, venho publicamente uma vez mais defender que as redes autônomas - sem vinculações partidárias que lhes retirem a independência - de ativistas em luta pela promoção e efetividade dos direitos humanos das pessoas LGBTs se mobilizem para fazer com que o jovem deputado cumpra a sua promessa, evitando, com isso, vir a cair no descrédito público, sua ameaça tendo se constituido apenas mais um factóide, entre tantos.
A seguir, os esclarecimentos prestados em três de julho de 2010 pelo jovem acadêmico Bruno Soares sobre o funcionamento da CIDH-OEA - o mesmo que ofereceu, graciosamente, no Enuds realizado ano passado em Campinas, oficicurso sobre o mesmo tema (18 - Instrumentos Estratégicos de Atuação Internacional para Promoção e Proteção de Direitos Humanos de LGBT) e que não se furta de socializar seus conhecimentos, sempre que solicitado.
Esse é um tema muito pouco explorado pelo Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, enquanto o Sistema Europeu e o Sistema ONU já avançaram bastante no assunto. Se não me engano, há apenas um caso de uma juíza chilena lésbica que perdeu a guarda da filha, sem uma justificativa razoável. A CIDH condenou o Chile, que não cumpriu as recomendações que lhe foram estabelecidas e, atualmente, o caso está sob análise da Corte Interamericana de DDHH. Pela primeira vez, o Sistema Interamericano se pronunciará sobre direitos de LGBT, apesar de a Assembléia Geral da OEA já vir pressionando-o a fazer isso ha alguns anos. Já houve algumas audiências temáticas sobre isso (inclusive, tive a oportunidade de assistir uma enquanto fazia estágio na Comissão), mas não há um pronunciamento oficial da CIDH sobre direitos de LGBT. Assim, creio que estamos num momento muito oportuno para enviar casos à Comissão Interamericana.
O procedimento é bastante simples. Pode ser feito enviando-se por e-mail uma descrição dos fatos do caso e dos procedimentos adotados (ou não) internamente para sua solução. Depois, a própria CIDH dará andamento ao processo, entrando em contato com os representantes da vítima. Não é necessário ser advogado para o envio do caso e representação da vítima. Embora haja elementos muito facilitadores do processo, há alguns requisitos que o caso a ser apresentado deve cumprir para que seja analisado pela CIDH. O principal e mais complexo deles é o de esgtamento dos recursos internos: o Direito Internacional inicia sua atuação apenas quando o Estado falha, então, para que um caso seja analisado pela CIDH, o Estado tem que ter tido a oportunidade de resolvê-lo internamente. Por isso, apenas após a vítima ter esgotado todos os recursos internos (processo penal, ou civil, ou administrativo, ou quaisquer outros procedimentos aptos a dar uma solução a seu caso), o caso pode ser analisado pela CIDH. Há a esse requisito: quando, por exemplo, o Estado impede a vítima de ter acesso aos recursos internos, ou quando os recursos internos disponíveis não são aptos a dar uma solução satisfatória à demanda da vítima, ou quando Estado não atua com todos os seus esforços dar uma resposta à vítima (processos ou investigações que ficam parados durante anos, por exemplo). O primeiro passo para o envio de um caso à CIDH seria escolhermos casos que cumpram com esse requisito básico.
Outra forma de atuarmos na CIDH é por meio do pedido de medidas cautelares. Caso vocês saibam de algum indivíduo ou grupo (desde que composto por pessoas identificáveis individualmente) que esteja em situação iminente de sofrer grave e irreversível violação de direitos humanos (como ameaça de morte, por exemplo) e que o Estado não esteja atuando em sua proteção, podemos requerer medidas cautelares à CIDH em proteção a esse indivíduo ou pessoa. Nesse caso, num curto espaço de tempo, a CIDH emitiria recomendações ao Estado brasileiro para que conceda meios a esse indivíduo, ou grupo, para proteger-se contra a ameaça de violação de seus direitos.
