quarta-feira, 1 de abril de 2020

Foi golpe, teve torturas e corrupção

Não, não foi revolução, foi golpe.
Havia torturas e corrupção, violência, arbítrio, ameaça, censura e altíssima concentração de renda.

Tinha 4 anos quando se deu o golpe. O fato não chegou à nossa casa de filhos de proletários-imigrantes nordestinos da Baixada Fluminense. Lembro de minha mãe preocupada com o irmão mais velho, prevenindo-o para que não entrasse nos enfrentamentos que ocorriam entre alunos do Senai (S. Francisco Xavier) e os do Pedro II (ainda hoje não sei a razão. - Questão de classe?), nas ruas ou nos trens. Ou seja, havia alguma coisa pesada no ar, mas não estava claro, penso que tampouco para minha mãe e o mano.

Quatro anos mais tarde, eu toda feliz no "Grupo Escolar Pedro Álvares Cabral", em São João de Meriti, participava da campanha eleitoral para o Centro Cívico. No ano seguinte não teve mais. Porém somente adulta, retrospectivamente, foi que compreendi a razão da interrupção daquele processo pedagógico da democracia.

O sentimento até a chegada do governo Sarney era de não poder falar certas coisas, o pavor da polícia, as histórias dos vizinhos autônomos (biscateiros, era o termo da época), sem carteira assinada, que era detidos e torturados, apenas porque não tinham emprego formal, e o poder que membros das forças armadas e seus filhos possuíam em relação aos demais mortais, com as tradicionais carteiradas.

Por ocasião da participação no GAAG - Grupo de Atuação e Afirmação Gay, em suas reuniões na casa de uma das integrantes, havia sempre o medo de que algum vizinho nos denunciasse (era uma avenida). Sabíamos que reuniões eram coisas perigosas, vistas como amotinação...

Os shows musicais no recém inaugurado Teatro do Sesc de São João de Meriti, com os seus 400 lugares e perfeita acústica, volta e meia eram proibidos - os do Quinteto Violado e do Gonzaguinha tenho nítidos em minha memória a notícia e a frustração. O do Gonzaguinha, estávamos na fila para entrar, quando veio a notícia.

Lembro da Polícia do Exército correndo atrás dos conscritos, cassetete na mão, apenas porque os meninos estavam com a gandola aberta, naquele calor infernal, ampliado pelo ônibus e trem lotados e sem ar condicionado.

Não esqueço a emoção da primeira vez que ouvi Para não dizer que não falei de flores, em Valença, no ano de 1979, tocada ao violão e cantada por vozes jovens e cheias de sonhos e indignação como eu, no meio da praça, durante o exame vestibular da cidade.

Na faculdade, em 1983 ou 84, lembro das lutas para que fosse aumentado o percentual de investimento na educação. Uma manifestação, saindo do histórico Largo do Caco a caminho da Av. Presidente Vargas, foi ladeada, desde a porta da Faculdade Nacional de Direito, por um "corredor polonês" de milicos, a gente prevenida pelas lideranças do Centro Acadêmico, para não aceitar provocações e a possibilidade certeira de agentes infiltrados.

Também me recordo das bombas no jornal Tribuna da Imprensa, na Câmara de Vereadores, nas bancas de jornal e, a pior de todas, a que vitimou D. Lyda Monteiro, Secretária da Presidência da OAB-RJ e cujo féretro acompanhei um trecho, na praia de Botafogo, fugindo um instante do trabalho.

Nesse período, durante as obras do metrô e da Ponte Rio-Niteroi, corria "à boca pequena" histórias de desvio de recursos (superfaturamento) e materiais (cimento, mármore etc.) e abandono e silêncio sobre os operários mortos (acidentes na construção civil era absurdamente frequente, não se respeitava em absoluto a legislação protetora e os operários em sua maioria eram de outros estados, não tendo parentes na cidade para reclamar. Sequer os corpos, segundo diziam, eram recuperados para entrega à família. Como a imprensa estava sob censura, nada era noticiado ou apurado.

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