Uma outra forma de atuarmos na CIDH é por meio de audiências temáticas. Duas vezes no ano (normalmente, em março e em outubro), a CIDH reúne-se em audiências públicas sobre casos que estão sob sua análise, ou sobre um tema geral ou específico. Numa audiência temática, representantes do movimento LGBT poderiam apresentar um dossiê sobre a situação atual de garantia dos direitos desse segmento da população no Brasil, por exemplo. No entanto, nesse caso, a CIDH não se pronuncia sobre casos específicos e tampouco emite recomendações ao Estado. Trata-se apenas de uma forma de visibilização de um assunto. Recordo-me que em outubro de 2008, um brasileiro participou de uma audiência temática sobre direitos de LGBT nas Américas. Na oportunidade, ele falou sobre a situação brasileira.
3 comentários:
Rita,
O caminho está assinalado, explicado e comprovado (inclusive, com o exemplo da Lei Maria da Penha).
Nome e qualificação até de quem, graciosamente, se ofereça para contribuir.
Alguma coisa está absolutamente fora de ordem. Realmente não dá para entender!
Qual a razão de não agir como se deve? O que está atrás disto?
Imaginaria ignorância se faltasse a informação, mas você mesma tem insistentemente reiterado, conforme se constata de todo histórico no presente texto.
Algumas pessoas enchem a boca para se intitularem militantes institucionais, como se fossem os grandes credores e herois dos LGBTs, mas quando vejo fatos como estes, questiono qual o papel e real interesse dos mesmos!
Hoje, atuando, provisoriamente, dentro do poder público, fico pasmo em saber de fatos que não são denunciados e comprovados para que o estado possa efetivar o que existe no papel (lei)... Imagine então, neste caso, que falta até legislação a respeito?!
Como vc sabe, a união estável hoje reconhecida já foi negada e repudiada por muitos que nos dizem representar. Penso que não há interesse por algumas entidades de acabar com algumas questões ainda em aberto, pois, de alguma forma, tudo faz parecer que vivem delas.
A sorte é que ainda existem pessoas como você, Bruno e o próprio Prof. Mott.
Parabéns!
Alexandre, não sei dizer o que há por trás de tanta inércia.
Sei apenas que também por meio dela muitas pessoas seguem sendo espancadas e mortas.
E não é inércia apenas por não se recorrer à CIDH-OEA, em se limitar a ameaças... É inércia também em utilizar os mecanismos jurídicos e institucionais de que dispomos, que estão plenamente em vigor aí para quem quiser usar! - Para quem quiser.
Lembro de ter ouvido um caso de alguem afirmar não haver acionado os meios de que dispunha para que um gay ameaçado de morte saisse de seu estado de origem porque, aos ouvidos do narrador da história, pareceu que a pessoa em questão estava a querer "fazer turismo".
O gay ameaçado, nessa história, foi efetivamente morto. E muito, muito morto, tamanho o leque de barbaridades que praticaram em seu corpo antes que lhe findassem a vida.
Assim também há aquelxs ativistas que preferem a fidelidade canina a um partido que dia após dia desonra seu Programa e a própria Constituição da República.
Entre o Partido e a vida de miles de LGTTs, ficam com o Partido!
Morte, porém, não é como eleição, que a gente pode corrigir na próxima. - Morreu, morreu. Não tem volta. Pancadas também. Não dá pra tirar a dor da humilhação.
Não há salvação em nenhuma esperança futura para essas pessoas que estão morrendo e sendo espancadas hoje.
São fatos que demandam ações urgentes, "pra ontem!" Como a fome, a saúde. - Ah, a fome! A saúde! - Que importam a nós outrxs que comemos quantas vezes e aquilo que queremos e que a qualquer dorzinha corremos a agendar consultas, exames, que podemos pagar pelos remédios necessários e aqueles nem tanto?
20 de janeiro de 2012. Quatro anos se passaram desde o primeiro anúncio (que tenho notícia) do antropólogo Luis Mott de que apresentaria denúncia à CIDH-OEA sobre o descaso do estado brasileiro em apurar, punir e reprimir práticas homofóbicas.
Segundo o levantamento do próprio antropólogo, temos, hoje, somente neste ano de 2012, a informação de 20 LGTTs assassinados exclusivamente em razão de sua orientação sexual.
Quantos anos mais? Quantos mortos mais?
Até a ONU já se manifestou, formulando Recomendação aos governos para que adote ações efetivas de combate à desqualificação por razão de homofobia.
Enquanto isso, no Brasil...
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